Construir conciliação
A missão das marcas em promover o diálogo em um país polarizado
A missão das marcas em promover o diálogo em um país polarizado
Retornar ao Brasil em 2022, depois de alguns anos vivendo nos Emirados Árabes e me deparar com um país no auge da polarização política, estimulada por divergências ou discordâncias ideológicas, me deixou muito reflexiva. Apesar de o debate sobre pontos de vista diversos ser algo saudável e nos ajudar a construir repertório de vida, uma primeira impressão neste retorno sinaliza muitos desafios, e de uma forma que não necessariamente colabore com um ambiente seguro de discussões fundamentais, tanto nas redes sociais quanto em encontros presenciais.
Essa realidade me fez refletir sobre o importante papel das grandes lideranças e marcas na promoção de diálogos conciliadores, uma vez que hábitos diversos de comportamento são construídos com base em posicionamentos sobre temas sociais de interesse global, como questões de gênero, raça e sexualidade, sustentabilidade e câmbio climático, por exemplo. Lembremos, marcas, que o consumo se insere neste contexto. Embora possa parecer contraditório, promover esses diálogos conciliadores, pelo contrário, é fundamental para que líderes e marcas assumam uma postura ética alinhada com os valores das marcas, ao mesmo tempo que transmitam mensagens que incentivem o respeito mútuo e a busca por soluções comuns para a construção de um mundo melhor para todas as pessoas.
Um conceito que tem me atraído cada vez mais e que acredito ser um dos caminhos para criar conexões emocionais e estimular a compreensão mútua, é o Marketing de Gentileza, explorado pela jornalista e escritora Laíze Damasceno. Em seu primeiro livro sobre o tema, a autora nos oferece uma visão onde o “marketing não é apenas sobre marcas, produtos, serviços ou eventos. É sobre relações humanas”. Em um país como o Brasil, as empresas podem assumir um papel de destaque ao adotar estratégias e ao criar campanhas que incentivem a empatia e o respeito entre diferentes grupos da sociedade em vez de reforçar divisões baseadas na intolerância e discriminações.
Durante o Festival de Cannes deste ano, conheci um case sobre como as marcas podem abordar questões sensíveis para promover o diálogo e serem mais gentis com a sociedade. O painel “Strange Bedfellows: How Officials and Grindr Made Monkeypox Education ‘Viral'”, mostrou a resposta rápida da prefeitura de Atlanta ao surto de Varíola do Macaco na comunidade gay e bissexual na cidade norte-americana. Um dos aspectos-chave desse caso foi a compreensão da importância da utilização de canais não convencionais para alcançar o público-alvo. Além de outdoors e abrigos de ônibus em toda a região, a campanha também incluiu publicidade no Grindr, maior aplicativo de relacionamento voltado para o público gay. Mensagens foram desenvolvidas para fornecer informações relevantes e idôneas objetivando a conscientização da sociedade sem perpetuar estereótipos ou agravar estigmas contra a comunidade gay e bissexual. Essa abordagem multicanal abrangente alcançou com sucesso mais de dez milhões de pessoas.
Ainda tomando como ponto de análise o universo LGBTQIAPN+, cabe observar que as marcas têm experimentado tanto sucessos quanto contratempos ao alcançar esse público. O engajamento positivo, como o caso de Atlanta e Grindr, demonstra inclusão e gera apoio da comunidade. Por outro lado, existe, sim, resistência, o que expõe as dificuldades das empresas em adotar uma agenda de diversidade de forma ampla e efetiva. Basta lembrar dos protestos furiosos e boicotes de milhares de norte-americanos que a marca de cerveja Bud Light sofreu em abril após uma ação de relacionamento com a influenciadora trans Dylan Mulvaney. A ação resultou em queda de vendas, demissão de colaboradores e o lançamento de uma nova campanha de marketing. Esse episódio nos mostra que compreender quais são as convicções compartilhadas por seu público é algo fundamental. E, ao entrar em um território que pede por sensibilidade, empatia e respeito às diferenças, é crucial ter um posicionamento mais profundo e aderência a ele. À medida que as expectativas dos consumidores se tornam cada vez mais complexas, as marcas também precisam se preparar para enfrentar os desafios de acompanhar e contribuir com as mudanças da sociedade.
Voltando ao cenário brasileiro, onde as diferenças políticas, ideológicas e sociais também têm criado divisões profundas, é importante questionarmos sobre como podemos criar diálogos construtivos e impactar positivamente uma causa em um meio com tantos antagonismos. Ainda que essas abordagens sejam sensíveis de serem tratadas, elas são necessárias para uma sociedade mais justa e, por isso, devem ser comunicadas com a ciência de que um consenso absoluto pode não ser alcançado, mas respeito e empatia são a chave de um processo de evolução, e as marcas têm um papel e uma responsabilidade fundamental de estimular o diálogo saudável e acompanhar os efeitos que suas comunicações podem gerar.
Nesse contexto, cabe às marcas brasileiras ponderarem as evidências acerca das demandas sociais e entender como elas se conectam com suas vocações e propósitos. É dessa conexão que nasce a convicção necessária para defender um posicionamento, sempre buscando o estímulo a um diálogo que seja capaz de unir polos opostos, estimulando perguntas como: Onde podemos nos encontrar? Quais são os valores e o que nos une, ao invés do que nos separa? Que nós, como líderes, possamos promover reconciliações e construir marcas inspiradoras com ações gentis e honestas, com o objetivo de ver a sociedade evoluindo numa direção mais humana, onde todas as pessoas sejam respeitadas da forma como são.
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