Opinião

A ascensão do feel service

São muitos os sinais de uma nova era do marketing que sucede a fadiga do full service

Ricardo Figueira

ECD e Business Transformation da Africa 14 de outubro de 2025 - 14h00

A era da interrupção saturou até o tempo não linear, transformando o excesso de discursos em ruído. E, no centro desse caos, emergiu um novo humano: hiperconectado, não mais um mero receptor, mas um emissor, crítico, curador e criador.

Sua moeda mais valiosa não é o dinheiro, mas o tempo e tudo o que se torna significativo para a sua intenção, seja ela explícita ou implícita. Ele não quer ser interrompido; chega a pagar a mais para isso. Quer ser acolhido e enriquecido. Não quer ser segmentado; quer ser compreendido. Não quer apenas um produto; quer viver uma vida que seja, em si, uma boa experiência.

Hoje, para ele, o que funciona sem atrapalhar já é um grande começo. E diante disso, o Full Service, que foi a espinha dorsal do marketing no século XX, o discurso da escala e do volume, vem perdendo efeito. O que já foi vantagem competitiva transformou-se em ruído de fundo. Hoje, o desafio não é mais ocupar todos os espaços possíveis, mas conquistar presença real na vida das pessoas, com sentido e intenção.

É nesse contexto que nasce o “feel service”: a arquitetura que transforma propósito em experiências tangíveis, relacionamentos e uma convivência produtiva em mão dupla. Enquanto o full service bradava “gritamos em todos os lugares que o dinheiro pode comprar”, o feel service responde com outra lógica: “orquestramos o que atrai e o que retroalimenta o consumo contínuo como modelo de convivência e relação”.

Essa mudança reorganiza o jogo por completo. Trata-se da transição de uma mentalidade de gerenciamento de mensagens para uma de gestão de intenções, arquiteturas de relações e impactos de diversas naturezas, sejam impactos proprietários, espontâneos e também pagos, como já conhecemos, porém todos alinhados por um propósito mais sábio: a capacidade interdisciplinar de gerar valor real.

No relacionamento, não se trata de CRM ou dados impessoais, mas da curadoria de vínculos com escala e frequência. Na convivência, não são pontos de contato, mas campos de troca contínua. Nos significados, não é volume de conteúdo, mas uma coleção de experiências que geram contribuição real no cotidiano.

Essa virada representa uma transformação profunda do marketing, que deixa de ser refém da atenção para se unir a uma cultura que cultiva intenção. É a renascença de um modelo pensado no todo, capaz de gerar uma ressonância sustentável, e não apenas comprável.

Durante décadas, as marcas trabalharam para construir o que os americanos chamam de “reasons to believe”, discursos racionais de justificavas para marcas se provarem. Hoje, as pessoas não estão predispostas a racionalizar uma marca e muito menos milhares delas por dia. A conveniência da compra digital se tornou um triturador de marcas que parecem iguais ou que não tem significado construído, vai tudo pro saco.

O que move o mundo hoje não são mais reasons to believe, mas o seu oposto: cultivar “motivations to love”. Experiências que despertam magnetismo, vínculos que estimulam convivência e significados ao se tornarem narrativas ativas nas vidas das pessoas. Até mesmo a Inteligência artificial torna-se decisiva nesse panorama, não como substituta, mas como expansora da experiência e aliada da inteligência humana em escala, para ouvir, analisar, encontrar e endereçar oportunidades, sejam elas biográficas e sintéticas.

No plano sensorial, o feel service vai muito além da textura de uma embalagem presenteável. Ele desenha convergência e divergência produtiva em todos os canais de relacionamento, do aplicativo ao WhatsApp, da ouvidoria às interfaces digitais, ou mesmo aproveitando a ausência delas. Isso se reflete num plano de design para cada circunstância e para todas interconectadas.

Sendo realistas, o verdadeiro luxo, hoje, é simplesmente ser ouvido como parte de uma jornada que culmina em uma surpresa, geradora de pertencimento e retenção. O século XXI já deixou claro que o grande modelo não é convencer quem não quer ser convencido, mas mobilizar intenção. Lembre-se: as pessoas hoje buscam validação ou desejam validar. Não querem ser convencidas de nada. Não é à toa que tantas marcas terceirizam sua influência em vez de criá-la de forma estruturada e proprietária. Porque insistir em convencer desgasta.

O Feel Service é a tradução prática dessa mudança. É uma gestão arquitetônica que integra magnetismo, relacionamento, convivência e significados como seus fundamentos. Uma renascença que sucede a fadiga de um modelo ditatorial e inaugura um paradigma onde o impacto não se mede por alcance, mas pela produtividade e intensidade das presenças. Não se trata de excluir a propaganda tradicional; ao contrário, é preciso recompatibilizá-la dentro de uma visão mais ampla, sustentável e ajustada à necessidade de uma verdadeira influência, que é o negócio central da marca.

Esse é o movimento que define evolução no século XXI. Não como uma promessa futura, mas como uma realidade ativa e reativa ao presente. Assim, o que era FULL service renasce como FEEL SERVICE, desenvolvendo um papel essencial: integrar marketing, atendimento, tecnologia, design, produto e cultura sob uma mesma intenção, orquestrada e ativa para conviver em vez de apenas interromper. E é nessa convergência que o conceito FEEL SERVICE transcende até a estratégia de marca podendo se tornar até uma nova dinâmica organizacional, mais coerente, conectada e preparada para sustentar escolhas duradouras.