Os desconfortáveis
Diversidade dá trabalho nas escolas, nas casas e nos ambientes profissionais. Quem pensa diferente, quem pergunta muito, quem traz outras realidades vira um problema.
Diversidade dá trabalho nas escolas, nas casas e nos ambientes profissionais. Quem pensa diferente, quem pergunta muito, quem traz outras realidades vira um problema.
17 de setembro de 2018 - 12h50
OK, todos querem ideias novas, geniais, inéditas. Mas poucos pensam sobre o habitat em que elas se reproduzem.
Sempre comparo com as crianças: todas as escolas prometem ambientes criativos, abertos e que respeitam a individualidade, mas poucas escolas aguentam os alunos diferentes, os questionadores, os que fazem de outro jeito.
Os pais não ficam muito atrás: a maioria quer que os filhos virem o Steve Jobs, mas desde que “não façam bagunça na garagem”. Querem manter um diálogo aberto, desde que os filhos falem o que os pais querem ouvir.
É que a diversidade dá trabalho nas escolas, nas casas e nos ambientes profissionais. Quem pensa diferente, quem pergunta muito, quem traz outras realidades vira um problema.
Com as pessoas pedindo respostas cada vez mais rápidas, objetivas e cheias de certeza, a gente tem cada vez menos paciência com quem quer tempo para tentar, espaço para experimentar ou para pensar diferente. Mas são essas pessoas que quebram regras, que veem além, que inspiram e provocam todo o resto a fazer coisas novas. São mulheres e homens “professores pardais”, nerds, tímidos, ansiosos, provocadores e malucos. São os que nos deixam desconfortáveis.
Porque criatividade tem tudo a ver com diversidade, que tem tudo a ver com desconforto — aquele sentimento que ninguém quer ter depois que cresce.
Porque, voltando às crianças, quando a gente é pequeno tudo é novo, não existe o certo nem o errado. Aí a gente cresce e fica buscando a segurança do igual, do que a gente reconhece. Passamos a nos contentar com o mediano, com o confortável.
Trazer para agências pessoas de inúmeros backgrounds, de várias idades, com dinheiros diferentes, mais cores e muitos gêneros faz a gente ter de mudar o olhar, ser mais empático, aprender a usar melhor as palavras e a ter pensamentos mais críticos o tempo todo. Esse desconforto muda tudo. Muda comportamentos.
Mas, para isso, precisamos dar não só o espaço da fala, mas também o espaço da escuta. Afinal, é moda falar em se reinventar, em rever conceitos, mas ninguém quer ouvir ninguém que não reze o seu credo. E é aí que a porca torce o rabo. Porque, no final, as pessoas lembram muito mais daquilo que foi diferente, que provocou, que fez pensar, que incomodou.
Pense nos filmes que você lembra. Nos livros da sua vida. Nas memórias que não vão embora. Tudo que é mais conhecido, mais familiar, é menos memorável. Isso explica por que a propaganda criativa de qualidade é melhor e mais barata. Porque ela não precisa de tanta mídia para impactar.
Nós que somos desta indústria que sempre acreditou nessa verdade e que sempre procurou o diferente, o novo, o rompedor, temos de ter mais diversidade. Porque é isso que nos diferencia e nos dá valor. E, se você ficou um pouco desconfortável com esse texto, bom sinal. Porque a diversidade é um caminho sem volta.
*Crédito da imagem no topo: Jenpol/iStock
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