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Opinião

Alone is the new black?

Ligação direta entre produtores de conteúdo e público final impacta toda a indústria, especialmente se a relação é financiada por assinaturas e prescinde de publicidade


14 de agosto de 2017 - 15h10

Previsíveis, mas emblemáticas, as decisões da Disney de não renovar contrato com a Netflix e lançar até 2019 o seu próprio serviço de streaming para distribuir o conteúdo que produz, além de investir em plataforma de video on demand (VOD) para a ESPN, inclusive para eventos ao vivo, inflamam questionamentos que impactam o futuro de toda a indústria.

Maior empresa de entretenimento do mundo, a Disney alimenta venda de ingressos nos cinemas, circulação de impressos, cliques digitais, licenciamentos variados e comercialização de publicidade em intervalos da TV de todo o mundo — além de manter seus parques como um dos maiores destinos de desejo de boa parte do planeta, não só das crianças e adolescentes. Portanto, é natural que seus movimentos despertem muito interesse.

Foto: Reprodução

O anúncio, feito na semana passada, mobilizou a atenção dos analistas que se dedicam ao mercado de comunicação, marketing e mídia em diversas frentes. Desde os financistas, já que houve impacto negativo nas ações da Netflix, até os futurólogos de plantão, que se apressam em decretar a falência de setores da indústria, mas erram mais que acertam.

Embora alguns deles tenham salientado que o catálogo da Disney responde apenas por uma pequena parcela do extenso menu oferecido pela Netflix, o baque vem justamente no momento em que, após descontinuar séries e desagradar fãs, o serviço de streaming é questionado em sua capacidade de manter os altos investimentos necessários para a produção de conteúdo relevante. Parte da resposta foi dada ainda na semana passada, com a contratação de David Letterman, com quem a Netflix pretende provar que não é boa só em filmes e séries, e que também sabe produzir outros formatos consagrados pela TV.

Entretanto, o que merece reflexão mais aprofundada é que a ligação direta entre o produtor de conteúdo e o público final impacta não só as plataformas de VOD que dependem do catálogo de terceiros e a TV paga, mas toda a cadeia da indústria, especialmente se essa relação for financiada apenas pela venda de assinaturas e, assim, prescindir de publicidade.

O crescimento no total de assinantes aponta uma reversão importante no comportamento do público, que já entendeu que no mundo digital não é tudo grátis e que vale a pena pagar por conteúdo do seu interesse. Se por um lado reforça o poder da comunicação audiovisual como líder na atenção das pessoas, por outro a expansão do VOD impõe novos padrões, formatos e abordagens para a publicidade — atividade que cresceu, se fortaleceu e ajudou a construir nos intervalos comerciais da televisão linear a maioria das marcas com as quais lidamos. Não é à toa que ganham relevância as ações de branded content e, paralelamente, as agências de publicidade investem em áreas mais próximas ao conteúdo.

A fragmentação do VOD pago em colisão com o momento de incertezas econômicas que afetam boa parte do planeta poderia desaguar em um horizonte de saturação e gerar uma ressaca favorável às plataformas que agregam vários catálogos, e até mesmo a operadoras e programadoras de TV paga

Há quem acredite que será inevitável uma maior aproximação dos serviços de streaming, como a Netflix, dos projetos de product placement, pois o modelo baseado exclusivamente em assinantes dá sinais de fadiga. A fragmentação do VOD pago em colisão com o momento de incertezas econômicas que afetam boa parte do planeta poderia desaguar em um horizonte de saturação e gerar uma ressaca favorável às plataformas que agregam vários catálogos, e até mesmo a operadoras e programadoras de TV paga.

A percepção do excesso na oferta de VOD foi reforçada por outro anúncio da semana passada, de outro gigante do mercado: o Facebook lançou o Watch, seu serviço de streaming em fase de testes nos Estados Unidos e, a princípio, grátis.

As múltiplas possibilidades à frente devem emaranhar ainda mais as antes distintas indústrias de tecnologia e conteúdo, levando a reboque diversos setores que as orbitam. No Festival de Cannes deste ano, por exemplo, a Accenture, que originalmente é uma consultoria, apresentou uma ferramenta de mídia programática em ações de product placement como alternativa de monetização para empresas como a Netflix. Essa ou qualquer outra solução que se apresente terá de considerar que atrás de cada consumidor há um indivíduo que tem nas mãos o controle — inclusive de financiar toda a indústria —, e que dá valor crescente ao tempo que dedica a conteúdos, atrelados a marcas ou não.

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