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Opinião

Diversidade, inclusão e a realeza britânica

As revelações de Meghan e Harry são como a frase célebre de Vernã Myers, VP de inclusão da Netflix: “Diversidade é convidar para a festa, inclusão é chamar para dançar!


16 de março de 2021 - 13h11

Família Real Britânica (Crédito: Max Mumby/ Getty Images)

Nem mesmo a bem-sucedida campanha de vacinação contra a Covid-19, que já imunizou 34% da população do Reino Unido, possibilitando o retorno às aulas presenciais na semana passada, ofuscou as atenções dos britânicos ao assunto do momento por lá: a bombástica entrevista do príncipe Harry e sua mulher Meghan Markle à apresentadora Oprah Winfrey, exibida na noite do domingo 7. Durante a entrevista, levada ao ar pela CBS, o ex-casal real explicou os motivos que o levou a deixar a linha de frente da realeza britânica.

Na entrevista, Meghan afirma que havia receio entre membros da realeza sobre a cor da pele do primeiro filho do casal, Archie, nascido em 2019. O assunto surgiu quando a atriz contou que, ainda grávida, foi informada de que Archie não se tornaria príncipe. Ainda que Meghan afirme nunca ter ligado para títulos, ela diz que essa situação é diferente, já que afeta a segurança do filho. “Quando eu estava grávida, eles quiseram mudar a convenção. Por quê?”, disse.

O príncipe Harry afirmou que precisou se colocar no lugar da esposa para entender o escrutínio e o preconceito que ela enfrentava por ser uma mulher negra. “Passei muitos anos fazendo o trabalho e aprendendo por conta própria. Mas, então, na minha educação e no sistema em que fui criado e a que fui exposto, eu não estava ciente disso. Mas, meu Deus, não demorou muito para repentinamente tomar consciência disso”, disse Harry a respeito das questões raciais.

Apenas dois dias depois da repercussão massiva que a entrevista teve no Reino Unido, a rainha Elizabeth II se manifestou sobre as afirmações, dizendo que as acusações de racismo tornadas públicas pelo casal serão “levadas muito a sério”. “A família inteira fica triste ao saber como os últimos anos foram desafiadores para Harry e Meghan”, diz a nota oficial divulgada pelo Palácio de Buckingham. “As questões levantadas, particularmente as que tratam de raça, são preocupantes”, acrescenta a nota.

Vários fatores tornam o fato emblemático. O primeiro é que após o estrondoso sucesso da série The Crown, da Netflix, a entrevista de Harry e Meghan dá a Peter Morgan — autor da obra ficcional – ingredientes muito mais apetitosos do que os contados ao longo de suas quatro temporadas. Em dezembro, quando a última delas foi ao ar, Oliver Dowden, ministro da Cultura de Boris Johnson sugeriu que The Crown deveria vir com o aviso de que se trata de ficção, aludindo às muitas licenças dramáticas adotadas. Qual legenda ou selo deve vir estampado pelos jornais, sites e emissoras de TV na cobertura com esse novo episódio da semana passada?

O segundo ponto que a entrevista levanta é o poder da sociedade do espetáculo, da qual a realeza britânica figura como um dos atores principais. Segundo dados da Nielsen, cerca de 17,1 milhões de pessoas assistiram à entrevista nos Estados Unidos e 12,4 milhões no Reino Unido. Os comerciais veiculados durante o programa custaram US$ 325 mil — duas vezes o preço normal de publicidade nos programas daquela faixa de horário, reservada aos programas mais dramáticos. A audiência mostra que ainda existe fascínio pela família real britânica não só nos EUA. Aqui, o canal GNT exibiu a íntegra da entrevista na noite da última quinta-feira 11.

A CBS conseguiu a entrevista após firmar acordo avaliado entre US$ 7 milhões e US$ 9 milhões com a Harpo Productions de Oprah Winfrey, segundo o The Wall Street Journal. Durante a transmissão, a apresentadora mais poderosa dos Estados Unidos deixou claro que Harry e Meghan não foram remunerados pela conversa.

O último e mais importante aspecto que a entrevista traz é o holofote sobre o racismo na nossa sociedade. Confesso que me comovi com o casamento de Harry e Meghan, em maio de 2018, acreditando ser um sinal de renovação da família real ao abraçar uma afrodescendente, com convidados como Serena Williams, a própria Ophah e o ator Idris Elbra. A foto oficial, com a mãe de Meghan ao seu lado, rodeadas de todos os membros reais, era um símbolo forte de que a monarquia estava se abrindo para uma transformação importante da sociedade. Só que não…

As revelações de Meghan e Harry são como a frase célebre de Vernã Myers, VP de inclusão da Netflix: “Diversidade é convidar para a festa, inclusão é chamar para dançar!”. A família real, em uma tentativa de se modernizar e ficar bem na foto, até tentou encenar o conto da atriz feminista negra que vira princesa. Mas em pleno século 21, viver de aparências não se sustenta. Vale para a família real, às empresas e a qualquer instituição. Ou as mudanças são estruturais e verdadeiras ou não fazem sentido.

Não por acaso outra notícia vinda da Inglaterra, também semana passada, mostra iniciativas animadoras. A multinacional Unilever vai abandonar o uso do termo “normal” para seus produtos de beleza e cuidados pessoais. A decisão é uma das medidas da campanha “Beleza Positiva”, que estabelece compromissos e ações para suas marcas e defende uma “nova era de beleza, que é igualitária e inclusiva, além de sustentável para o planeta”.

Pesquisa realizada pela Unilever com 10 mil pessoas em nove países (Brasil, China, índia, Indonésia, Nigéria, Arábia Saudita, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos) revelou que o uso da palavra “normal” para descrever tipo de cabelo ou de pele faz 56% das pessoas se sentirem excluídas. No Brasil, 58% acreditam que a indústria reforça ideias restritivas em torno do que é considerado o padrão de beleza, e 64% se sentem pressionadas a ter uma determinada aparência para se adequar ao que é considerado belo pela sociedade.

Vinda de uma das companhias globais líderes no mercado de beleza, e que por décadas impôs um padrão europeu, a iniciativa merece ser comemorada. Infelizmente, a cor de pele da família real ainda está presa ao século 19 e a seus ancestrais alemães, antes de trocar seu nome para Windsor, em 1917. Felizmente, o mundo real — o da vida como ela é e não o da realeza — se impõe e tem provocado mudanças positivas, e algumas empresas têm feito sua parte como aceleradoras destas transformações.

*Crédito da foto no topo: iStock

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