Storiers: a nova classe de influenciadores
O fenômeno de “reallityficação” transforma muitos criadores em Big Brothers que apenas mostram “o que estão fazendo” e se afastam da produção de conteúdo pensado e planejado para a plataforma
O fenômeno de “reallityficação” transforma muitos criadores em Big Brothers que apenas mostram “o que estão fazendo” e se afastam da produção de conteúdo pensado e planejado para a plataforma
15 de fevereiro de 2018 - 14h33
Estudar as plataformas e compreender o ambiente de entretenimento faz parte do dia a dia de trabalho de qualquer influenciador digital que sabe o que está fazendo. Há muito mais por trás de apenas “criar vídeos para o YouTube” ou “postar fotos no Instagram”, pelo menos para quem leva a sério e de fato está comprometido com inovação, reinvenção e criação. Em função disso, há tempos acompanho de maneira curiosa a “reallityficação” de parte dos influenciadores digitais. E a coisa está tomando grandes proporções.
Assim como as técnicas de criação de conteúdo para a TV, rádio e cinema são profundamente diferentes, o mesmo podemos dizer para os veículos digitais. Criar um vídeo para o YouTube é estruturalmente diferente de criar um vídeo para o Facebook. Embora um possa convergir e fazer sucesso no outro, o vídeo do YouTube costuma prezar mais por aspectos como, por exemplo, retenção do usuário, thumbnail, título e você deve focar nos primeiros 20 segundos, em média, para segurar seu espectador. Já o Facebook trabalha com o autoplay, o que te dá em média três segundos para reter um usuário que não está navegando para ver vídeos e sim deslizando uma timeline. São desafios diferentes, com resultados diferentes e medidos de maneiras também diferentes. Porém, nada é tão novo atualmente quanto a criação de conteúdo para os Stories do Instagram.
Fenômeno que nasceu por meio do Snapchat, mas que passa hoje por uma profunda migração para o Instagram, os Stories consistem em pequenos vídeos de até 10 segundos cada, montando uma timeline de tiros curtos e que precisam ser certeiros para garantir que o usuário permaneça assistindo a um atrás do outro. Isso, por si só, já demonstra uma enorme diferença na construção do conteúdo com relação ao YouTube e Facebook. As mudanças, contudo, não ficam apenas na área de criação, mas em como o influenciador passa a ser consumido pelos usuários, fãs ou não. É aí que a coisa começa a ficar interessante de ser analisada.
São poucos os artistas de internet que de fato utilizam os Stories para, além de mostrarem o dia a dia, criarem conteúdo planejado e pensado para a plataforma. Exemplos disso seriam o Carlinhos Maia e Thaynara OG, dois fenômenos especializados em transformar o cotidiano em conteúdo, mas, acima de tudo, em pensar exatamente o que postar, criando uma timeline de pequenos vídeos planejados, o que fideliza o usuário e faz com que ele saiba o que esperar. Carlinhos, por exemplo, possui séries criadas exclusivamente para a plataforma, enquanto Thaynara divide seu conteúdo entre Snap e Insta, também com séries e conteúdos exclusivos. Um trabalho basicamente profissional de Storier. A esmagadora maioria dos influenciadores, contudo, enxerga os Stories apenas como uma forma de mostrar suas vidas e filmar qualquer coisa que esteja acontecendo ao seu redor. Desde “olha o que estou comendo”, passando por “olha eu malhando”, até “olha o que eu ganhei de presente”.
Embora os Stories sejam ótimos para complementar conteúdo, quando eles se tornam o foco da sua produção o que você gera não são fãs exatamente fiéis, mas público de reality show muitas vezes mais interessado no que acontece ao seu redor do que naquilo que seu talento é capaz de criar
O que ninguém imaginava era que isso explodiria de maneira tão grande a ponto de muitos criadores de conteúdo passarem a focar mais em serem grandes Big Brothers do que qualquer outra coisa. Enxergando os números crescendo vertiginosamente em pequenos vídeos mostrando apenas o que o influenciador está fazendo, começaram a transformar suas vidas cada dia mais em uma grande vitrine. E o conteúdo, cada vez menos planejado ou pensado. Uma vida de “olha onde eu estou” em vez de “assista ao que eu produzi”. Esses mesmos influenciadores são muito mais comumente encontrados em festas, viagens e eventos em vez de estúdios de gravação, salas de reunião de pauta ou de edição.
Nichos existem para serem explorados. Não há conteúdo melhor ou pior, existe público-alvo, comprometimento, resultado e gosto pessoal. Entretanto, quem não estuda o ambiente em que trabalha não pode se considerar um profissional sério. E há aspectos profundamente preocupantes sobre o futuro destes Storiers.
O Brasil possui uma cultura bastante ligada a reality shows. Não à toa, estamos na 18a edição do BBB, algo que nenhum outro país chegou. Porém, a vida útil de um reality show normalmente é bem baixa, diretamente proporcional ao interesse do público, que acaba cansando de assistir a determinado indivíduo seguidamente por muito tempo fazendo apenas o que qualquer outra pessoa poderia estar fazendo em seu lugar. Carismas seguram audiência, fidelizam fãs, mas um carisma repetindo a mesma ação eternamente tende a entediar e perder público. Até por isso, hoje os Storiers tentam ao máximo sair de casa, viajar e ir para festas e eventos. Dessa forma, conseguem “produzir” mais Stories e segurar por mais tempo sua audiência. Mas, até quando? Se seu conteúdo é mostrar sua vida e segurar com seu carisma, fatalmente você pode estar trilhando um caminho de esgotamento do formato. Um dia, talvez, as pessoas cansem de ver presentes sendo abertos, viagens sendo feitas e festas sendo mostradas. E se você não possui outra fonte de conteúdo, se fazer Stories se tornou a sua profissão, o que irá acontecer?
Recentemente saiu uma lista dos cantores mais assistidos no Stories no mundo inteiro. Ninguém ficou surpreso ao ver Anitta na segunda posição, atrás apenas de Maluma, com Wesley Safadão em quinto, Pabllo Vittar em sexto e Lucas Lucco em oitavo. A lista era completada por Ariana Grande, J Balvin, Selena Gomez e Katy Perry. Porém, para absoluta surpresa de muitos, na décima posição apareceu Luisa Sonza, influenciadora brasileira que cresceu muito no YouTube e Instagram, principalmente após começar seu relacionamento com Whindersson Nunes.
Muitas pessoas não enxergam Luisa como uma cantora. Ela é, aos olhos de muitos, uma influenciadora, instagrammer e storier que, depois de fazer tudo isso, canta. Não acho que essas pessoas estejam certas. Mas também não acho que estejam erradas. Luisa é uma cantora, é uma influenciadora e tem milhões de acessos em seus Stories, logo sua posição na lista é justificada. A grande questão, contudo, é que sua carreira como storier é colossalmente maior que sua carreira como cantora, hoje. Então, como classificá-la? Uma cantora que faz Stories (como todos os outros na lista) ou uma storier que canta? Hoje Luisa posta vídeos no Instagram todos os dias, com muitos pegando, segundo ela, mais de 2 milhões de visualizações e tendo mais de 5,7 milhões de seguidores.
Já o seu canal oficial na Vevo, no YouTube, tem 365 mil inscritos, com 3 clipes oficiais lançados: dois com 7 milhões e um com 9 milhões de acessos. Números considerados baixos para a música. Para comparação: um dos clipes menos assistidos de todos os artistas na lista em que ela apareceu é “Permanecer”, de Lucas Lucco, com 39 milhões de acessos. O último clipe lançado por Safadão já tem 121 milhões de visualizações. Então, fica a pergunta: seria Luisa uma cantora que complementa seu conteúdo com Stories ou seria ela uma storier que lança clipes de música?
Por último, o grande case de migração reversa: Kéfera. A grande influenciadora de 2016, que viu seu canal explodir de acessos e inscritos, teve um ano de 2017 extremamente difícil no YouTube. Caiu de 23 milhões de visualizações mensais em julho de 2016 para 7 milhões em dezembro de 2017. O motivo? Kéfera decidiu focar sua carreira no cinema e nos Stories, deixando o canal do YouTube sem o conteúdo que os fãs mais gostavam: os vlogs em casa. Uma decisão artística muito perigosa e que ninguém sabe no que vai dar, visto que é necessário que o público esteja intrinsicamente conectado ao seu conteúdo para lotar os cinemas por sua presença. O resultado acabou ficando claro em seu novo filme. Enquanto “É fada”, lançado no auge da atriz no YouTube, atraiu mais de 1,5 milhão de pessoas ao cinema, o seu novo filme, “Gosto se Discute”, não vendeu sequer 200 mil ingressos, segundo o site Adoro Cinema.
Kéfera, contudo, está fortíssima nos Stories, com mais de 1 milhão de visualizações a cada mini-vídeo publicado, enquanto seu canal no YouTube hoje dificilmente consegue 1 milhão de visualizações nos vídeos postados. Por que então o desempenho do filme foi tão ruim mesmo com tantos acessos nos Stories? Porque, aparentemente, embora os Stories sejam ótimos para complementar conteúdo, quando eles se tornam o foco da sua produção o que você gera não são fãs exatamente fiéis, mas público de reality show muitas vezes mais interessado no que acontece ao seu redor do que naquilo que seu talento é capaz de criar. E isso, por si só, é muito perigoso para qualquer influenciador.
O que vai acontecer com os Storiers só o tempo dirá, mas se eu tivesse de apostar, diria o seguinte: hoje, deixar de produzir conteúdo em plataformas como YouTube, Facebook ou mesmo TV para focar em virar um grande Big Brother no Instagram é um caminho de resultados rápidos no curto prazo e trágicos no longo prazo. Serão muitas visualizações, pouco engajamento real, pouca fidelização e esgotamento do formato com o passar do tempo. Enquanto produzir conteúdo planejado para as plataformas gera fãs, os Stories de cotidiano geram meros espectadores.
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