Desencontros temerários
Desalinhamento entre objetivos de agências e necessidades dos clientes são alertas que podem comprometer a indústria
Uma suposta fadiga em relação aos discursos sobre inteligência artificial (IA) — especialmente aos que não encontram ressonância nos exemplos práticos aplicados ao dia a dia da indústria —, a ditadura do curto prazo e os desencontros entre os objetivos das holdings de agências — algumas demasiadamente ocupadas com problemas internos — e as necessidades dos clientes. Esses foram alguns dos temas que mais geraram debates na Advertising Week, realizada na semana passada, em Nova York.
Justin Thomas-Copeland, CEO da American Association of Advertising Agencies (4As), descreveu que as preocupações atuais das agências podem ser resumidas em duas questões principais: proteger os orçamentos dos clientes que administram e buscar oportunidades de negócios que incrementem suas receitas com “alguma longevidade”. A dificuldade é fazê-lo em um cenário no qual a disseminação de uso da IA parece ter espremido ainda mais a distância entre o planejamento e o horizonte que ele vislumbra — é o império do imediatismo. “Há uma revolução consistentemente mais rápida de projetos e ciclos orçamentários”, resumiu o CEO da 4As. Paralelamente, entre as holdings, o movimento de consolidação responde à constatação de que há muita ineficiência e desperdício inerentes à falta de integração.
O evento também discutiu a tensão crescente entre os objetivos dos grupos de agências e as necessidades dos clientes. Foram citados exemplos de que as principais holdings estão “voltadas para dentro”, como visto nas recentes reestruturações e mudanças do WPP, comandado desde o mês passado pela CEO Cindy Rose, e até mesmo na Accenture Song, agora liderada pela CEO Ndidi Oteh.
Entretanto, o maior ponto de atenção e expectativa está na iminente incorporação do IPG pelo Omnicom, aguardada para se efetivar até o final de 2025. Na última semana de setembro, houve um avanço importante na concretização do negócio, com a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC) finalizando o acordo entre as partes. Com isso, até o fim do mês passado, a aprovação regulatória da aquisição seguia pendente em apenas dois mercados: a União Europeia e o México.
As consequências da consolidação entre as duas companhias, que criará um novo líder isolado da publicidade global, já é sentida em diversos mercados. O esperado desaparecimento de algumas marcas de redes globais de agências de publicidade dá sinais de avanço. No Canadá, o escritório da DDB foi absorvido pelo da TBWA.
Há movimentações também entre grupos concorrentes, como a da joint venture recém-firmada entre a Horizon Media e a Havas, inicialmente focada na participação conjunta em grandes concorrências globais. A Horizon Global, companhia resultante da parceria, vai operar de forma independente das duas empresas-mães, com os lucros divididos entre as partes.
Como ocorre na maioria dos eventos da indústria de comunicação, marketing e mídia, na Advertising Week, a IA também foi o tema mais abordado, mas, em diversos momentos, com uma nítida fadiga com o hype e a pouca exposição de casos de usos e implicações reais. “Trata-se do tema mais discutido e, ao mesmo tempo, menos utilizado”, disse, no evento, o CEO global da Acxiom, Jarrod Martin.
Nas agências, a IA ainda é usada para necessidades mais imediatas, na busca de eficiência interna, como na frente de contratações e análises de currículos, fluxos de trabalho, planejamento de mídia ou, ainda, na produção de relatórios de atividades. Com os primeiros efeitos sentidos da porta para dentro, os líderes de agências participantes do evento concordaram que o maior gargalo não é a tecnologia em si, mas sim a gestão das mudanças causadas por ela, como os desafios de engajamento positivo das pessoas, mesmo diante do temor de que a IA coloque seus empregos em risco.
Outro ponto notável da Advertising Week, também visto em diversos outros eventos de 2025, foi o arrefecimento no comprometimento das empresas e no tempo dedicado às questões de diversidade, equidade e inclusão. O que deveria acender um alerta ao risco de retrocesso mais acelerado do que foram os pequenos avanços dos últimos anos.