Gambiarra é inovação?
Improvisação criativa, feita com jogo de cintura que expressa o poder de adaptação e flexibilidade, é uma das características brasileiras, que se torna ainda mais vital em ambientes de escassez de recursos e incentivos
Improvisação criativa, feita com jogo de cintura que expressa o poder de adaptação e flexibilidade, é uma das características brasileiras, que se torna ainda mais vital em ambientes de escassez de recursos e incentivos
Ao apresentarem o que seria a abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, os idealizadores do show disseram que o evento fora construído com o “espírito da gambiarra”. Na ocasião, Daniela Thomas, uma das diretoras do espetáculo, também se referiu a essa característica como “MacGyverismo” — referência ao clássico seriado, que no Brasil se chamou Profissão: Perigo, no qual um agente secreto resolve problemas complexos criando engenhocas a partir de objetos comuns. “Não temos como fazer, mas faremos”, explicou Daniela.
Com diversos momentos lúdicos, a cerimônia transmitida ao mundo emocionou e impressionou com a exaltação de brasilidades universais (Gisele Bündchen, Oscar Niemeyer, Garota de Ipanema…) para abordagem de temas urgentes, como aquecimento global e diversidade. E fez isso enfrentando o cenário de cortes no orçamento (foi a abertura mais barata das Olimpíadas nas últimas décadas), atrasos em obras e deterioração da situação econômica e política do País.
A palavra gambiarra, no mesmo sentido de improvisação criativa, feita com jogo de cintura que expressa o poder de adaptação e flexibilidade, foi usada na semana passada pela consultora Monique Evelle, durante sua apresentação no Marketing Network Brasil, evento realizado por Meio & Mensagem, em Salvador. Uma de suas provocações aos participantes foi o questionamento de por que gambiarra não é considerada inovação?
Monique vê aí uma visão preconceituosa entre ideias, projetos e startups gerados no Vale do Silício, polo tecnológico da Califórnia, e no Vale do Silêncio, como ela chama as periferias urbanas, comunidades e favelas brasileiras, ambientes onde a escassez de recursos e incentivos e o excesso de necessidades das populações tornam os arranjos inventivos uma constante nos negócios. Defendendo que “inovação é fazer funcionar”, Monique fala com experiência própria: entre suas atividades está a de cofundadora da Inventivos, plataforma que fomenta o empreendedorismo de populações periféricas.
Outra provocação feita por ela foi a de instigar os executivos a pensarem se suas empresas estão contratando talentos para criar ou para consertar algo que não vem dando os resultados esperados. A crítica é em relação a empresas que contratam para criar, mas, na verdade, entregam um contexto em que o profissional passa o tempo todo tentando consertar decisões erradas tomadas anteriormente. O resumo das participações no MNB de Monique, do jornalista Gerson Camarotti, do surfista Carlos Burle, do CEO da NuPay, Alan Chusid, e da apresentadora Gabriela Prioli estão nas páginas 32 e 33.
Na ponta da inovação criativa que impulsiona a indústria, a jornalista Thais Monteiro descreve, na reportagem das páginas 26 a 29, a jornada das empresas de mídia no caminho da transformação digital capaz de levá-las ao desejado grupo de mediatechs — fundamental para dar-lhes gás no enfrentamento à pulverização dos canais de distribuição de conteúdo e nas disputas de mercado com as gigantes globais de tecnologia, que também atuam, e faturem, como empresas de mídia. Essa trajetória demanda não só digitalização, mas bancos de dados mais robustos, otimização de recursos e atração de investidores parceiros. Um combo que financia as enormes mudanças vivenciadas pelo mercado na forma de se produzir conteúdo multiplataforma, nos mecanismos de distribuição, personalização do que se entrega ao consumidor e, consequentemente, na comercialização dessa audiência.
Para empresas de mídia que nasceram antes da internet, mas também para algumas nativas digitais, um dos maiores desafios para alcançar o que seria o estágio ideal de mediatech é cultural. Geralmente, esses processos são dolorosos, demandam muita disposição, foco e energia, desde o olhar crítico e estratégico da liderança até os desconfortáveis cortes de pessoas e mudanças de processos enraizados. Aqui, novamente, a adaptação e a flexibilidade são ingredientes fundamentais para o indissociável casamento da mídia com a tecnologia. Seja no plano da criação, com inovação, ou no do conserto, com gambiarra.
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