Opinião

A grana e a belezura

Debates sobre a flexibilização da Lei Cidade Limpa abrem novas possibilidades para a mídia OOH, mas acendem alerta sobre os limites da poluição visual — até mesmo para a própria saúde do setor

Alexandre Zaghi Lemos

Editor-chefe do Meio & Mensagem 21 de julho de 2025 - 6h00

Eternizada pela canção Sampa, de Caetano Veloso, como exemplo da “dura poesia concreta” da cidade, a esquina das avenidas Ipiranga e São João, está, agora, no centro dos debates sobre a flexibilização da Lei Cidade Limpa, criada para reduzir a então caótica situação de poluição visual da maior metrópole do País. Em vigor desde 1o de janeiro de 2007, a regulamentação sobre a exibição de publicidade na mídia exterior da capital paulista é um marco na história do mercado brasileiro de out-of-home (OOH) — inclusive, na adoção dessa nomenclatura, em inglês, para denominar o setor.

Sua instituição abriu uma nova era para a comercialização, criação e exibição de publicidade em ambientes públicos. Nesses 18 anos, desde que começou a valer a nova legislação paulistana, um efeito cascata atingiu diversas outras cidades do País, que instituíram regras semelhantes e sedimentaram a crença nas vantagens que um mobiliário urbano bem-organizado traz para a sociedade.

A Lei Cidade Limpa é tida como ponto inicial para o movimento que profissionalizou a mídia exterior brasileira, deu segurança jurídica para a atração de grandes players e instituiu contratos atraentes de longa duração, com contrapartidas para a melhoria da interação das pessoas com os espaços públicos.

Desde então, avançaram diversos projetos que organizam a exploração da venda de espaços publicitários não apenas nas cidades, mas em outros ambientes, como aeroportos, parques, rodovias e meios de transporte coletivo. Atualmente, o OOH vive seu melhor momento no Brasil, com suas principais propriedades digitalizadas e faturamento das exibidoras em alta: é a mídia que mais cresce na atratividade de verbas publicitárias, tendo registrado alta de 22,7% no ano passado, o que a fez atingir faturamento de R$ 3,1 bilhões e share de 12% — a maior participação da história —, segundo dados do Cenp-Meios.

No aspecto político, a Lei Cidade Limpa é o legado mais lembrado da gestão do prefeito de então, Gilberto Kassab, e exemplo de busca de ocupantes da principal cadeira do executivo municipal por uma marca que possa ajudá-los a serem reconhecidos positivamente pela população. Uma de suas antecessoras, Marta Suplicy, já havia tentado algo semelhante com o Projeto Belezura, que pretendia melhorar a zeladoria urbana, recuperar áreas degradadas e o mobiliário urbano da cidade — mas, sem a mesma eficácia e efeito do capital político acumulado pela lei sancionada por Kassab.

Na atual legislatura, uma das buscas por um marco é a da instituição em São Paulo de uma — ou mais — Times Square, na esperança de replicar ao menos parte do sucesso turístico e econômico da esquina da avenida Broadway com a Sétima Avenida, em Nova York. A Câmara Municipal aprovou, em primeira votação, um projeto que prevê alteração de alguns artigos do texto original da Lei Cidade Limpa e a abertura de novas possibilidades de exploração econômica para a publicidade em vias públicas e fachadas de edifícios de São Paulo. Outra possibilidade em discussão é a da escolha de cruzamentos de grande circulação de pessoas para a instalação de painéis luminosos no estilo dos billboards norte-americanos — a esquina cantada por Caetano é a campeã nas apostas de bastidores para puxar a fila.

A polêmica instaurada pelas implicações de uma eventual mudança na legislação paulistana é detalhada em reportagem da edição semanal de de Meio & Mensagem, de 21 de julho, para a qual a jornalista Thaís Monteiro ouviu vozes favoráveis e contrárias, de políticos, entidades urbanísticas e empresas de OOH, incluindo os efeitos sobre os negócios das duas empresas que atualmente dividem a administração do mobiliário da cidade: Eletromidia e JCDecaux.

Embora o poeta não estivesse se referindo à mídia OOH, parece emblemático que na mesma canção que transformou a esquina da Ipiranga com a São João num dos cruzamentos mais famosos do País, Caetano também tenha se referido à “força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Agora, que está bem mais maduro e sofisticado, o mercado de OOH precisa manter o seu caminho de consolidação, mas sem perder a belezura.