Opinião

Quem negociará com quem? O profissional de mídia frente aos algoritmos

Enquanto a IA cuida da execução, cabe a nós transformar dados em experiências, atenção em engajamento e informação em relevância real

Renato Gonçalves

Head de Mídia e Transformação Digital da Reckitt Comercial 22 de outubro de 2025 - 14h00

Quando comecei a trabalhar com mídia, a lógica era simples: negociar os melhores espaços e alcançar a maior audiência possível. Anos depois, a grande negociação não é mais com veículos, mas com algoritmos. Hoje, olhando para os planos da Meta de automatizar 100% da criação de anúncios com inteligência artificial até 2026, vejo que o desafio do profissional de mídia não está mais na execução, mas na interpretação.

Há quem enxergue a automação como uma ameaça, como se a inteligência artificial fosse minar o papel das agências ou dos times de mídia. Eu, por outro lado, vejo de forma diferente. A automação não veio para nos substituir, mas para nos libertar das tarefas repetitivas. Enquanto algoritmos otimizam orçamentos e assets em segundos, nós somos desafiados a focar no que nenhuma outra tecnologia consegue fazer: criar, em um sentido amplo, criar histórias, estratégias de marca, inovar e entender o consumidor em profundidade. Nesse sentido, não perdemos a relevância, ao contrário, ganhamos espaço para nos dedicar à criatividade, inovação técnica e visão cultural.

Afinal, a IA pode nos dar milhões de dados, mas não nos diz qual é a história certa a ser contada. O verdadeiro poder hoje está em transformar esses “micromomentos” do consumidor em uma experiência que realmente gere engajamento. Segundo especialistas da Huble, agência global de marketing e inovação, campanhas em breve deixarão de mirar públicos amplos para operar quase em nível individual, mas feito em escala. Só que essa personalização só é eficaz se estiver amparada por ecossistemas de conteúdo multimodais e confiáveis, como vídeos, áudios, textos, imagens, que os algoritmos consigam interpretar.

E é exatamente aí que a previsão da Gartner se conecta: até 2026, cerca de 25% do volume de buscas em mecanismos tradicionais deve cair, com IA e chatbots se tornando a principal porta de entrada de informação. Ou seja, não basta segmentar anúncios; será necessário preparar conteúdos robustos que alimentem essas novas interfaces e mantenham as marcas visíveis em ambientes de descoberta radicalmente diferentes dos que temos hoje.

Essa lógica mostra por que Data Integrity é uma das grandes tendências. Não adianta hiperpersonalizar se a base for inconsistente. Garantir confiabilidade, segurança e transparência no uso de dados se torna tão importante quanto segmentar. Monitorar riscos de privacidade, avaliar a qualidade dos publishers e adotar métricas de conformidade é o que permite decisões assertivas, que protegem a reputação e, ao mesmo tempo, elevam a performance das campanhas. Em outras palavras: dados confiáveis são o combustível da personalização em escala.

Se os dados são a base, a atenção é a moeda, e a atenção como tínhamos no passado somente com a TV em casa já não existe mais. E nesse aspecto, o papel do profissional de mídia se torna ainda mais central. Nossa missão é conectar dados, estratégia e execução, traduzindo decisões complexas em ações rápidas. Acredito que a colaboração entre times internos e agências continuará sendo essencial, mas agora em um nível mais integrado e estratégico. Como reforça um estudo da Deloitte, 56% da Geração Z e 43% dos millennials consideram o conteúdo das redes sociais mais relevante que TV ou filmes. Isso mostra que as marcas precisam assumir um papel de produtoras de mídia, gerando experiências que disputam e conquistam a atenção em ambientes saturados.

Ainda, em um cenário de custos mais altos e mercado fragmentado, o profissional de mídia também se fortalece na gestão estratégica de orçamentos. A expertise em análise de dados, planejamento financeiro e adaptação rápida às mudanças será imprescindível para manter competitividade, sustentabilidade e retorno sobre investimento.

O chamado é claro: é hora de abraçar essa intersecção entre tecnologia, criatividade e negócios. Quem conseguir dominar essa nova abordagem e encontrar o equilíbrio, trabalhando lado a lado com os algoritmos e cocriando com parceiros, será protagonista e terá a chance de transformar campanhas, experiências e, por que não, categorias inteiras de consumo.