Opinião

Marisa Maiô: ética e estratégia na publicidade com IA

Embora o case represente o avanço da IA generativa na criação de conteúdo, também abre discussões sobre limites éticos e riscos reputacionais

Luciéllio Guimarães

Estrategista de imagem pública 8 de julho de 2025 - 10h00

Recentemente, o país conheceu Marisa Maiô, uma personagem fictícia criada integralmente por inteligência artificial. Rapidamente, o Magazine Luiza entrou na conversa e fez uma publicidade protagonizada pela personagem.

O case marca uma nova etapa na publicidade brasileira ao utilizar uma persona digital gerada por IA para se comunicar com o público. Embora a inovação seja inegável, o episódio levanta questões cruciais para profissionais de marketing e publicidade sobre os limites éticos, os riscos reputacionais e as mudanças estratégicas que a inteligência artificial impõe ao setor.

 

IA e a nova era da criação publicitária

Marisa Maiô representa o avanço da IA generativa na criação de conteúdo audiovisual. A personagem não existe no mundo físico, mas atua como uma influenciadora digital capaz de falar, gesticular e transmitir mensagens alinhadas à marca. Essa capacidade abre possibilidades quase ilimitadas: campanhas escaláveis, personalização extrema e redução de custos de produção.

No entanto, essa inovação traz desafios que vão além da tecnologia. O primeiro deles é a confiança do público. Diferentemente de um influenciador humano, uma persona IA gera uma relação mediada por uma construção artificial que pode parecer distante da autenticidade tradicional. A transparência sobre a natureza digital do personagem torna-se essencial para evitar desconfianças e reações negativas.

Um dos maiores desafios dessa inovação está na simbiose entre imagem e marca. Historicamente, figuras públicas e influenciadores trazem consigo atributos como carisma, sucesso, beleza e comportamento, que são transferidos para a marca, fortalecendo sua identidade e conexão emocional com o público. Essa transferência simbólica é bidirecional: a reputação da marca também potencializa a imagem do influenciador.

No caso de uma persona gerada por IA, esse ciclo simbólico se fragiliza. A ausência de uma trajetória humana, experiências reais ou atributos psicológicos como empatia e autenticidade limita a construção de um vínculo emocional genuíno. A inteligência artificial não possui carisma ou história pessoal para criar identificação espontânea, o que pode reduzir a eficácia da mensagem e gerar uma percepção de superficialidade ou artifício.

Por isso, a transparência sobre a natureza digital do personagem torna-se ainda mais essencial para evitar desconfianças e preservar a credibilidade da campanha.

 

Riscos reputacionais e éticos

A adoção de personagens digitais amplia riscos relacionados à apropriação indevida de imagem. Pessoas mal-intencionadas podem usar deep fakes para inserir falas ou comportamentos problemáticos em personagens digitais ou até em campanhas com pessoas reais, criando situações que jamais aconteceram. Esse uso malicioso pode destruir reputações e gerar crises de difícil controle.

Embora a manipulação digital possa ocorrer também em campanhas com atores humanos — por exemplo, adulteração de vídeos originais — a IA eleva essa ameaça a outro nível de precisão e rapidez.

Ferramentas modernas conseguem sincronizar voz, expressões e movimentos de maneira cada vez mais fidedigna, criando falsificações quase imperceptíveis. A possibilidade de extrair a imagem de uma publicidade legítima e aplicar a voz gerada por IA é real e já foi demonstrada em testes técnicos recentes.

Por outro lado, algumas qualidades humanas permanecem desafiadoras para a IA reproduzir com perfeição, como nuances de improvisação emocional genuína, microexpressões complexas e o contexto social e cultural que molda o comportamento autêntico. Essas características ainda limitam, até certo ponto, a capacidade da IA de replicar o humano de forma integral e natural.

Entretanto, a evolução rápida dessas tecnologias exige que marcas e profissionais estejam atentos e atuem preventivamente, adotando protocolos rigorosos para proteger a imagem e a integridade de suas campanhas.

 

Impactos estratégicos para profissionais de marketing

Para o marketing, o caso Marisa Maiô é um alerta e uma oportunidade. A inteligência artificial, quando bem utilizada, permite personalização em massa, segmentação precisa e interação constante com o público. Porém, o papel do profissional precisa evoluir:

  • Domínio técnico: entender os limites e possibilidades da IA para criar campanhas responsáveis e eficazes.
  • Gestão de riscos: antecipar cenários de crise no ambiente construído por IA e relacionados à autenticidade e reputação real da marca.
  • Transparência e ética: comunicar claramente quando uma persona é digital, preservando a relação de confiança.
  • Humanização: equilibrar o uso de IA com a autenticidade e empatia humanas.

 

O “novo normal” do marketing e publicidade já chegou. Marisa Maiô é mais que uma campanha inovadora — é um espelho das transformações profundas que a inteligência artificial traz para o marketing e a publicidade. A adoção responsável dessas tecnologias, aliada à ética e à transparência, será determinante para que marcas mantenham credibilidade e relevância no futuro do presente.

Profissionais e agências que souberem equilibrar inovação e responsabilidade estarão um passo à frente no cenário competitivo que a IA acabou de redesenhar.