Opinião
Obrigada, Deus; sou CEO mulher
Não há espaço para retrocessos quando o assunto é equidade de gênero. E os últimos dias reafirmaram o quanto precisamos seguir vigilantes
Não há espaço para retrocessos quando o assunto é equidade de gênero. E os últimos dias reafirmaram o quanto precisamos seguir vigilantes
30 de setembro de 2024 - 14h00
Há quem pergunte por que é preciso falar tanto sobre equidade de gênero. Mas o fato é que, se descansamos, a pauta retrocede. O exemplo mais gritante disso ocorreu há poucos dias, quando o empresário Tallis Gomes, cofundador e CEO da G4 Educação, fez um post em seu Instagram com inúmeros comentários machistas e a frase que virou o epítome do infeliz episódio: “Deus me livre de mulher CEO”.
Como mulher, mãe, executiva, aliada das pautas de inclusão e retratação histórica, e como CEO que gera milhões em EBITDA, fiz um post rechaçando o absurdo daquela publicação. Não só eu. Centenas de executivas, empresárias e mulheres que caminham pessoal e profissionalmente rumo à equidade de gênero se manifestaram.
Tallis pediu desculpas, mas, convenhamos, um relato tão genuíno em defesa de algo tão incabível em pleno 2024 não se resolve com uma ou algumas palavras. Vale lembrar aqui que, no espaço de apenas um story, o empresário soltou pérolas sobre o suposto mau uso da “energia feminina”, a “masculinização” de mulheres líderes e a falta de priorização do lar e da família.
Menos de 48 horas depois do pedido de desculpas, ele foi afastado do conselho consultivo da Hope, empresa liderada por mulheres e diretamente ligada ao bem-estar e à autoestima feminina. Em seguida, renunciou ao cargo de CEO e presidente do conselho da G4 e uma mulher, a chief financial officer (CFO) e sócia Maria Isabel Antonini, foi apontada para assumir o seu lugar.
Todos nós, que lidamos com imagem, sabemos que essas medidas seguem a cartilha básica da contenção de crise. Mas a história como um todo exige reflexão aprofundada, porque deixa inúmeras lições de onde estamos, para onde vamos e de quantos passos ainda devemos dar.
Primeiro, precisamos reconhecer a mobilização pública, neste caso especialmente de lideranças femininas, como importante ferramenta de transformação social. E por poder ocorrer sem que tenhamos de sair de casa ou de nossas mesas de trabalho, o fenômeno cresce em engajamento e permite reações imediatas a desrespeitos e desatinos.
Em um dos países que mais consomem redes sociais no mundo, o “ativismo virtual” – tantas vezes subestimado por não exigir mais do que um post, curtidas e comentários – reafirma o seu poder, virando capa, matéria e editorial de veículos fundamentais para o exercício da nossa democracia e a evolução da nossa sociedade e exigindo reação contundente a uma postura misógina.
O episódio também reaviva a necessidade de alinhamento entre valores, práticas e discurso das empresas. Nenhuma companhia séria pode ser liderada por alguém que se posicione contra causas sociais como a da equidade de gênero. Muito menos quando o seu público-alvo é feminino ou ela é ligada à educação, um dos setores que mais simbolizam o compromisso com o futuro do País e do mundo. É inquestionável: só as empresas comprometidas com os anseios da sociedade terão longevidade.
Por fim, mas não menos importante, vale comentar que, conforme a história evoluía nas redes e em veículos de comunicação, outros pontos de atenção em torno da pauta da inclusão começaram a aparecer. Todos de enorme relevância. Uma queixa levantada foi a de que poucos homens se manifestaram sobre o tema. A maioria deles silenciou. Talvez por falta de conhecimento e propriedade; por se sentir desconfortável de entrar nessa conversa ou por algum nível de concordância. Resumindo, a briga feminina não pode continuar sendo só feminina.
Também houve comentários de que as medidas tomadas só ocorreram porque as CEOs mulheres fazem parte da elite branca brasileira. E inegável que, especialmente em um país com tantos abismos sociais como o Brasil, os acessos para mulheres negras e periféricas chegarem a posições de liderança são ainda mais raros. Aliás, muito mais raros. Mas isso não diminui o debate, nem as batalhas que estamos travando. Pelo contrário, só aumenta a urgência de amplificarmos nossas conquistas para mais mulheres, especialmente as impactadas pela interseccionalidade. Sigamos vigilantes.
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