Comunicação

Pipo, sobre Cannes: “Foi o pior episódio da minha vida”

CEO da DM9 explica mudanças internas que marcam nova fase da agência e fala, pela primeira vez, sobre a crise desencadeada pelo GP cassado em Cannes. "É duro ter seu caráter questionado", afirma

i 22 de outubro de 2025 - 20h17

Pipo Calazans

Pipo Calazans, CEO da DM9: “Tomamos a decisão de ter uma comunicação aberta e de nos colocarmos nesse lugar absolutamente vulnerável” (Crédito: Divulgação)

A DM9 apresentou, nesta quarta-feira, 22, em um evento para a imprensa, seu novo guia de uso ético de inteligência artificial na publicidade – que contou com a curadoria do advogado e especialista em tecnologia Ronaldo Lemos.

O projeto, pensado para nortear todas as áreas da agência, não somente a criação, é aberto ao mercado e uma consequência da reformulação pela qual a DM9 vem passando nos últimos quatro meses.

À reportagem de Meio & Mensagem, o CEO da agência, Pipo Calazans, relembra as reflexões adotadas pelo time desde o Cannes Lions, em junho, que se transformaram em ações, como o lançamento do guia, e numa reformulação de crenças e equipes internas, que perpassam todas as áreas da operação, inclusive a criativa, hoje comandada pela CCO Yuri Mussoly.

Meio & Mensagem – Quais foram as reflexões que você e o board da DM9 tiveram desde o ocorrido no Cannes Lions – e que agora culminam no lançamento do guia e do comitê?

Pipo Calazans – Primeiro, quisemos olhar para dentro e, a partir daí, fazer nossas reflexões. A primeira coisa foi proteger as pessoas e o board, que ficaram expostos. E proteger os clientes e a relação com eles. Esse foi o foco central e, junto com isso, veio uma reflexão sobre para onde queremos ir como agência. Daí, as ações vieram. Quando trouxemos a Yuri [Mussoli, CCO], isso já reflete o caminho para onde estamos indo como agência. Unimos o time criativo com o de social e o de conteúdo em uma única estrutura. Fomos pegos de surpresa em relação a esse assunto e, tendo tomado todas as providências, entendemos que tínhamos uma responsabilidade. Então percebemos que precisávamos criar um manual.

M&M – O que mudou na agência em termos de governança? Já que você alega que o videocase de Consul que foi inscrito em Cannes é diferente daquele que havia sido aprovado pelo cliente?

Pipo – A vinda da Yuri já é uma mudança de cultura importante e vai evitar que situações como essa em Cannes aconteçam. Isso é cultural. Óbvio que Cannes continua sendo importante, mas agora tem outro significado culturalmente.

M&M – Como você e o board lidaram com o caso ainda durante o festival?

Pipo – Nunca vimos a versão que foi para o ar. Fomos pegos de surpresa. Quando começaram as críticas, a primeira coisa que quisemos fazer foi devolver os Leões. Mas o processo demorou mais tempo, porque fazemos parte de uma rede, que tem camadas de aprovação. A decisão pelo desligamento do Icaro [Doria] foi uma decisão inevitável, tomada em conjunto. Mas o processo levou mais tempo do que se fosse uma decisão local.

M&M – O que provocou a manipulação do videocase? Excesso de ambição criativa?

Pipo – Não sei dizer. O mais importante de tudo é que haverá uma mudança. Cannes 2026 será diferente não só para a DM9, mas para todas as agências. [O que aconteceu] foi grave o suficiente para que causasse uma reflexão no mercado.

M&M – Como era a cultura criativa da DM9 antes e como é agora?

Pipo – A DM9 sempre foi sobre criatividade e o que estamos aportando agora é uma nova perspectiva. O mercado está olhando para a premiação sob uma nova perspectiva. Queremos liderar essa ressignificação de olhar para o prêmio porque fomos pivô de algo grave. Não me furto da responsabilidade como gestor da agência. Estamos acelerando o uso de IA em todos os departamentos. Quando começamos a DM9, três anos atrás, não existia ChatGPT. Não temos nenhum guia ou parâmetro para nos escorar, estamos expostos o tempo inteiro, a gente, os clientes. Por isso trouxemos o Ronaldo e um grupo de cinco pessoas que puderam trazer diferentes perspectivas.

M&M – A reestruturação da área criativa subsequente à chegada da Yuri foi determinante para a mudança cultural da agência?

Pipo – Essa transformação criativa acontece na criação, no conteúdo, no planejamento. Para que isso aconteça, é preciso que haja uma mudança no jeito de operar a agência. Acreditamos que a criatividade pode gerar conversa e queremos ser a agência que consegue se transformar na velocidade da cultura. O CazéTV era um cara que fazia reacts, hoje vende cotas de R$ 120 milhões. É uma transformação muito grande. Como uma agência vai estar pronta para se transformar nessa velocidade?

M&M – Passados quatro meses do episódio de Cannes, como avalia o impacto do ocorrido sobre a agência?

Pipo – Os clientes foram muito importantes nesse processo, tivemos muito apoio deles. Ganhamos duas contas nas últimas semanas. Perdemos a Whirlpool, mas não tinha como pleitear a manutenção depois da repercussão global que isso teve. Era o caminho natural. Fomos de cliente em cliente explicar o que aconteceu e quais eram as providências que estávamos tomando. Foi muito importante para nos conectarmos nesse lugar de confiança com eles. É um processo de cura, que estamos enfrentando de maneira absolutamente madura. Torço pelo sucesso do Icaro, mas seguimos caminhos diferentes. A maneira com que a gente conduziu tudo foi com base no pacto com a verdade, de tomar as decisões corretas, por mais difíceis que fossem. Quando vimos que algumas coisas não paravam de pé e quisemos devolver o Leão, recebi críticas de algumas pessoas do mercado, que disseram que isso seria prejudicial para a criatividade brasileira. Mas outras pessoas apoiaram. O que mais me emocionou nessa história toda é que recebi apoio de pessoas que não imaginava.

M&M – A DM9 vai inscrever cases em Cannes para o ano que vem?

Pipo – Sim. Cannes não é um problema. Desde que esses cases tenham sido criados para ter impacto no cliente.

M&M – A partir de agora você acompanhará mais de perto a criação da DM9?

Pipo – Antes éramos divididos entre copresidentes, as funções eram divididas. Agora,  faz parte da minha responsabilidade. Hoje, a liderança criativa da DM9 é menos um farol criativo e mais um motor criativo da agência. Que está muito mais participativa do processo criativo. É algo mais colegiado. A Yuri é uma pessoa gregária.

M&M – Esse foi o episódio mais difícil da sua carreira? Quais são os aprendizados que tira disso tudo?

Pipo – Foi o episódio mais difícil da minha vida. Porque não foi uma discussão sobre minha carreira. Porque me vi sendo questionado sobre algo que, para mim, era muito sagrado. Ter essa ética questionada. É duro ter seu caráter questionado. Foi um episódio para a vida desse time aqui, que teve que dar explicação em casa, aos amigos do mercado, às esposas e maridos. Por isso, tomamos a decisão de ter uma comunicação aberta e de nos colocarmos nesse lugar absolutamente vulnerável. A maneira com que saímos desse lugar fez com que criássemos uma conexão mais profunda entre todos. Tivemos uma primeira temporada incrível com um último capítulo eletrizante. Agora, estamos com o plano da segunda temporada.