Liderar é representar: o poder da diversidade na inovação
Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha inspira reflexões sobre percurso profissional e o futuro
Em julho, celebramos o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha (25/07), e esse momento não é apenas uma data simbólica no calendário. É um lembrete potente da força, resiliência e da contribuição inestimável de milhões de mulheres que constroem diariamente a sociedade em que vivemos.
Para mim, uma mulher negra que conquistou uma posição de liderança no setor de tecnologia, essa data carrega um significado ainda mais profundo: ela convoca reflexões sobre a trajetória que percorremos e, sobretudo, sobre o futuro que estamos ajudando a moldar.
Lembro com nitidez dos primeiros passos da minha jornada, há mais de 28 anos, em um universo pouco representativo. Desde a faculdade até os primeiros desafios no mercado, cresci e atuei em ambientes pouco inclusivos. Estudar sempre foi minha forma de projetar um futuro diferente.
Ser a primeira da turma e conquistar destaque acadêmico, sempre foi mais do que apenas garantir boas notas, esse era o caminho mais intuitivo para reafirmar a possibilidade de ir além dos limites impostos pelo contexto em que cresci.
Naquela época, não era comum observarmos referências de mulheres negras em cargos de liderança, sobretudo na área de tecnologia. Essa ausência foi um peso e, ao mesmo tempo, se tornou um propulsor. Percebi que minha presença poderia ser como um farol para outras.
No início, meu objetivo era superar essas adversidades, mas, com o tempo, compreendi o papel social que eu poderia exercer em um setor que insiste em enxergar pessoas negras e mulheres como exceção nos espaços de decisão.
A caminhada de uma mulher negra no mercado de trabalho, especialmente em áreas de ponta como a tecnologia, ainda é permeada por barreiras significativas. Dados do IBGE mostram que, embora as pessoas negras representam 54% da população brasileira, sua presença em cargos de liderança continua extremamente reduzida.
De acordo com a pesquisa ‘’Mulheres Negras na Liderança’’, realizada em parceria com o Pacto Global da ONU no Brasil e a 99jobs, 81% das empresas brasileiras têm, no máximo, 10% de mulheres negras em cargos de liderança. Esse percentual não é mera estatística: é o espelho de um sistema desigual, alimentado por vieses inconscientes, exclusão histórica e falta de acesso a oportunidades.
E isso tudo tem raízes profundas. O Brasil viveu quatro séculos de escravidão e apenas um de abolição. Ainda estamos aprendendo a lidar com esse passado e seus impactos estruturais. Leva tempo para que os efeitos de um sistema educacional inclusivo se consolidem. Mas falar abertamente sobre isso já representa um avanço. Reconhecer as feridas é o primeiro passo para curá-las.
É nesse contexto que a liderança ganha um papel transformador. Ser líder, para mim, vai muito além das responsabilidades executivas. É sobre ser agente de mudança. Trata-se de identificar e desconstruir preconceitos enraizados, muitos dos quais nem percebemos que existem. Já mencionei em outras ocasiões como os vieses inconscientes afetam decisões e perpetuam exclusões. Reconhecê-los é essencial para quebrar esse ciclo.
Durante anos, tentei apenas “me encaixar”. E consegui, em muitos aspectos. Sempre tive boas relações com outros líderes. Mas o amadurecimento me trouxe outra perspectiva: é preciso ocupar os espaços com autenticidade e mostrar, com serenidade e firmeza, que origem, raça ou gênero não determinam a competência ou o valor de uma pessoa. Todas as pessoas têm algo a contribuir em qualquer reunião, projeto ou decisão.
Acredito profundamente que diversidade não é só uma questão ética, é também estratégia. Empresas diversas inovam mais e têm melhores resultados. De acordo com a McKinsey & Company, equipes diversas podem ser até 15% mais lucrativas. Essa pluralidade de experiências e visões ampliam nossa capacidade de inovar e de desenvolver produtos mais alinhados com diferentes tipos de necessidades, garantindo novas ferramentas para entender um mercado cada vez mais complexo e plural.
Vivemos isso todos os dias. Nossa missão, “destravar o potencial das empresas destravando o potencial das pessoas”, só faz sentido quando criamos ambientes onde as pessoas podem ser quem realmente são. Isso gera pertencimento, engajamento e, acima de tudo, inovação.
Comecei minha trajetória na companhia atual com apenas quatro outras pessoas. Ajudei a construir o modelo de liderança do negócio, ao mesmo tempo em que construí meu próprio estilo de liderança. Esse duplo movimento, de formar e se formar, reforçou ainda mais minha convicção: os espaços precisam estar abertos para todas as pessoas.
A trajetória não é fácil. Mas é possível. E mais do que possível, é urgente. Meu compromisso hoje é com a criação de caminhos para que mais mulheres negras não apenas entrem na tecnologia, mas prosperem e liderem e que sejam inspiração e referência para as próximas gerações.
A inovação não nasce no isolamento. Ela floresce onde há colaboração, troca e inteligência coletiva. E essa inteligência só é plena quando nutrida pela diversidade. Que este 25 de julho seja um catalisador para que mais empresas entendam a diversidade não como um apêndice, mas como o núcleo das estratégias de crescimento e impacto.
Sonho com o dia em que essa conversa não precise mais acontecer. Que possamos olhar para as pessoas e reconhecer, sem filtros, o que elas têm de mais valioso: seu talento. Ainda estamos distantes desse cenário. Mas é por ele que sigo trabalhando. É assim que se constrói um futuro verdadeiramente justo, inclusivo e próspero para todas as pessoas.