Comunicação não é mais sobre falar, e sim merecer ser ouvido
Temos questionado o uso de dados que mapeiam comportamentos, mas ignoram a complexidade das decisões humanas
A publicidade tradicional está perdendo espaço diante de um novo comportamento do consumidor. Já não basta aumentar o volume das mensagens, repetir promessas exaustivamente ou tentar empurrar ofertas a qualquer custo. As pessoas estão mais críticas, seletivas e conscientes sobre o que consomem, e esse movimento exige das marcas muito mais do que visibilidade: exige relevância. Em um ambiente em que a atenção se tornou um recurso escasso e disputado, quem não compreender essa mudança corre o risco de falar sozinho.
O ponto não é mais disputar atenção. É merecer atenção. E isso exige uma mudança profunda de postura: ouvir mais do que falar, entender mais do que vender, construir relevância em vez de empurrar conteúdo. Mas não é qualquer escuta. Em minha empresa, temos questionado até o uso excessivo de dados sintéticos que prometem mapear comportamentos, mas ignoram o que há de mais importante: a complexidade das decisões humanas. É justamente nas nuances, nas emoções, nos contextos e nas pequenas contradições que moram as maiores oportunidades de conexão entre marcas e pessoas. Por isso, temos investido pesado em neurociência e estudos comportamentais para entender o que realmente move decisões e desejos.
Essa mudança de mentalidade também está ligada a um fenômeno maior: o fim do engajamento superficial. O like pelo like já não basta. O que importa agora é a profundidade da relação, e é por isso que estamos explorando métricas de engajamento emocional que vão além da atenção fugaz e medem a qualidade do vínculo entre marcas e pessoas. O papo é mais sobre share of heart do que share of mind. Os dados do nosso estudo Sonhos Brasileiros mostram claramente esse movimento. As duas maiores tendências do país hoje são Saúde Integral e Resgate Ancestral, e ambas apontam para a mesma direção: uma busca por equilíbrio integral, vínculos reais e relações humanas mais significativas.
Isso ajuda a explicar por que vemos sinais de saturação no uso de telas. Ainda não dá para dizer que o consumo digital caiu de forma generalizada, mas já há quem esteja deliberadamente moderando o tempo online por saúde mental, sono e produtividade. E isso muda tudo. As marcas precisam entender que a comunicação não vai viver só do aumento constante do tempo de tela e a mídia não se sustenta monetizando a hiper fragmentação da atenção. O digital continua essencial, mas precisa ser parte de uma jornada integrada, em que a tecnologia facilita e a experiência física emociona.
Esse movimento já aparece claramente na Bússola de Marketing, estudo que conduzimos com os principais anunciantes e que há dois anos mostra um crescimento consistente dos investimentos no dueto formado por mídias digitais e ações presenciais. E isso não é por acaso: quando marcas oferecem conveniência online e surpreendem o consumidor fora das telas, com experiências sensoriais, espaços de convivência ou serviços úteis, elas criam memórias que nenhum banner consegue competir.
O avanço do minimalismo digital reforça ainda mais esse cenário. As pessoas querem menos, mas melhor. Preferem qualidade à quantidade, propósito à abundância. Isso vai sacudir setores como consumo rápido, moda, tecnologia e entretenimento, e vai obrigar empresas a repensarem não só produtos e serviços, mas a forma como entregam valor. E sim, o setor de serviços será o primeiro a sentir esse impacto.
Com isso, o branding assume um papel ainda mais central. Se a publicidade perde espaço, construir marcas fortes se torna questão de sobrevivência. Não dá mais para pensar apenas em campanhas de impacto imediato. As marcas precisam construir consistência, propósito e significado ao longo do tempo e principalmente criar comunidades, porque o consumidor quer se conectar com empresas que compartilham valores e entregam experiências coerentes em cada ponto de contato.
E tem mais: a inteligência artificial vai redefinir essa relação. Investir em GEO (Generative Engine Optimization) e LEO (Language Engine Optimization) será indispensável para transformar dados em insights acionáveis, personalizar jornadas e otimizar a presença das marcas em ambientes mediados por algoritmos e linguagem natural. A combinação entre branding sólido, comunidades engajadas e uso estratégico da inteligência artificial será o tripé da relevância no futuro.
Inovação, portanto, não é apenas sobre criar novas tecnologias. É sobre repensar como as marcas se relacionam com as pessoas, com utilidade, personalização e relevância real. Ela acontece quando criamos ecossistemas de serviços que resolvem problemas concretos, quando cocriamos com comunidades e consumidores, quando transformamos conteúdo em ferramenta prática e empoderadora. É também sobre formar parcerias entre marcas para entregar valor que, isoladamente, seria impossível.
O futuro da comunicação não vai ser sobre campanhas em massa, mas sobre comunidades, interações personalizadas distribuídas em múltiplos pontos de contato, inclusive fora das telas. Vai viver em ambientes físicos, experiências imersivas, assistentes de voz, realidade aumentada e novos espaços de convivência. A publicidade vai deixar de interromper para, finalmente, começar a conversar.
E talvez essa seja a grande virada de chave: o futuro não é sobre falar mais, é sobre falar melhor. É sobre deixar de ser ruído para se tornar presença legítima na vida das pessoas. As marcas que entenderem isso não serão apenas lembradas, serão desejadas.