Opinião

Desculpa, não é o ChatGPT que te deixa mais burro

O mundo está emburrecendo, sim, mas isso vem acontecendo bem antes das inteligências artificiais

André Foresti

Fundador da Troublemakers, estrategista de inovação e Troublemaker Profissional 23 de julho de 2025 - 14h00

A leitura que fizeram da pesquisa do MIT é, ironicamente, burra. Culpam a IA e não encaram o problema do mundo: o declínio cognitivo e incapacidade de pensamento da sociedade. O colapso não é da tecnologia: é do pensamento crítico, atenção, educação e criatividade numa retomada que, inclusive, a IA deveria ser aliada. O próprio estudo mostrou isso, mas estava todo mundo mais preocupado em lacrar.

Você já viveu algumas dessas situações, né? As reuniões onde a pessoa fica em Nárnia despachando tarefinhas. O chefe que não lê documentos e mal presta atenção nas conversas. A dificuldade que temos de ler livros. Hábito de escolher a série top 1 que oferecem. As aulas sem perguntas. Os reports de mega trends tão bajulados mas que ninguém lê ou usa. As notícias e artigos que temos mil opiniões apenas lendo o título. E, gran finale, o consumo de bando de conteúdos rasos como uma praga algorítmica e a proliferação de obviedades com a autoridade de quem tivesse descoberto a cura do câncer.

Onde estava a IA?

Em tempos atuais, outro dia uma amiga perguntou pro ChatGPT se deveria terminar o namoro. Lembrei de um filme antigo chamado “Quero Ficar com Polly” onde Ben Stiller, analista de riscos tenta usar seu sistema pra decidir se deveria ficar com a Jennifer Aniston. Mesma coisa, em tempos diferentes. Ah, e sobre a amiga, ela não está sozinha. Um dos maiores usos do ChatGPT é como terapeuta. 48,7% dos usuários de IA que reportam problemas de saúde mental estão usando ChatGPT assim.

Curiosos? Sim, o cara dançou. Só faltou a amiga copiar a resposta, colar no Zap e mandar pro (agora) ex. Eu não duvidaria.

E então, a culpa é de quem? Do GPT? Da cultura, como diria o amigo Michel Alcoforado? Ou sua e você coloca em quem quiser, tipo o Homer Simpson?

Recentemente, rolou uma pesquisa do MIT sobre ChatGPT e centenas de posts se multiplicaram. Alguns até interessantes, mas a maioria, ironicamente, uma prova da burrice humana. Tanto de quem escreveu, quanto de quem consumiu: “Olha aí, a IA tá apodrecendo nosso cérebro!”, “ChatGPT é o fim da criatividade”.“Agora ninguém mais pensa!”. O povo surtou.

Masssss, entretanto, todavia… a grande conclusão do estudo não é que o ChatGPT emburrece você e era isso.

O estudo dividiu pessoas em vários grupos e sim, quem escreveu apenas com a IA pensou menos, lembrou menos e escreveu textos meio genéricos. Óbvio né: se você usar uma ferramenta pra fugir do esforço, claro que seu cérebro vai desligar e poupar energia.

O que ninguém contou é o melhor insight do estudo: o oposto também é verdade. O grupo que primeiro pensou com a própria cabeça, estruturou ideias, depois usou a IA pra melhorar, refinar, teve o maior nível de conectividade cerebral, mais memória, engajamento e textos melhores. A IA turbinou pensamento, quase um outro cérebro a serviço do seu.

Então vamos colocar uns pingos nos prompts (ou nos i’s). Essa sociedade não é vítima da IA. Ela foi emburrecida pelo ritmo, modo automático, pressões, mercado de trabalho, agenda lotada, multi papéis, contatos, hiper estímulos e telas, necessidade de brilhar, postar, ganhar atenção. Impactos diretos no cérebro gerando incapacidade de parar, sentir e pensar. De educar, de aprender, de ter personalidade.

O mundo está emburrecendo, sim. Existem vários dados de declínio cognitivo, dopaminas, saúde mental, alteração no cérebro, incapacidade de processar informações num cenário claro de piora de inteligência humana. Isso bem antes das IAs.

E aí, claro, a pessoa doente com esse sintoma dos novos tempos, ao se aproximar da ferramenta da vez, leva o problema adiante e sim a IA acaba apenas aumentando seu problema.

É simples. IA como muleta, atrofia. Como dupla estratégica, potencializa.

Ano passado lancei um conceito e movimento convidando as pessoas pra uma reação de Inteligência Ampliada, humana com artificial. Onde basicamente já deixava claro que tínhamos diante da gente uma super oportunidade de mudar o curso da burrice usando a tecnologia em favor da própria inteligência humana. Mas precisamos escolher esse caminho.

Dentro do convite, trouxe reflexões sobre o quanto usar IA só pra atalhar ou terceirizar responsabilidades é tiro no pé, pois pouco a pouco tira a pessoa do processo tornando-a desnecessária.

Outra grande questão é que usamos IA muito como fim ou “output” porém ela é uma ferramenta mágica também pra nos dar “inputs” e provocações para nós, humanos, fazermos sinapses, memórias e experiências que tivemos e traduzir isso em soluções. Lembra o quanto gostamos cocriação com dez pessoas incríveis? A IA pode ser 1 bilhão de pessoas incríveis fazendo provocações.

E pra fechar essa proposta e conceito, definitivamente precisamos entender que no final do dia, as tecnologias e ferramentas empatam pois todos os concorrentes mais cedo ou tarde terão acesso. O segredo está na pessoa que vai duplar, pois é na condução e perspectiva humana que teremos caminhos diferentes. É tudo sobre a pergunta e a nossa inteligência treinada pra usar a máquina do jeito mais poderoso.

Acho tudo isso tão claro que até me assusta quem olha pro lado errado do problema. Se a internet democratizou a informação, a IA pode sim democratizar inteligência, desde que a gente assuma nosso papel diante dessa história e seja piloto pra continuar sendo relevante no processo. Na minha palestra sobre o assunto sempre pergunto: Quem é o jockey e quem é o cavalo? No nosso caso, o burro. Inteligência ampliada é o único futuro possível.

E a pergunta que deve estar passando na sua cabeça: e aí? Faço o que com meu time? Liderança? Empresa? Talentos?

Eu que trabalho tentando reativar esse pensamento crítico nas pessoas e já ambientando elas a jogar em dupla com a tecnologia posso dizer pra vocês que o caminho tem 3 passos:

(1) Fazer a pessoa reagir e seu cérebro desatrofiar e voltar a processar, desenvolvendo habilidades das pessoas inovadoras como pensamento crítico, criatividade, envolvimento, presença, paixão, alimentar conflitos, contrapontos, questionamentos, curiosidade, repertório não óbvio, visão panorâmica e mudança de perspectiva.

(2) Ambientar a pessoa a essa nova linguagem, ferramenta e possibilidades do mundo das IAs. É bem mais que tutorial de uso ou dicas de prompts e sim se acostumar com a nova lógica do trabalho e aprender a jogar junto com esses novos mecanismos e dinâmicas.

(3) Garantir que essa dupla pensante, inovadora e criativa tenha proteção e rotina para que possa exercitar e entrosar a cada dia, gerando mais e mais diferenciais para a pessoa e sua empresa.

Se pensar bem, é tudo que as empresa precisam pessoas mais inconformistas, estratégicas e diferentes. E a inteligência artificial está aí pra ajudar nisso e ajudar as pessoas a estimularem sua inteligência para desafiar as soluções de sempre e mover seus projetos.

Então muito cuidado ao aceitar conclusões definitivas e conteúdos burros que no fundo apenas querem ganhar mais um pouco de atenção. A pesquisa do MIT é apenas mais um exemplo dessa toxicidade da economia da atenção. Gente nada a ver com o assunto, pega o título e sai fazendo seu videozinhos e carrossel pra surfar a treta do dia. E você aí consumindo manuais práticos de como culpar a IA pela sua falta de pensamento. Sua burrice começa aí.

E, talvez, termine em você: ou se entregando a ser mais um zumbi na fila do pão… ou reagindo pra assumir controle e fazer parte da revolução.

A inteligência artificial é tipo um elevador, ela até leva você, mas você que tem que saber pra onde quer ir. Ou então a melhor analogia: ela é Ferrari mas tem gente tratando como Uber. Você tem uma super máquina que pode dirigir pra onde quiser, mas ta entrando, sentando e deixando ela te levar.

Pra fechar, ainda sobre o estudo: a galera que piorou é quem já estava piorando. E lamento avisar, mas esse é o perfil de pessoas que provavelmente serão sim substituídas pela IA pois são apenas apertadores de botão. E ninguém aperta botão da IA melhor que uma própria IA. Harari está falando disso, do risco de obsolescência de parte da humanidade.

Já quem abraça essa nossa inteligência ampliada, entre humana e IA, é quem vai se reinventar e potencializar diante da nova “revolução industrial”.

Então, assim: o ChatGPT não te deixa burro. Ele é um espelho que o mundo acha insuportável de ver. Ou você liga o cérebro, ou pelo menos desliga o discurso.