Marcas: de histórias para mosaicos
A lógica dos arcos dramáticos foi rompida em diversos pedaços e, hoje, ninguém consome algo do começo ao fim
Durante muito tempo, aprendemos a construir marcas como quem escreve um livro. Um
começo, meio e fim. Uma missão clara, um tom de voz consistente, uma narrativa bem
costurada que se desdobrava em capítulos – campanhas, filmes, slogans – todos alinhados ao mesmo arco dramático.
Marcas eram histórias. E a gente acreditava que, se contadas da maneira certa, essas
histórias ganhariam espaço na cabeça (e no coração) das pessoas.
Mas aí o mundo mudou.
Hoje, ninguém consome uma marca do começo ao fim. Ninguém lê a história inteira. As
pessoas trombam com pedaços. Com um tweet, um meme, uma collab inesperada, um post no TikTok, uma frase jogada em um podcast. Elas não entram em uma narrativa, elas esbarram em uma vibe. O consumo de marca virou aleatório, desordenado, fragmentado – e isso não é um problema. É o novo normal.
Por isso, talvez a metáfora mais útil hoje não seja mais a da história. É a do mosaico.
As marcas mais fortes não são as que contam tudo de uma vez. São as que podem ser
descobertas em partes. São as que podem ser estilhaçadas – como um espelho que se
quebra, mas onde cada caco ainda reflete o todo. São as chamadas “smashable brands”:
marcas que fazem sentido mesmo quando consumidas em fragmentos. Cada pedacinho – um tweet, um jingle, um bordão, uma ilustração, uma collab nonsense – ajuda a compor a imagem completa.
Como uma nuvem de memórias que se somam, as marcas ganham vida por meio da
recorrência de suas expressões e não mais pela linearidade de suas narrativas.
Duolingo não precisa de um filme manifesto para existir. Basta a coruja cometer um crime passivo-agressivo no X (antes, Twitter). Liquid Death não precisa explicar seu propósito: uma lata que parece cerveja, mas é água, já diz tudo. A Netflix cria memes sobre suas próprias séries antes mesmo de o trailer sair. Tudo vibra, tudo é ruído – mas, quando bem-feito, tudo ecoa uma coerência invisível.
Marcas interessantes hoje são aquelas que convidam as pessoas a brincarem com elas, que aceitam ser remixadas, ressignificadas, apropriadas com carinho ou ironia; são as que dão permissão para as pessoas expressarem suas próprias relações não polidas com elas. Isso exige abrir mão de certo controle estético e até simbólico. Marcas estão abrindo mão da propriedade intelectual de suas logomarcas. Em outras palavras: não leve sua marca tão a sério.
Nesse novo cenário, o craft polido dá lugar ao lo-fi. O storytelling dá lugar às vibes. A
performance limpa dá lugar ao ruído. O comum perde a vez para o estranho. A estética se
rebela contra a lógica. E a atenção se conquista não com controle, mas com caos
organizado. Podemos chamar isso de um certo terrorismo semiótico.
Campanhas que nascem com potencial memético têm mais chance de vencer. Porque o que é replicável, remixável e compartilhável não é somente o que chama atenção – é o que ganha tração cultural.
Isso não quer dizer que a estratégia morreu. Mas talvez ela precise ser menos rígida.
Marcas não são mais heróis com jornadas épicas. São plataformas vivas, compostas por
sistemas de ideias, referências, afetos e piadas internas. Elas não precisam ser lineares, mas reconhecíveis. Porque, no fim, o desafio é o mesmo de sempre: ser lembrado, ser querido, ser escolhido.
Só que agora, estilhaçado.