Opinião

O vínculo como tecnologia social esquecida

Durante o Women to Watch, Carla Tieppo suscitou uma reflexão que muitos esquecem no dia a dia dos negócios

Bruno Guerrero

CGO da ALTMRK OOH Group 21 de agosto de 2025 - 16h00

Estamos todos em busca de performar melhor, conectar mais profundamente, liderar com mais humanidade. Mas estamos fazendo isso da forma certa?

Durante o Women to Watch 2025, um dos momentos mais impactantes veio da fala da neurocientista Carla Tieppo, que provocou a plateia — majoritariamente formada por lideranças da comunicação — a rever o verdadeiro papel da empatia, das relações e do desejo no ambiente de trabalho.

Empatia não é favor, é adaptação

Segundo Carla, a empatia não é um gesto altruísta ou um traço de personalidade “bonzinho”. A ciência mostra que somos empáticos antes de tudo por razões egoicas: é observando os outros que aprendemos o que funciona no mundo — e imitamos. Nosso cérebro foi projetado para isso. E, mesmo que possamos romantizar o cuidado com o outro, a empatia é, na verdade, uma habilidade funcional de sobrevivência e evolução.

Mais do que um “soft skill”, a empatia é dividida entre o sentir e o entender: a empatia afetiva (ligada às emoções) e a empatia cognitiva (ligada ao modelo mental do outro). Ambas atuam de forma complementar e são essenciais para quem lidera — mas geralmente vêm antes na prática do que na teoria. “A gente primeiro vive a empatia e só depois se dá conta dela”, provocou Carla.

Vínculos que vêm da dor

Outro ponto poderoso foi a explicação entre os hormônios da empatia: a ocitocina, ligada à conexão afetiva, e a vasopressina, relacionada ao vínculo em situações de estresse ou dor.

“O vínculo não é só conforto. Vínculo também é guerra, é trincheira, é quem segura sua mão quando você sangra”, disse Carla.

Num mundo corporativo cada vez mais controlado, acelerado e cheio de “engajamentos forçados”, o alerta foi claro: vínculos reais só surgem da convivência verdadeira — e isso envolve desconforto, escuta, presença, frustração e resgate. O maior risco que corremos como líderes e como cultura organizacional é sucatear nossa maior tecnologia humana: a social.

Liderar é ser maestro de emoções

Ao falar sobre o papel da liderança, Carla foi direta: “O líder precisa ser maestro de emoções.”

Isso não é controlar, mas afinar — saber quando o time precisa de mais curiosidade, mais arrojo, mais escuta, mais segurança. E, para isso, é preciso desenvolver escuta emocional — algo raro em quem vive liderando sem conexão consigo mesmo.

Além disso, ela questiona a obsessão com a performance sob pressão: “A entrega pelo desejo é sempre melhor que a entrega pela obrigação.”

Trabalhar com desejo (ou propósito, se preferirmos um termo mais aceito) é o que energiza times e estimula entregas com qualidade e verdade.

Estamos mesmo nos relacionando?

Em tempos de “epidemia de solidão”, Carla observa que temos se afastado do vínculo real em busca de relações com controle total — inclusive com máquinas e inteligências artificiais.

“As pessoas querem se relacionar, mas no seu tempo, no seu ritmo, e com a opção de desligar quando quiserem.”

Isso leva ao enfraquecimento do senso de pertencimento, um dos pilares fundamentais para o bem-estar coletivo nas organizações.

Gênero e arquétipos: o que realmente importa?

Carla também trouxe um ponto fundamental ao tratar da liderança feminina e masculina. Para ela, o que importa não é o gênero, mas o arquétipo que o líder desenvolve: existem mulheres com perfis arquetípicos masculinos e vice-versa.

A liderança ideal? Aquela que sabe equilibrar sensibilidade e pragmatismo. Cuidar e entregar. Escutar e agir.

Uma provocação pessoal

Nos últimos meses, tenho conversado com líderes de mercado, donos de agência, executivos de grandes marcas, gestores de time. E tem algo que tem me atravessado com força: a maioria está exausta. Não só física ou mentalmente. Mas emocionalmente esvaziada. Um cansaço que vai além das horas extras: é o peso de um sistema que não inspira mais.

Gente que não acredita mais no formato. Gente boa, talentosa, mas anestesiada — sem desejo, sem criatividade, sem coragem pra tentar diferente.

Mas, às vezes, uma fresta de luz entra.

Numa mesa recente, parabenizei uma mulher pela gravidez e vi seus olhos brilharem com força. Em outra conversa, escutei com alegria o relato de quem está empreendendo, conectando pessoas, testando ideias, falhando — mas vivo.

Ou ainda o brilho nos olhos de um ex-C-level que hoje lidera uma associação com o mesmo entusiasmo de um jovem em primeiro emprego. Esses brilhos me lembram do que a Carla Tieppo chamou de “entrega pelo desejo”.

Talvez o desafio da liderança contemporânea não seja apenas sobre novas ferramentas ou metodologias. Talvez seja, acima de tudo, sobre resgatar o desejo. Desejo de se vincular. De criar. De acreditar que vale a pena fazer junto.

Porque sem desejo, o trabalho esgota. Com desejo, ele pulsa.