Opinião

O mundo como ele é: laboratório real e atemporal

Estar atento à vida é o primeiro passo para qualquer boa ideia, que pode estar escondida nas conversas e mesmo nos silêncios do dia a dia

Eduardo Megale

Head executivo de Negócios e Operações da Artplan SP 21 de outubro de 2025 - 14h00

O trabalho não começa ao abrir o MacBook nem termina com a última mensagem do dia. Acontece o tempo todo, nas ruas, nas conversas, nas telas e, por que não, no silêncio. Atenção não é só ouvir, é escutar. Não é apenas olhar, é enxergar.

Tudo o que nos cerca, desde um comentário despretensioso no elevador à notícia lida antes de dormir, pode virar matéria-prima para criar, planejar e provocar. Parece óbvio, mas, para muitos, não é. E pra mim, é um exercício diário, consciente ou não.

Em uma conversa real durante um trajeto de táxi, da minha casa até a sede de um cliente, o motorista me contou que o filho virou influencer. Sem perceber, estava dando uma aula sobre como novas carreiras nascem, muitas vezes, dentro da sala da própria casa.

Na mesma corrida, convenci o motorista a trocar de operadora de celular, com argumentos diretos e eficazes. Entre um semáforo e outro, percebi o quanto pequenas histórias revelam grandes verdades sobre o que as pessoas realmente valorizam, como decidem, compram e acreditam.

No elevador, seu vizinho pode reclamar do trânsito do bairro. Mas antes de a porta abrir, comenta de um novo livro, uma biografia de um artista que você admira e que não sabia da existência dessa preciosidade de livro. No intervalo de segundos entre o 12º andar e o térreo, até as conversas mais corriqueiras carregam camadas de necessidade, desejo e ansiedade. Podem ser insights brutos, ainda sem polimento, mas, muitas vezes, mais valiosos que muitos relatórios.

Nas agências, o aprendizado é coletivo. Ouvir os mais experientes é entender a lógica de quem viu o mercado nascer, crescer e se reinventar dezenas de vezes. Ouvir os mais jovens é acessar visões frescas, livres dos vícios que a experiência impõe. Na copa, uma conversa com a Néia, com o seu café especial na mão, pode lembrar que atenção ao detalhe e cuidado com o outro também são estratégias de marca.

Em casa, nossos filhos nos ensinam mais sobre criatividade do que muitas leituras especializadas. Ao inventar regras para um jogo ou contar uma história improvável que aconteceu na escola, eles nos obrigam a repensar padrões e dar espaço ao inesperado. Nossos parceiros, que não trabalham com comunicação, oferecem perspectivas livres de jargões e cheias de humanidade. E nem sempre o melhor insight vem de quem fala sobre campanhas, métricas ou posicionamento. Às vezes, vem de quem fala sobre a vida.

Nas redes sociais, em meio à avalanche de conteúdos (e, sim, às vezes fico de saco cheio), vemos um mapa vivo das narrativas que realmente capturam atenção. Criadores transformam experiências pessoais em movimentos culturais. E até o silêncio diz muito.

No trânsito, rádio ligado, não é apenas a música ou a notícia que importa, mas como nos encontram naquele momento. Ler jornal no fim de semana, mergulhar em um livro à noite, assistir a uma série, tudo isso amplia repertório. Mais que lazer, também pode ser combustível criativo.

E em meio a tudo isso, a inteligência artificial (IA), que não é apenas uma ferramenta de produtividade. É uma lente que nos obriga a repensar o que é ser criativo, autêntico, humano. Ao mesmo tempo, as conversas sobre saúde mental tornaram-se uma urgência. Um imperativo para quem quer continuar criando sem se esgotar.

Percebo que trabalhar com comunicação é viver em estado de atenção plena. Não apenas para entender o cliente ou o consumidor, mas o contexto invisível que molda decisões, jornadas, microjornadas e sinais. O dia a dia, com suas centenas de interações planejadas ou acidentais, é um briefing não escrito, esperando para ser traduzido em ideias.

No fim das contas, talvez o segredo não seja buscar inspiração, mas permitir que ela nos encontre. E, para isso, basta viver de olhos e ouvidos abertos. O mundo fala o tempo todo. O resto é saber escutar.