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Opinião

Problemas alheios

Reflexões sobre uma demissão abrupta de alguém que passou muito tempo olhando para dentro da empresa e colocou a família e a vida de lado


20 de junho de 2017 - 9h29

Há alguns anos o meu ex-chefe, vice-presidente de marketing de uma grande multinacional, chegou ao seu escritório depois de um longo fim de semana em que trabalhara o sábado e o domingo, e encontrou a diretora de recursos humanos esperando-o. Ela disse que o presidente queria falar com os dois “as soon as possible”. Achou estranho mas preferiu não comentar e lá se foram os dois para a sala do chefe.

Foto: reprodução

O presidente americano não perdeu muito tempo: “O pessoal da nossa matriz tem outros planos para o marketing aqui no Brasil e decidimos que está na hora de fazer uma mudança na liderança. Obrigado por tudo que você fez nos últimos oito anos. A Lúcia Helena vai explicar os detalhes do seu pacote.”

“Um dia pavão, no outro espanador”, já dizia a tirinha do Dilbert. Não poderia ser mais apropriado. Sua demissão foi tão abrupta que deixou todas as pessoas no departamento de marketing desnorteadas. “Se isso pode acontecer com ele, imagina conosco!” Começaram as apostas sobre quem seriam os próximos.

Depois de algumas semanas de isolamento e muita raiva, ele aceitou meu convite para tomar um café. Além de oferecer ajuda, eu queria saber o que ele havia aprendido com esta experiência e o que faria de diferente se pudesse voltar no tempo. Ele era um líder muito sensato, prático e sem frescuras e eu tinha grande respeito pelas suas opiniões.

Algumas lições que ele me ensinou me ajudam até hoje. Foram elas:

• Algumas vezes, estamos no lugar errado na hora errada e não há nada que se possa fazer. Isso foi o que aconteceu comigo, ele disse. Alguém em uma galáxia distante precisou arrumar um lugar para outro alguém mais importante do que eu e, infelizmente, eu estava sentado na cadeira que eles queriam. Não foi culpa minha. Não posso me culpar pelo acaso.

• Ninguém e tão importante assim. Todos os executivos de marketing de grandes anunciantes são paparicados. Agências, fornecedores, celebridades, etc. Até aí, tudo bem. O problema é achar que todos eles gostam mesmo de você. Esse foi o meu erro, refletiu. Eles gostavam mesmo era da minha cadeira. No dia seguinte à minha saída, quase ninguém atendeu ou retornou minha ligação. Deviam estar ocupados tentando falar com o novo vice-presidente de marketing… Mas eles não estão errados. Quem errou fui eu em achar que era mais importante que a cadeira.

 Ninguém e tão importante assim. Todos os executivos de marketing de grandes anunciantes são paparicados. Agências, fornecedores, celebridades, etc. Até aí, tudo bem. O problema é achar que todos eles gostam mesmo de você

• Passei muito tempo olhando só para dentro da empresa. Disse não para todas apresentações que poderia ter feito. Não viajei para nenhum evento da nossa indústria. Não fui a Cannes. Não fui à CES. Não fui à SXSW. Não fui ao TED. Não fui… Estava muito ocupado fazendo aquela apresentação que não era tão importante assim ou participando daquela reunião que nem precisava ter ido. Hoje me arrependo de não ter investido nas relações com outras pessoas do mercado.

• Passei muito tempo trabalhando. Naqueles primeiros anos de Blackberry, quem tinha um achava que deveria responder e-mails 24 horas por dia (que diferença dos dias atuais!). Reuniões nos finais de semana eram normais. Em épocas de planejamento anual ou apresentações para a matriz, voltar para casa antes das 11 da noite era quase um milagre. E o tempo foi passando comigo achando tudo aquilo normal. Não me entenda mal; gosto de trabalhar. Mas não faz sentido colocar a família e a vida de lado e dedicar 100% do seu tempo para o trabalho.

Guardei estas lições e, sempre que pude, me esforcei para não cometer os mesmos erros dele. Nos meus 20 e tantos anos de profissão, passei por umas 20 e tantas reestruturacões. Fui promovido muitas vezes. Demiti mais pessoas do que gostaria. Minha função foi eliminada duas vezes. Sobrevivi (e sobrevivo) melhor aos altos e baixos da vida corporativa graças ao meu ex- chefe demitido.

Quando chegar a sua vez (e tenha certeza de que a sua vez vai chegar), lembre-se dele. É sempre melhor aprender com os problemas alheios.

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