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Opinião

O propósito da sua empresa não vai salvar o mundo

As empresas nascem para criar produtos e serviços capazes de transformar as pessoas e ter lucro


19 de maio de 2020 - 13h23

(Crédito: Cifotart/iStock)

Caso tenha chegado até aqui, provavelmente você está cansado, dessa balela de salvar as baleias, salvar a humanidade da invasão alienígena e, principalmente, de ter o propósito de salvar o mundo.

Apesar da síndrome de Pollyanna ser algo absolutamente confortável aos nossos ouvidos e corações (<3), precisamos evitar a banalização de um tema tão importante aos negócios.

Primeiro, é super importante dizer que essa modinha mainstream é muito mais antiga.

Bartlett e Ghoshal, no artigo Beyond Strategy to Purpose para a Harvard Business Review, de 1994 (Hum mil novecentos e noventa e quatro, viu turma da modinha), definem propósito como uma declaração de resposta moral de uma organização e suas responsabilidades amplamente definidas, não se constituindo em um plano amoral para explorar oportunidades comerciais.

O ano é 1994. Um dos primeiros e melhores artigos de negócios que falam sobre propósito. Há gênios pensando nisso há muito tempo.

Uma das definições que eu mais gosto é do estudo The Business Case For Purpose, publicado pela Harvard (2015, p.1), que definiu propósito organizacional como “uma razão de aspiração para ser o que inspira, fornecendo um apelo à ação para a organização, parceiros e partes interessadas, entregando benefícios para sociedade local e global.”

Razão para ser o que inspira

Pronto, aí já vem alguém dizer que salvar o mundo é inspirador. Não cara pálida, não é isso.

Ser o que inspira é quando você tem clareza do PORQUÊ sua empresa existe e faz disso um ato de inspiração para seus funcionários, clientes, fornecedores, comunidades e todas as pessoas envolvidas em seu ecossistema.

A importância em construir uma marca com um propósito está em não apenas criar uma promessa, mas sim o que ela atende e entrega, trazendo esta finalidade à vida por meio de cada experiência do cliente e demais stakeholders.

Traçando uma analogia com hierarquia das necessidades do psicólogo Abraham Maslow, o propósito reflete a auto realização, tornando-se tudo o que se pode ser. Dessa forma, as marcas ganham ao conseguir explorar esse sentido mais amplo de sua atuação e relacionamento com seus consumidores.

Mas duas lições são importantíssimas, as quais, infelizmente, são sempre deixadas de lado.

A primeira é que propósito não é a frase bonita que sua agência de propaganda criou para você. Propósito é escavado, buscado, trazido à tona, à margem, já existe e já está dentro da sua empresa. Então não é criado por um diretor de redação. O Propósito é para dentro da empresa e suas relações e não para fora. Ele não é ganhar dinheiro, não é frase bonita para colocar na recepção das empresas, não é assinatura de marca, não é posicionamento de mercado e, por favor, não é responsabilidade social.

A segunda é que o mais importante do propósito diz respeito ao seu uso como estratégia a fim de que seus públicos se tornem leais e construam o sucesso do seu negócio juntos, pois essa é uma vitória de todos. Uma conquista de todos. Se todos ganham, sua empresa vai ganhar mais ainda.

Você pode achar que essa é uma visão capitalista do assunto, mas não é. É comprovado. O alinhamento de propósito e valores entre empresa e as pessoas aumenta significativamente sua reputação, lealdade e já há alguns trabalhos que começam a comprovar que também aumenta a rentabilidade dos seus negócios. Isso mesmo, lucro.

O propósito move a cultura, que move as pessoas, que movem o negócio. Usando essa lógica, o seu negócio vai usar o propósito como estratégia e vai funcionar para que você tenha lucro desde que tenha o propósito como algo absolutamente verdadeiro, relevante, diferente e capaz de engajar as pessoas.

Então, não é ser bonzinho e mudar o mundo. É inspirar. É mostrar que o seu negócio inspira pessoas, soluções, inovação, comportamentos, resultados etc.

Agora vem a parte dura da história. Mas eu não posso ter um propósito inspirador, verdadeiro e que vai salvar o mundo?

Claro que pode, mas lembre-se que sua empresa não nasceu para isso. Friedman dizia (e eu não concordo plenamente com isso) que a empresa nasceu para dar lucro.  Ela nasceu para criar sapatos, serviços bancários etc. Nenhuma empresa nasceu para salvar o mundo. Nem as ONGs. As empresas nascem para criar produtos e serviços capazes de transformar e impactar as pessoas à sua volta e ter lucro.

Quer um exemplo maravilhoso? A missão da Starbucks é: inspirar e nutrir o espírito humano – uma pessoa, uma xícara de café e uma comunidade de cada vez. Não é fazer o melhor café, não é salvar as plantações na Colômbia e nem as baleias do Ártico. É nutrir o espírito humano. Ninguém entra na Starbucks porque o café é divino. Entra para se sentir em paz, com alguém que te chama pelo nome, numa poltrona confortável e com WiFi gratuito.

Mas Camilla, você é contra a empresa ter uma causa social?

Absolutamente, não. Ter uma causa social vinculada ao seu negócio é maravilhoso. Recomendo fortemente que isso aconteça, desde que seja de verdade. Algo transformador e impactante. Mas de verdade. Fazer ação social para sair bonito na foto não vai fazer da sua marca uma boa marca e nem uma marca forte. E, como não é de verdade, ela não se sustenta.

Enfim, tenhamos em mente que cada vez mais não vão se tolerar marcas sem significados e transformações em nossas vidas. O Bem comum e a empatia vão se tornar a regra de negócios em muito pouco tempo; mas não confunda propósito com causa social (pare de passar vergonha, risos).

*Crédito da foto no topo: iStock

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