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O dono do break

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Opinião

O dono do break

Quando várias marcas tentam aparecer usando a mesma fórmula, todas desaparecem na mesmice da falta de criatividade


19 de março de 2018 - 13h41

Créditos: reprodução

O último intervalo do Jornal Nacional é um dos espaços mais caros da publicidade brasileira. Tem sido assim desde que eu me entendo por marqueteiro. Quando um anunciante precisa dar “visibilidade qualificada” para sua marca, uma forma de justificar o premium semiobsceno cobrado pela Globo, é neste intervalo que investe.

Há poucos dias, em uma visita ao Brasil, esperei ansiosamente em frente à TV para ver quem são os anunciantes dispostos a tal investimento. Nestes tempos difíceis para o mercado publicitário, é preciso acreditar muito no poder da propaganda para estar presente ali. Primeiro veio o Café Pilão com o Neymar. Achei estranho, pois não me lembro de ter visto nada da marca ligado ao futebol. Também não entendi a conexão do Neymar com café. O filme é bem feito, mas a assinatura — “Não é o mundo que te treme. É você que treme o mundo” — nem tanto.

Depois veio o McDonald’s, patrocinador oficial da Copa do Mundo, atacando de Anitta e Neymar. Bela produção com cenas do craque comendo um belo sanduíche ao som de um megassucesso da cantora. Interessante, pensei, dois comerciais seguidos com o Neymar no mesmo break.

O terceiro comercial deste break foi o da cerveja Proibida, com direito à praia, sol, amigos, mulheres de biquíni, musiquinha e Neymar. Todos os ingredientes da categoria expostos nos 30. Incomum ver atletas em atividade anunciando álcool, mas como ele não bebe a cerveja e estamos em ano de Copa, está valendo. Interessante, pensei, três comerciais seguidos com o Neymar no mesmo break.

Antes que eu pudesse decidir se tomava um café Pilão ou uma cerveja Proibida, começou um comercial da Gillette. “Mach3 Sensitive” é meu barbeador favorito. Ainda não havia visto o novo filme com o Neymar. Mas como ele tem barba, ou melhor, não tem barba graças ao “Mach3 Sensitive”, achei que fazia sentido ter um homem anunciando um barbeador, mesmo nesses tempos de empoderamento feminino. Interessante, pensei, quatro comerciais seguidos com o Neymar no mesmo break.

Ainda no mesmo intervalo, veio o novo filme da Nike. Sensacional como sempre e cheio de cenas de ação mais reais que o mais real dos jogos da Liga dos Campeões ou da Copa do Mundo. O astro principal do filme, pelo menos na versão feita para o Brasil, era nosso querido e idolatrado Neymar Jr. Faz todo sentido usá-lo nas vésperas da Copa do Mundo. A Nike é fornecedora de suas chuteiras, dos uniformes do Paris Saint-Germain e da seleção brasileira. Interessante, pensei, cinco comerciais seguidos com o Neymar no mesmo break.

Enquanto fui à cozinha buscar uma Coca-Cola geladinha (mas sem a garrafa do Neymar), ainda escutei de longe filmes dos fones de ouvido Beats e da RedBull, ambos com a participação do Neymar. Interessante, pensei, sete comerciais seguidos com o Neymar no mesmo break.

Quando o break acabou, fiquei feliz em ver a Bruna Marquezine, pelo menos na novela, sem o Neymar.

Ano de Copa é assim mesmo: todas as marcas querem tirar uma lasquinha da febre do futebol e um craque sempre ajuda na lembrança da propaganda.

Se por um lado, todo o sucesso comercial de Neymar e sua equipe comercial devem ser reconhecidos, fico triste em ver como fórmulas baratas de propaganda ainda prevalecem na comunicação nacional.

A Bruna Marquezine não atua na novela das 9 nem todos os comerciais acima existem, ainda. Mas a superexposição do nosso camisa 10 é real. Ela beneficia muito mais o seu bolso (com muito mérito, diga-se de passagem) do que as marcas que ele promove. Quando tantas marcas tentam aparecer usando a mesma fórmula, todas desaparecem na mesmice da falta de criatividade.

Eu acredito que as nossas agências e nossos criativos sejam melhores que isso. Ainda há tempo de fazer algo memorável antes que a Copa do Mundo comece na Rússia. Mas se não der, chame o Neymar. Acho que ainda dá tempo de produzir mais um comercial com ele.

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