21 de outubro de 2021 - 14h00
(Crédito: Shutterstock)
O hábito é a força mais poderosa do comportamento humano, mas neste momento a pandemia da Covid-19 parece ter atuado como um “catalisador” de mudanças que vinham ocorrendo de forma mais lenta na sociedade. Ninguém sabe ainda se o que estamos passando vai gerar transformações sociais duradouras ou se dentro de alguns anos estaremos de volta ao business as usual, mas uma das possíveis consequências deste processo pode ser uma “catarse” na relação do consumidor com as marcas e as empresas.
O jogo de palavras “catálise/catalisador” é obviamente proposital, uma vez que a raiz grega dos dois termos dialoga com a ideia de transformação e os embates entre uma “velha ordem” representada pelo mundo natural (através dos Deuses) e as novas concepções originárias da organização da vida nas cidades. Em todas as tragédias do Século de Ouro Ateniense (5 aC), são sempre as dificuldades dos personagens em lidar com essas transformações a raiz de todos os males, tanto no caso de Édipo Rei quanto de sua filha Antígona, para citar duas das peças mais famosas do período.
Esse paralelo me ocorreu ao examinar a longa justificativa de Mark Zuckerberg sobre as mais recentes denúncias envolvendo o Facebook (objeto de uma alentada recapitulação na última edição do Meio e Mensagem) e a indignação (fingida?) de muitas pessoas diante das alegações de uma ex-funcionária que a empresa privilegia o lucro acima do bem-estar dos usuários. Em uma tragédia grega, o que estes dois personagens representariam seria o descompasso entre reconhecer que não se trata de substituir um extremo pelo outro, posto que ambos seriam insustentáveis diante da dinâmica social atual, mas que é preciso buscar um meio termo, no qual é sempre muito difícil se equilibrar.
Essa incerteza percorreu boa parte das falas que pudemos acompanhar na última edição do Maximídia, também na postura dos grandes anunciantes sobre a utilização da plataforma e nas conversas sobre o “apagão do WhatsApp”, na semana passada. A sensação generalizada é a de que a “velha ordem” do “espírito animal” dos mercados dos anos 1970 e 1980, que geraram os princípios de marketing e planejamento estratégico que utilizamos hoje começa a perder espaço para algo que ainda não conseguimos definir muito bem, mas que exige repensar a relação entre os indivíduos, as marcas e o consumo. E a nossa miséria brasileira particular – tanto em termos das carências básicas de boa parte da sociedade quanto da indigência das propostas políticas para fazer frente ao novo cenário— só aumenta essa sensação de perplexidade.
Mas mesmo quando adicionamos ao quadro acima uma acelerada transformação demográfica, isso não significa necessariamente que uma relação mais saudável com o consumo e a tecnologia vai prevalecer. A “celebração” da abstinência forçada das redes sociais por uma falha técnica é exatamente a expressão desta contradição, uma vez que foi expressa por meio dos mesmos sistemas tecnológicos dos quais (pretensamente) queremos nos libertar. Quase como um alcoólatra que para comemorar um dia longe da cachaça resolve tomar uma cervejinha.
As marcas mais antenadas já perceberam que esta “Era das Contradições” é uma grande oportunidade de criar laços mais fortes com o consumidor, oferecendo um acalanto não apenas para os desconfortos trazidos pela pandemia, mas também para esse clima de incerteza no qual adentramos. Seja reconhecendo que é preciso repensar alguns atributos tradicionais – quer exemplo maior que os Rolling Stones parando de cantar “Brown Sugar” na sua mais recente turnê americana ? – seja buscando se posicionar como a líder em “transformação digital” ou “ecossistema” de negócios (subtexto: “acionistas, a hora de investir é agora”). Claro que as novatas vão ainda mais longe, buscando inspiração naquelas criaturas mitológicas, os unicórnios.
Em tempos de incerteza, cresce a propensão social para a crença religiosa. Se no passado isso valia para as diversas teologias, agora parece que este espaço está pronto para ser ocupado pelas marcas, utilizando a tecnologia para espalhar “a boa nova”, ainda que com algumas lacunas. Claro que o menor deslize pode terminar com a empresa (ou o responsável pelo marketing) na fogueira, mas adotar uma postura arrogante de oferecer “certezas” ao invés de “acalanto” pode ser ainda mais danoso. Abraçar o caos talvez seja a melhor aposta para os próximos anos.
*Crédito da foto no topo: iStock