Fast fashion em expansão e o desafio do consumo consciente
Seremos apenas mais um mercado a alimentar o ciclo do descartável ou aproveitamos esse momento para questionar o rumo da moda?
Nos últimos anos, o Brasil se tornou terreno fértil para a chegada e expansão de grandes redes internacionais de fast fashion. O movimento é sintomático: de um lado, consumidores vibram com a variedade, o preço baixo e o status associado a usar uma marca global; de outro, cresce a consciência de que esse modelo de negócio está no centro de debates urgentes sobre sustentabilidade, direitos trabalhistas e padrões de consumo mais responsáveis.
A entrada de novas gigantes estrangeiras no mercado local materializa, no entanto, um dilema contemporâneo: o desejo por pertencimento e tendência versus a necessidade de repensar o impacto coletivo de nossas escolhas. No Brasil, país que já enfrenta desafios estruturais de desigualdade e gestão de resíduos, esse modelo tende a acentuar problemas já visíveis, como toneladas de roupas indo parar em lixões clandestinos, comunidades vulneráveis impactadas pela poluição têxtil e uma relação cada vez mais imediatista com o ato de consumir.
Não se trata, no entanto, de vilanizar o acesso a roupas de preço mais baixo, afinal, em uma economia marcada pela concentração de renda e pela alta no custo de vida, democratizar a moda é um argumento forte. O problema está no discurso de “acessibilidade” desvinculado das consequências sociais e ambientais. O barato tem um custo pouco visível, e ele recai sobre trabalhadores em condições precárias, sobre recursos naturais explorados de forma intensiva e sobre cidades que já não dão conta de gerir o descarte.
As cadeias produtivas de qualquer bem estão, de forma direta ou indireta, conectadas a impactos ambientais e sociais. Nesse contexto, produtos com valores significativamente mais baixos em comparação a similares podem não assegurar o mesmo nível de rastreabilidade dos insumos utilizados nem das condições de trabalho envolvidas em suas etapas de fabricação. Por isso, ao realizar uma compra, é fundamental adotar uma postura de consumo consciente.
O Brasil também vive um paradoxo quanto ao fortalecimento da moda rápida, pois, ao mesmo tempo, cresce em paralelo o movimento de brechós, feiras de troca, consumo de peças atemporais e iniciativas de upcycling. Jovens da geração Z e millennials vêm mostrando maior interesse em se vestir de forma criativa e consciente, sem abrir mão da identidade. É um contrapeso cultural que revela uma oportunidade tanto para o consumidor que deseja coerência entre discurso e prática, quanto para marcas que buscam inovar em sustentabilidade.
É nesse ponto que entra o papel das empresas que chegam ao país: não basta abrir lojas imensas e disputar território nas grandes capitais. O consumidor brasileiro, cada vez mais informado, já cobra transparência de marcas nacionais e tende a exigir o mesmo das estrangeiras. Onde e como foi produzida a peça? Qual a política de descarte? Há programas de reciclagem? O fast fashion precisa se reinventar para sobreviver em um cenário em que o impacto ambiental e social é pauta obrigatória.
O consumo consciente vem se consolidando como uma tendência global nos últimos anos, promovendo uma transformação na forma de pensar e estabelecendo novas demandas por parte dos consumidores. De acordo com pesquisa da consultoria internacional WGSN, especializada em análise de tendências, 40% dos compradores consideram que as marcas têm o dever de contribuir para tornar o mundo um lugar melhor. Já para a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), que reúne mais de 100 das maiores varejistas de moda do país, esse movimento confirma que a atenção dos consumidores a práticas éticas e a uma produção responsável não se trata de um comportamento passageiro.
Os dados do Índice de Transparência da Moda indicam que as marcas têm avançado na divulgação de informações socioambientais, especialmente no que se refere à transparência sobre emissões de gases de efeito estufa e à publicação de suas listas de fornecedores. No entanto, persistem lacunas significativas em áreas fundamentais, como metas de descarbonização, políticas de desmatamento zero e aspectos sociais ligados a salários justos, combate ao racismo e promoção da igualdade de gênero. Esses pontos revelam que o compromisso do setor com questões essenciais de sustentabilidade e justiça social ainda é limitado.
Cada compra realizada no modelo atual de consumo envolve um complexo processo logístico, que mobiliza diferentes modais de transporte para trazer um produto de regiões distantes do mundo até o consumidor final. Esse deslocamento gera impactos significativos em termos de emissões de gases de efeito estufa. Além disso, o hábito de adquirir peças sem a certeza do tamanho, contando com a facilidade das trocas e devoluções sem custos adicionais, amplia ainda mais esse impacto. A cada devolução, o produto percorre novos trajetos, intensificando o volume de transporte e, consequentemente, a pegada ambiental associada a essa prática.
Como sociedade, o desafio é assumir responsabilidades práticas. Não é sobre comprar menos, é sobre escolher melhor. Dar mais tempo de vida às roupas não é apenas um gesto individual, mas sim uma forma de pressionar um setor que movimenta bilhões e ainda engatinha em compromissos reais de sustentabilidade.
O que as novas lojas estrangeiras encontram no Brasil é um público em transição. Há ainda uma forte adesão ao modelo da moda rápida, impulsionada pelo desejo imediato e pela lógica de preço. Mas há também uma crescente consciência de que consumir é, antes de tudo, um ato político. A pergunta que fica é: seremos apenas mais um mercado a alimentar o ciclo do descartável ou aproveitamos esse momento para questionar o rumo da moda e exigir que ela, finalmente, se alinhe a práticas mais justas e sustentáveis? A decisão não está apenas nas vitrines, mas em cada compra que fazemos. E, diante desse cenário, só há um caminho coerente: transformar o ato de consumir em um instrumento de mudança.