Opinião

Esquecimento garantido ou seu dinheiro de volta

Não é isso que tá todo mundo tentando? Não?!? Então por que parece que é?

Isabela Ambrifi

Diretora de planejamento da Cappuccino 1 de agosto de 2025 - 6h00

Relevância. Palavra bonita, sonora, com gosto de prêmio, de status, de KPI bonito no slide. Virou a meta número um de absolutamente todo mundo que trabalha com marketing, comunicação, influência, conteúdo. Todo mundo quer ser relevante, ninguém quer ser ignorado. Aliás, ser ignorado é o verdadeiro terror corporativo do século XXI (pior que referência circular que você não consegue localizar no Excel ou corte de budget em outubro).

O problema é que, de tanto desejar ser relevante, a indústria parece ter desenvolvido uma miopia coletiva sobre o que, afinal, isso significa. Porque, se formos ao dicionário (esse instrumento subvalorizado na era dos sinônimos do ChatGPT), relevância é aquilo que tem valor, importância, significância duradoura. Não é barulho momentâneo. Não é viral do dia. Não é meme reciclado com uma dancinha levemente adaptada.

Mas a lógica atual parece ser outra: enquanto os algoritmos nos condicionam a performar em segundos, o mercado passou a confundir “estar na boca do povo” com “ter impacto real”. Confundiu visibilidade com substância. E, assim, relevância virou quase sinônimo de “ser assunto por 48 horas” – o que, convenhamos, está mais perto de um surto coletivo de atenção do que de qualquer construção de marca séria.

 

A geração do “ser falado” (mesmo que amanhã ninguém mais se lembre)

Estamos fabricando comunicações desenhadas para o short attention span, esse novo mal crônico da humanidade. Vídeos de 9 segundos, trends coreografadas, reacts, filtros, thumbnails agressivos, cortes milimetricamente cirúrgicos para capturar um mínimo de serotonina na audiência antes que ela escape para o próximo vídeo de alguém fritando um ovo enquanto explica geopolítica.

Mas relevância não é velocidade de scroll. Relevância, a de verdade, exige o que hoje parece impronunciável: consistência, repertório, coerência e um certo tédio criativo chamado paciência.

Só que nós nos viciamos na anestesia das microdopaminas. O engajamento rápido, o alcance astronômico, a viralização instantânea.

E assim, transformamos o público num exército de espectadores hiperventilados, incapazes de sustentar atenção por mais de três frases. Aliás, aproveito para agradecer com sinceridade a quem chegou lendo até aqui. Você já está acima da média global.

Mas não foi só o público que ficou assim. Nós mesmos, enquanto profissionais, já não sabemos mais pensar a longo prazo. Planejamento virou exercício de “qual trend a gente vai surfar essa semana para não parecer desatualizado?”. Como se um planejamento estratégico pudesse ser uma coreografia semanal de TikTok.

 

A era da performance como identidade (ou: tudo virou palco)

Façamos juntos um outro recorte: a obsessão por relevância imediata tem muito menos a ver com estratégia de marca e muito mais com a lógica narcísica de autoexibição que tomou o mercado. Judith Butler já nos alertava que identidade é performativa. E o marketing, nesse teatro de egos ansiosos, virou um eterno ato de improviso com plateia rotativa.

As marcas hoje se comportam como influencers em crise existencial, parece que precisam ser notadas, amadas, canceladas e reabilitadas, tudo ao mesmo tempo, sem que se saiba necessariamente o porquê. É o culto ao instante, descrito por Roger-Gérard Schwartzenberg como parte do “estado de espetáculo” – não importa mais o conteúdo, importa a comoção que ele gera. O drama importa mais que a ideia. O gesto importa mais que a consistência. O lacre importa mais que a verdade.

O resultado? Marcas que performam para algoritmos em vez de conversar com pessoas. Estratégias balizadas por curtidas e não por conexões. Campanhas que parecem roteiros de reality show, cheias de reviravoltas, mas esquecíveis assim que acaba o episódio.

E isso não acontece só nas redes sociais, isso contaminou todo o pensamento estratégico. Estamos substituindo a arquitetura de marca por arquitetura de engajamento. Estamos confundindo reverberação com relevância. E claro que isso tem um preço. No fim, ninguém se lembra do que foi dito.

 

A equação da relevância real: trend + propósito + disciplina

Não estou dizendo que devemos ignorar as trends. Essas coisas sobre as quais todo mundo tá falando naquele dia são são excelentes atalhos de timing, criam identificação, mostram escuta ativa. Mas, sozinhas, são frágeis. Relevância de verdade nasce da mistura inteligente entre a efemeridade das tendências e a disciplina perene de construção de mensagem.

Tá tudo bem improvisar alguns solos, mas orquestra se rege com partitura bem escrita. O resto é jam session em lual na praia.

Então talvez seja hora de cada marca e de cada profissional se perguntar o que, de fato, deseja ser. E o que quer que os outros façam a partir da sua proposta. E aí construir, pavimentar e fazer a manutenção cuidadosa dessa estrada.

Queremos ser virais ou ser memoráveis? Queremos performar na trend de hoje ou ser lembrados daqui a dez anos? Queremos ser falados ou ser significativos?

Talvez, só talvez, se voltarmos a trabalhar relevância como construção e não como performance, a gente resgate o fio da meada do que é, afinal, comunicar algo que faça sentido.

Se você chegou até aqui, saiba, você uma pessoa rebelde, alguém que acabou de praticar a arte mais subversiva de 2025: Prestar atenção.