Apple abre precedente perigoso

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Opinião

Apple abre precedente perigoso

Não gostou? Tudo bem, mas pedir desculpas pode prejudicar a liberdade de criar


14 de maio de 2024 - 14h57

Recentemente, a Apple lançou o filme “Crush”, peça publicitária criada para lançar ao mercado o novo modelo do iPad, que, inclusive, passou despercebido, já que os holofotes ficaram em torno da mensagem do filme, que, para muitos, se caracterizou como negativa e ofensiva por, indiretamente, comunicar que a tecnologia está destruindo a criatividade humana – dadas abertura e a implementação que a inteligência artificial está ganhando em diversos setores.

Como criativo, posso afirmar que gostei, achei divertido, com bom craft visual e trazendo um diferencial único de produto. Estamos nadando há algum tempo em um mar de comerciais sobre manifestos, product porn e historinhas engraçadinhas. Mas mesmo antes de estourar a controvérsia negativa eu já havia compartilhado o filme com meu time criativo, reforçando o seguinte recado “vejam como podemos fazer um demo de produto bacana”, e pronto, assunto encerrado.

– Mas aí, veio a polêmica… E entre o roteiro envolvendo livros, piano, esculturas, tintas e máquina de fliperama, um pedido de desculpas da Apple. Oi?

Parei e fui assistir ao filme novamente, só para ter certeza de que não tinha nenhuma mensagem envolvendo temáticas “delicadas” de serem comunicadas, principalmente em filmes publicitários. De fato, o filme não me pareceu uma problemática, afinal, não havia pessoas, apenas objeto, (e isso precisa ser ressaltado), não satisfeito, fui dar uma olhada nos comentários. Em suma, as pessoas se sentiram ofendidas com a falta de sensibilidade na destruição dos objetos considerados nostálgicos por algumas delas, e entenderam que o filme carregava uma mensagem perigosa sobre a tecnologia substituindo experiências reais. Vamos relevar por um momento a ironia de que quem estava consumindo e comentando o filme provavelmente fazia isso através do seu iPhone de última geração.

Sendo assim, desconstruiremos alguns argumentos que farão com que o pedido de desculpas se torne inapropriado.

Sobre os objetos no filme, na verdade, todos eles representam uma “substituição”, antes do fliperama havia o jogo de tabuleiro; antes do LP o gramofone; antes do piano tínhamos o clavicórdio. Mas, eu não me recordo de ninguém pedindo a cabeça da Steinway. Além disso, o ponto da tecnologia substituindo experiências reais, aceitamos que sim, mas muitos a utilizam em prol das próprias atividades diárias.

Devemos ser honestos e pensar sobre quão “maligna” é essa tecnologia, já que
os smartphones e tablets ampliaram o acesso não somente à informação ilimitada, mas também às infinitas expressões artísticas individuais. Graças a essa tecnologia ameaçadora, eu não preciso esperar um show da Taylor Swift para escutá-la, eu consumo na hora e na forma que eu quiser.

Sim, essa é a minha opinião sobre o filme e muitos podem discordar. Mas não haverá um pedido de desculpas. Atendendo à conta de BK eu aprendi que comentários negativos não apenas são esperados, mas também um sinal de engajamento saudável. Devemos compreender que toda crítica é válida, mas uma retratação é importante ser feita com cuidado, e entenda, esse texto é sobre as desculpas da Apple.

As marcas erram, propagam estereótipos, mascaram verdades, prometem mensagens que não agregam, mas são esses os casos em que é preciso pedir desculpas − porque afeta a propaganda. Se nos desculparmos por cada metáfora mal interpretada, acabou o jogo. E, Apple, com o seu tamanho e seu histórico, esse pedido foi gasto à toa.

Pedir desculpa abre um precedente perigoso de tentar agradar a todos a partir de uma peça publicitária; e ensina que ou agradamos, ou se joga fora. Isso, é colocar em xeque a criatividade e a própria subjetividade da equipe por trás do projeto. É assumir que a propaganda está proibida de fazer coisas que evocam qualquer sentimento que não seja um leve sorrisinho. Se você já escutou: “A ideia está mais forte que o produto” ou: “Amei, mas vamos deixar para um segundo momento”, acrescente agora também a frase: ”Cuidado, você viu o que aconteceu com a Apple, né?”

– Como disse o meu amigo Fernando Machado sobre o caso, “eu espero que a Apple continue ousando”. Fica tranquilo, Fê, a Apple vai ficar bem. A gente é que está lascado.

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