Opinião
O ageísmo ainda é enorme em nosso meio
Na era da distração e da ultraestimulação, o que mata a criatividade não é a idade e sim a estagnação e a repetição
Na era da distração e da ultraestimulação, o que mata a criatividade não é a idade e sim a estagnação e a repetição
Na próxima reunião em vídeo que você fizer, olhe atentamente os rostos que aparecem nos quadradinhos das telas e observe: quantas pessoas mais velhas trabalham com você? Na agência em que você trabalha, quem são as pessoas mais velhas? Quantas pessoas com mais de 45 anos trabalham aí? E com mais de 50? Elas nem sequer existem, além de alguém na presidência ou na alta diretoria? Se a expectativa de vida da população brasileira chega a 77 anos, para onde vamos nós, da publicidade, quando envelhecemos?
As agências de publicidade seguem sendo ocupadas em sua maioria por profissionais mais jovens. Estagiários e assistentes gen Z convivem com gerências e diretorias millennials e xennials (embora aparentemente esses grupos venham brigando entre si nas redes sociais e acusando um ao outro de serem cringe – e se você não sabe o que é isso, continue lendo, esse artigo é pra você). Enquanto isso, pessoas da geração X rareiam – e boomers são quase inexistentes.
Os motivos para isso são muitos: a rotina desumana que muitas agências ainda impõem sobre suas equipes, com jornadas de mais de 12 horas, é um fator que afasta profissionais mais experientes. Não porque não aguentem, mas porque profissionais com mais tempo de estrada e mais segurança não aceitam essa rotina. A remuneração também pesa: profissionais sênior merecem salários sênior e sabemos que em tempos de redução de despesas a juniorização de equipes é uma realidade – ainda que o custo da inexperiência possa ser maior a longo prazo.
Para além desses aspectos práticos, temos o preconceito. O etarismo (ou ageísmo) ainda é enorme em nosso meio. A publicidade é vista como uma área de pessoas modernas, criativas, arrojadas, com ideias sempre renovadas e olhar inovador. E isso, no senso comum, remete à juventude. A pessoa mais velha, erroneamente, ainda é vista como menos capaz de ser criativa. Bobagem. Profissionais com mais tempo de estrada são pessoas que podem trazer um olhar renovado e experiências e conhecimentos que só estudos de caso não trazem.
E, na era da distração e da ultraestimulação, o que mata a criatividade não é a idade e sim a estagnação e a repetição. Alguém de 50 anos que goste de assistir a filmes de herói e também de cozinhar, viajar nos fins de semana, ler biografias, jogar baralho e fazer meditação possivelmente será mais criativo do que alguém de 30 que apenas gosta de assistir a filmes de herói.
De alguns anos pra cá, as agências vêm tentando ter equipes mais diversas. O número de mulheres nas equipes aumentou um pouco. Enquanto em 2015 havia menos de 20% de mulheres na área, em 2019 esse número era de cerca de 26%. Aos poucos, vemos pessoas pretas em cargos de chefia (embora ainda em pequeno número) e cada vez mais surgem vagas direcionadas a pessoas trans, pretas, mães etc. Ter p essoas de diferentes faixas etárias é também parte da diversidade. Um olhar mais experiente, o ponto de vista de alguém que tem filhos já adultos, ou uma referência que fuja do que está na moda naquele momento podem ser a chave para uma estratégia forte que apoie uma criação brilhante. E a diversidade na equipe ajuda a garantir que sua agência fuja dos estereótipos na hora de retratar essa mesma diversidade nas campanhas, como os clientes vêm exigindo – ou vai dizer que você não tem visto por aí as mulheres de pele lisa, sem uma ruga ou mancha, bem magras, com longos e volumosos cabelos brancos, que supostamente representam as mulheres mais velhas em campanhas de moda?
Importante lembrar que a população brasileira vive cada vez mais tempo e com mais qualidade. Essa população volta a estudar, abre o próprio negócio, viaja, se separa e casa de novo, investe em si mesma, em sua casa, em sua família, tem poder aquisitivo, e vai comprar os produtos do seu cliente. Para falar com essas pessoas é importante conseguir representá-las de maneira adequada. E ter profissionais com mais de 45 anos na equipe ajuda a trazer para suas campanhas representações de mulheres mais velhas que não são nem senhoras de roupinha bege, nem atrizes e modelos com rostos congelados por camadas de botox. Ou de homens que vão além de rebeldes grisalhos roqueiros tatuados de moto ou sábios patriarcas de famílias de margarina.
Entretanto, agora esses profissionais não estão lá. A geração X, conhecida como geração esquecida, parece de fato ter sido esquecida pelo RH e pelas chefias das agências. Os boomers são ignorados nas campanhas e nas equipes. Até quando?
Por isso, na sua próxima reunião, olhe para cada rosto nos quadradinhos da call e se pergunte: onde estão os velhos e velhas das agências de publicidade? E quanto tempo vai levar para chegar sua vez de descobrir?
Compartilhe
Veja também
Jornada de conhecimento
Para reforçar vocação de principal fórum de debates do País entre lideranças da indústria, Maximídia investe em curadoria de conteúdo com foco na agenda futura do mercado, pluralidade de opiniões e diversidade de temas
O influenciador B2B não está no seu feed
Muitas vezes, ele não está ativo produzindo conteúdos nas redes sociais, mas presente em outros lugares igualmente estratégicos