Como navegar numa piscina de dados?
De novo, pode parecer óbvio, mas a gente esquece disso com frequência: só as perguntas certas nos permitem buscar resoluções melhores
De novo, pode parecer óbvio, mas a gente esquece disso com frequência: só as perguntas certas nos permitem buscar resoluções melhores
Viver na Era da informação é ótimo. Há conteúdo sobre tudo – ou quase tudo – de graça – ou quase de graça.
Com tanto report, estudo, pesquisa pronta a um cadastro (e algumas informações pessoais/profissionais) de distância, parece mais prático mergulhar nesses dados e confiar nas análises já feitas do que fazer você mesmo sua análise.
Certo?
Quem trabalha com estratégia recorre bastante a esse recurso: pegar esses big numbers e conteúdos abertos para embasar suas recomendações encurta o caminho e poupa tempo.
O problema é que todo mundo lê, ouve e assiste praticamente as mesmas coisas e não dá pra culpar só o algoritmo por isso. Com aquela satisfação de fazer parte da galera, no entanto, surge um risco inevitável: ver exatamente o mesmo que todo mundo, chegando aos mesmos insights, recomendações e soluções. Produzir mais do mesmo, enfim.
E quanto mais a gente fala que publicidade é experiência e conteúdo, porque é isso que as pessoas querem (e não mais anúncios), fazer mais do mesmo é só geração de ruído.
Na verdade, algumas coisas pedem, sim, estudos ad hoc para que possamos trazer algo relevante para a mesa e sair do óbvio. Mas, antes de tudo, é preciso dar um passo atrás e estar disposto a olhar com outros olhos.
Pode soar clichê, mas o que faz um clichê é o fato dele expressar uma verdade.
Não adianta buscar novas ferramentas se não entendermos a importância de novas perspectivas. É mais sobre os métodos e menos sobre os mecanismos. Em vez de buscar confirmações e validações, estar aberto a se perceber errado e encontrar até mais perguntas do que respostas.
De novo, pode parecer óbvio, mas a gente esquece disso com frequência: só as perguntas certas nos permitem buscar resoluções melhores.
Vou pegar o exemplo de um estudo recente feito para uma marca de produtos infantis. O principal objetivo era entender melhor o comportamento de crianças, como elas consomem conteúdo e em que meios. Claro que já há alguns dados sobre isso, mas precisávamos ir além da “plataforma preferida”, então mergulhamos nas ferramentas para abrir as informações e olhar onde estão, o que estão vendo/ouvindo/fazendo ali, como e com quem; o que buscam e por quê? O que os motiva? O que esperam dessa interação? As diferenças por idade, entre meninos e meninas, filhos únicos ou crianças com irmãos, entre Brasil e México, o que é consumo de conteúdo individual e o que é coletivo.
Foi um processo exploratório, misturando teoria e prática, relatórios prontos (claro, é pra desafiar, mas sem jogar fora trabalho bom, né, faça-me o favor) e um mergulho nos gráficos e informações cruas, sem as análises de terceiros. O equilíbrio entre a vivência e a experiência que só um adulto com referências pode ter, mas aquela curiosidade de se permitir navegar um pouco como criança.
Sim, você precisa estar disposto a experimentar exatamente como seu objeto de estudo, senão sempre fica faltando aquele pedacinho de informação que só o campo vai te trazer. Não dá pra ser um observador passivo: você precisa botar a mão na massa, ou dar o play no Youtube Kids, conversar com mães de crianças daquela idade, até mesmo com as próprias crianças.
É importante viver o dado.
Alguns achados convergiram com os bullets que já tínhamos lido nos reports originais, mas outros foram inteiramente novos. E aqui estava o pulo do gato. Entre conclusões e perguntas, vimos que não só caberia um estudo ad hoc, mas sabíamos exatamente o que precisávamos aprofundar.
Eu não sei se você assiste Picard. Eu recomendo que você assista. A última temporada acabou de estrear na Paramount+ (não é um ad) e logo nos 16 minutos iniciais do primeiro episódio eles apresentam uma situação que eu acho que cabe bem aqui, e isso não é um spoiler: ao receber uma mensagem codificada, o Almirante Jean-Luc Picard busca ajuda da inteligência artificial para acessar o conteúdo, sem sucesso (não foi culpa do prompt). Ao expor o mesmo problema para um ex-companheiro de Enterprise a solução veio em instantes.
O dito companheiro dispunha de contexto, o que faltava à IA (não é uma crítica, nem é o ponto desse texto, ok?).
Mas por que eu trouxe isso aqui? Porque o “contexto” é o que permite dar sentido à toda essa piscina de dados disponíveis. Você precisa de vivência, interdisciplinaridade, conhecimento pra poder tirar dos dados a melhor história que eles podem te contar.
Dado não falta, talvez até sobre, mas a sensibilidade para lê-los, aí já é outra história.
E mesmo que não dê mais para ir onde ninguém jamais esteve (mais uma referência de Star Trek, não perca a conta), onde houver curiosidade para explorar, haverá, pelo menos, a chance de sair do óbvio e trazer soluções melhores para os problemas.
Mesmo que essas soluções sejam, a princípio, novas perguntas.
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