Celso, Gilson e Edu: por favor, unam suas potências
Líderes da Central Única das Favelas, G10 Favelas e Gerando Falcões são expoentes da ressiginificação das favelas e têm chance de alavancar ainda mais seu alcance
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No último Festival Internacional de Criatividade de Cannes, realizado no mês passado, fiz questão de assistir às palestras de Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (Cufa) e da Favela Holding; e a de Gilson Rodrígues, presidente do G10 Favelas. Em 2022, já tinha tido também o privilégio de conferir no Cannes Lions o painel com Edu Lyra, CEO da Gerando Falcões.
Cada um a seu modo e com histórias incríveis de superação e mobilização, esses empreendedores sociais protagonizam hoje uma revolução nada silenciosa nas favelas e periferias brasileiras. No cruzamento de suas biografias, trajetórias historicamente silenciadas ganharam corpo e, principalmente, voz, mostrando que essa parte expressiva da nossa população também tem espaço e protagonismo na terceira década deste século.
Nascido na Baixada Fluminense, Celso Athayde cresceu na Favela do Sapo, depois de passar um período na rua e em abrigos públicos. Trabalhou de camelô e engraxate, chegou a flertar com o tráfico e depois se aproximou do rap e virou produtor musical. Em 1999, criou a Cufa junto ao rapper MV Bill – hoje, a organização está presente em 3.000 favelas no Brasil e 17 países com projetos em diversas áreas para atender a população de baixa renda.
Desde 2015, lidera o Favela Holding, grupo de 25 empresas de diversos setores que tem como objetivo central o desenvolvimento de favelas e de seus moradores, fomentando e promovendo novas oportunidades de negócios, empreendedorismo e empregabilidade. Logo depois de sua passagem por Cannes, Athayde voou para Paris, onde lançou sua ação global mais audaciosa: o Expo Favela, evento que conecta empreendedores da favela a investidores do asfalto, em parceria com a Meta, nas cidades de Paris, Lisboa e Nova York.
Natural de Itambé, na Bahia, Gilson Rodrígues, por sua vez, é um dos 14 filhos, com paternidade desconhecida, de sua mãe que era surda e muda. Devido à situação precária da família, os filhos foram entregues à adoção, ficando apenas Gilson e um de seus irmãos juntos. À procura de uma vida melhor, mudaram-se para São Paulo e Gilson foi morar com a tia em Paraisópolis. Aos nove anos de idade perdeu sua mãe, o que aumentou sua vontade de lutar pelas causas sociais. Depois de muito trabalho, dedicação e com um espírito de liderança nato, Gilson assumiu a Associação de Moradores de Paraisópolis.
Hoje, o líder comunitário atua em várias ações sociais, como o Bistrô Mãos de Maria; projetos musicais; cursos profissionalizantes; logística pela Favela Express Brasil; Bolsa de Valores das Favelas; a televisão da comunidade Favela TV; um banco e uma financiadora (G10 Bank Participações, Consórcio G10); horta comunitária; combate à pobreza menstrual, através do Meu Fluxo Livre; dentre outros. Durante a pandemia, colocou Paraisópolis como a comunidade mais bem organizada e com diversas iniciativas para diminuição do impacto da Covid-19. As ações criadas pelo Comitê das Favelas ganharam repercussão mundial como tecnologia social de desenvolvimento, que foi replicada em estados brasileiros.
Por fim, Edu Lyra, nasceu em um barraco com chão batido em uma favela em Guarulhos, região da Grande São Paulo. Filho de pai que cumpriu pena na prisão por roubo a banco, ele teve apenas a mãe – que o criou a partir da renda que ganhava como diarista – como grande incentivadora. Aos 16 anos, viu seu melhor amigo, Tiago, ser assassinado a tiros pelo tráfico. Essas experiências marcantes forjaram no jovem Edu o espírito de superação. Em 2011, publicou independentemente o livro “Jovens Falcões” com histórias de 14 brasileiros empreendedores. Trancou a faculdade de jornalismo na Universidade de Mogi das Cruzes para se dedicar à venda da obra. Treinou uma equipe de garotos que saía batendo de porta em porta oferecendo cada exemplar por R$ 9,99. Assim arrecadou R$ 50 mil e realizou o sonho de fundar uma ONG para transformar a vida da comunidade periférica em que vivia.
Em 2013, criou o Instituto Gerando Falcões. O grande diferencial do projeto foi se espelhar em modelos de sucesso existentes na iniciativa privada e rapidamente atraiu a atenção e o apoio financeiro de empresários como Jorge Paulo Lemann, Carlos Wizard e Flávio Augusto da Silva. Hoje, o instituto é um ecossistema em que 138 ONGs recebem, além de apoio financeiro, suporte para que seus líderes desenvolvam habilidades e alavanquem sua capacidade de impacto em 1.550 favelas de 23 estados do Brasil. Atualmente, seu projeto mais ambicioso é implementar as primeiras unidades do Favela 3D — digna, digital e desenvolvida — do País, projeto multissetorial, com participação do governo e da iniciativa privada, para dar autonomia social e financeira às favelas. A primeira foi inaugurada, na semana passada, em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. O Favela 3D vai atuar tanto no trabalho de base tradicional — construindo casas, regularizando o uso da área e melhorando a infraestrutura — quanto na criação de ferramentas sociais transformadoras, como programas de capacitação e empreendedorismo que deem soberania financeira aos moradores e tornem a comunidade autossustentável.
Celso, Gilson e Edu são protagonistas de histórias de exceção, negros, ótimos oradores e vocalizam a realidade de cerca de 18 milhões de moradores de favelas hoje no Brasil, segundo o instituto Data Favela. Seus atravessamentos sociais os colocam numa posição de destaque em um momento no qual modelos econômicos como o capitalismo como o conhecemos estão em xeque e novas formulações econômico-sociais, como o cooperativismo, baseadas em maior inclusão e sustentabilidade, passam a ganhar cada vez mais visibilidade.
Os discursos de Celso e Gilson, em Cannes este ano, foram praticamente o mesmo. Ambos reforçaram o quão esgotadas estão as narrativas de marcas que colocam as favelas e periferias como um espaço de pobreza. Edu, em 2022, reforçou sua obstinação de erradicar a pobreza nas favelas antes de outros objetivos bilionários (e menos urgentes), como, por exemplo, colonizar Marte.
Essas falas me causaram a forte sensação de que seria muito mais potente se eles juntassem a força que têm. Usando o conceito da física por trás da palavra muito cara a todos eles, caso estivessem juntos poderiam potencializar sua presença, sua voz, sua atuação.
Com biografias ricas e trajetórias inspiradoras, cada um tem sua própria agenda, mas seus objetivos estratégicos têm muito mais em comum do que diferenças. Seria um feito e tanto se esses líderes incríveis que a favela e a escassez forjaram e que agora ganharam literalmente os holofotes do mundo pudessem reservar uma parte de suas realizacões para pensarem em projetos que podessem unir suas potências.
A raiz da palavra comunidade é exatamente comum, do latim communis: aquilo que é compartilhado por muitos. Vai aqui um singelo convite para que deixem, só um pouco, suas diferenças de lado e pensem em algo maior e em conjunto. Ganharia o País e, principalmente, todas as favelas que passam por uma ressignificação que tem hoje exatamente nestas três lideranças suas maiores figuras públicas e porta-vozes.
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