O core business de qualquer empresa é criar memórias

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Opinião

O core business de qualquer empresa é criar memórias

Quando uma marca de churrasqueiras se torna essencial na vida e na identidade das pessoas? Quando seu produto, mais que um equipamento, é uma expressão que vai além de quem sou, e chega a quem quero ser


26 de outubro de 2023 - 16h52

Está tudo bem se você não conhece a Traeger. Um dos principais motivos pelos quais vou todos os anos ao The Gathering of Cult Brands, no Canadá – e nos associamos ao evento, levando pela primeira vez um grupo de líderes brasileiros – é justamente trazer histórias de marcas que podem até ser desconhecidas no Brasil, mas cujas histórias de sucesso podem servir de referência em qualquer outro país, mesmo em setores que não tem nenhuma relação com o da empresa em questão.

O churrasco é parte da cultura de vários países. Não é diferente nos Estados Unidos. Ele é ritualístico, une as famílias e as comunidades, e faz parte do estilo de vida dos americanos. Da carne ao marshmallow, dos vegetais às frutas, só quem vive a cultura do churrasco entende o significado identitário que ele tem. Sou apaixonado por essa cultura. Talvez por alguma influência de minha família, que veio do Sul, talvez por falta de outras habilidades. Por isso, quando uma marca de churrasqueiras tem um produto tão bom que a leva a um chega num valor de mercado de praticamente US$ 1bilhão, é porque existe alguma razão que vai além do produto. No caso da Traeger, é o poder de pertencimento que a marca gera, para milhões de pessoas.

A Traeger não era um nome muito conhecido até alguns anos atrás. Ela nasceu em um pequeno celeiro no Oregon, onde Joe Traeger, um empreendedor inovador, construiu seu primeiro protótipo em 1987. Ele resolvia um dos grandes problemas dos churrasqueiros, que é trabalhar com pedaços de madeira ou carvão de tamanhos diferentes, que queimam em velocidades distintas – o que exigia que os perfeccionistas vigiassem o fogo incessantemente para manter a chama no nível correto. Traeger criou churrasqueiras alimentadas por pellets de madeira, pedaços de lenha cortados em tamanhos uniformes, que permitem um controle perfeito da temperatura e da fumaça – para quem gosta de defumar. Além disso, passou a oferecer pellets de diferentes tipos de madeiras, que produzem sabores e aromas específicos, para que os loucos por churrasco pudessem trabalhar suas próprias receitas. Os controles eletrônicos também permitiam que, seja assando uma pizza, cozinhando lentamente um brisket, grelhando um bife, ou fazendo uma refeição vegana, o resultado fosse perfeito, tanto para mestres churrasqueiros como para iniciantes. Naqueles dias a empresa não tinha um departamento de marketing e dependia exclusivamente da boca-a-boca (um dos benefícios de uma Cult Brand).

A beleza da oferta da Traeger estava na comida e na experiência, já que o aroma irresistível que emanava do churrasco despertava a curiosidade e acendia os paladares dos vizinhos.

Não é à toa que Cult Brands começam com Cult, de cultura.

Quando Jeremy Andrus, atual CEO da Traeger, assumiu as rédeas em 2013, ele herdou mais do que uma empresa; herdou uma cultura. Infelizmente, ela era marcada pelo medo, falta de inspiração e foco na minimização de riscos. O time sabotava a empresa, não gostava do novo dono e não estava aberta para mudanças. Naquele momento, tomou uma atitude drástica: demitiu os quase 120 funcionários que a empresa tinha e mudou a sede para Salt Lake City, em Utah, de onde tinha vindo. Ele havia sido o fundador da Skullcandy, uma marca de fones de ouvido que fez muito sucesso entre skatistas, snowboarders e praticantes de esportes radicais em geral (tanto por ter uma reprodução dos sons graves muito melhor que a dos fones normais quanto por ser extremamente ergonômica e não cair mesmo durante manobras radicais).

Jeremy resolveu que simplicidade e experiência que ele queria disponibilizar para os amantes do churrasco não era diferente daquilo que havia feito na Skullcandy. A Traeger ia ser Skullcandy dos churrasqueiros.
Ele percebeu que a Traeger era mais do que um equipamento de culinária – era uma maneira de unir as pessoas para criar memórias saborosas. Cozinhar numa Traeger faz parte de um estilo de vida. Essa percepção alimentou sua determinação em transformar a cultura da empresa. De dentro para fora – mais uma característica de uma Cult Brand – revelou seu propósito e novos valores. Jeremy conta que nunca esquecerá o dia em que conheceu um cliente, Benny, um americano normal, trabalhador de construção civil, a quem foi apresentado pouco depois de assumir o posto de CEO. Estava conversando sem compromisso, e perguntou a ele o que achava das churrasqueiras. “A Traeger mudou a minha vida”, disse Benny. “É mesmo? Me conta por quê?”, devolveu o executivo. O cliente contou que passou anos em depressão, mas que um dia se deparou com um infomercial da Traeger que chamou sua atenção. Ele fez a compra imediatamente. A churrasqueira acendeu sua paixão pela culinária e o levou a descobrir a alegria de compartilhar comida com seus amigos, família e com a comunidade churrasqueira online. Saiu da depressão e se tornou um influenciador com mais de 2 milhões de seguidores nas redes sociais. O que não faz um novo amor em nossa vida, não é mesmo?

Hoje Benny Kendrick faz parte de uma comunidade de mais de mil criadores de conteúdo que trabalham com liberdade total liberdade com a marca. Se a jornada da Traeger está totalmente conectada à sua apaixonada comunidade de entusiastas do churrasco, nada mais natural do que eles a representarem. Assim, são milhões de “Bennys” de diferentes idades, gêneros, visões políticas e geografias trabalhando na construção da marca.

Ao longo da jornada da Traeger, uma coisa permaneceu constante – como em diversas marcas de sucesso, seu coração está em sua comunidade e sua cultura. Desde o conteúdo viral nas redes sociais até as parcerias com influenciadores, o foco da empresa em seus valores fundamentais e nas pessoas que os compartilhavam permitiu que ela prosperasse. O compromisso da empresa com seus funcionários e sua aceitação da diversidade e inclusão criaram uma cultura de inovação, resiliência e colaboração que ampliou as fronteiras do churrasco para além dos clichês. A empresa planeja para o ano que vem a mudança para um prédio histórico no Oregon, completamente restaurado, simbolizando sua ligação com as raízes. O propósito da empresa ficou ainda mais claro – “unir as pessoas ao redor da mesa, criando memórias saborosas que durarão a vida toda”.

Bom apetite!

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