Desconectopia da toxicidade
O necessário distanciamento das telas para crianças
O necessário distanciamento das telas para crianças
Vem crescendo um movimento de pais, mobilizados pelas estatísticas de toxicidade de uso de telas e redes sociais, que restringe o uso de aparelhos smartphone por crianças até os 14 anos. Em vez de negar acesso – o que seria catastrófico e por isso Freud segue ainda mais relevante -, os pais oferecem a eles o dumbphone. O telefone que faz e recebe chamadas, recebe e envia SMS, “tipo aquele Nokia do jogo da cobrinha” que todos nós tivemos um dia.
Lá fora, pais e mães se organizam em mobilizações como “Wait Until 8th – let kids be kids longer” (que equivale aos 14 anos) nos Estados Unidos com 50 mil membros, e como “Smartphone Free Childhood”, na Inglaterra com 60 mil. Enquanto aqui no Brasil desponta o Movimento Desconecta, já com mais de 20 mil seguidores no Instagram. Inspirados pela obra A geração ansiosa de Jonathan Haidt, o objetivo é evitar os prejuízos decorrentes do uso dos celulares para a saúde mental. As pesquisas apontam que o uso desmedido pode criar dificuldades de concentração, de aprendizagem e de socialização para crianças e adolescentes.
A geração ansiosa é fruto de um meio que faz mágica no sistema nervoso: a dopamina diária dos likes, as fases de jogos celebradas e compartilhadas, o screenscrolling infinito em busca de algum conteúdo que ofereça recompensas pelo tempo investido. Avisos não faltaram sobre o risco de não estarmos conscientes destas ameaças. Em 2010, o “Slow Media Manifest”, apresentava uma proposta dialógica progressista que tinha como cerne o respeito aos usuários das redes.
McLuhan, teórico da comunicação, ressaltava a “postura entorpecida do idiota tecnológico”, que é justamente aquele que faz uso dos meios sem a consciência de seus perigos. Hoje, as redes oferecem um banquete ambulante a qualquer usuário: um serviço após o outro, cada qual mais saboroso que o anterior, sem tempo entre uma garfada e outra. Assim se entorpece a mente.
Crianças e adolescentes são vulneráveis. Eles não compreendem, por exemplo, que quando uma animação aparece no interlevel de seu joguinho favorito no telefone da mamãe, trata-se de uma publicidade para outro jogo. As adolescentes que vêm compondo o staff de influencers marcas de luxo como #miss e #lovers, não compreendem o universo do consumo e do capital social ao publicarem centenas de fotos em suas redes promovendo marcas em troca de mimos. Se faz urgente revisitar os ditames da Resolução 163/2014 do CONANDA.
Os meios são canais de informação que moldam o pensamento ao mesmo tempo que fornecem material para o pensamento. É necessário maturidade emocional e neurológica para estar no universo digital e reconhecer seus sistemas complexos de significação. É necessário letramento digital para discernir riscos e ameaças que podem provocar situações como golpes, cyberbullying, assédios e ameaças à vida.
Se os pais compreenderem que “o problema não é o veneno, o problema é a dose” e se estiverem dispostos a acompanharem as crianças em suas descobertas pela complexa lógica da vida digital, criando oportunidades de descobertas sensoriais e significativas equivalentes na vida real, estaremos preparando as próximas gerações para o uso saudável das redes.
Para terminar, uma provocação: aos nove anos fui transferida de escola e precisei aprender a desbravar a cidade sozinha. Atravessava quatro bairros de bicicleta (uma Cecizinha dourada), passando por ruas movimentadas e desertas. Meu cronotipo é matutino, estava focada na ida, mas na volta a motivação era a fome. Esse aprendizado na infância marcou minha vida: sou uma pessoa hábil com mapas e me gabo de ter um “GPS interno”, como dizem os amigos. Eu me perco, mas eu me acho. Como você percebe a sua relação espacial em tempos de Waze? Como é que anda sua dependência do Google Maps? Até que ponto precisamos de distância da tecnologia?
Confira mais informações aqui:
https://www.instagram.com/movimento.desconecta/?hl=en
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