O marketing acabou. O produto agora é a experiência invisível
O marketing não acabou. Mas mudou de forma. Não estamos falando do fim da disciplina, mas do fim de uma era.
Passei as últimas semanas imerso em uma China que muitos ainda não conhecem: não a das fábricas, mas a dos fluxos invisíveis que redefinem o consumo. Por lá, ninguém fala mais em “jornada do consumidor”, porque ela já foi absorvida pelo algoritmo. O marketing como conhecemos, centrado em campanhas, funis e storytelling, parece obsoleto diante de um ecossistema onde o desejo é identificado antes mesmo de ser formulado.
Na China, o produto não é mais um objeto. É o sistema inteiro que te envolve, recomenda, gamifica, entrega, recompensa e faz tudo isso sem fricção. É a experiência invisível que conecta necessidade, ação e prazer em um único fluxo contínuo. A compra é quase um detalhe.
O fim do funil e a ascensão do loop Durante décadas, o marketing trabalhou com a lógica linear: awareness → consideração → compra → fidelização. Na China, esse modelo morreu. O consumidor entra em loops de experiência dentro de ecossistemas como Meituan, Alibaba, Douyin (TikTok local), JD e Pinduoduo. A consideração é substituída por recomendação algorítmica. A compra é impulsionada por live commerce, incentivos sociais ou ofertas gamificadas. A fidelização vem do próprio ambiente: quanto mais tempo você passa lá dentro, mais ele se molda a você.
A nova métrica não é ROI. É tempo. No Ocidente, ainda discutimos ROI de campanhas. Na China, o KPI mais importante é o tempo gasto dentro do ecossistema. Quanto mais o consumidor permanece na plataforma, mais dados são gerados, mais precisa é a recomendação, maior a taxa de conversão. A lógica se inverte: você não atrai o cliente para comprar. Você o envolve para que ele não queira sair.
É o que chamo de comércio preditivo. Um sistema em que você não navega: você é navegado. O algoritmo como interface
O design desaparece. A loja desaparece. O branding, em muitos casos, também desaparece. O consumidor interage com a lógica do sistema e não mais com o discurso da marca. O algoritmo
se torna a principal interface entre oferta e demanda. Ele conhece preferências, hábitos, humor, localização, padrão de gasto e contexto. E decide o que mostrar, quando mostrar, como mostrar.
Não é só personalização. É coreografia. A experiência é o produtoNa Hema (supermercado do Alibaba), a prateleira física responde ao digital. O mesmo produto tem preços e funcionalidades diferentes se comprado online ou presencialmente. Toda logística é invisível, hiper-rastreável, baseada em IA e blockchain. O supermercado é um palco, mas o espetáculo está nos bastidores: entrega em 30 minutos, algoritmo que sugere receitas, pagamentos sem fricção, sistema de pontos e recompensas… O consumidor não está em uma jornada. Ele está em um ecossistema. E isso muda tudo.
O que as marcas brasileiras podem aprender
1. Pare de pensar em campanhas. Pense em fluxos. Em vez de anunciar para o consumidor, pense em como integrá-lo ao seu ecossistema, mesmo que seja mínimo.
2. Invista em plataformas, não apenas em mídia. No Brasil, gastamos fortunas com awareness, mas pouco com tecnologia que reduz atrito e aumenta recorrência.
3. Recompense o tempo, não só a compra. O consumidor algorítmico valoriza reconhecimento, status, comunidade. O modelo da gamificação ainda é subexplorado no Ocidente.
4. Integre conteúdo, comércio e comunidade. A chave do social commerce chinês está em criar desejo coletivo, via creators, desafios, lives e recompensas compartilhadas.
O marketing não acabou. Mas mudou de forma. Não estamos falando do fim da disciplina, mas do fim de uma era. Uma era em que o marketing era visível, planejado, sequencial. Agora, ele é silencioso, sistêmico, invisível mas muito mais poderoso. Quem seguir pensando com as categorias do passado (campanha, canal, conversão) vai ficar para trás. Quem entender que o produto hoje é o fluxo invisível que conecta desejo e recompensa em tempo real, pode reinventar o jogo.
A China não está apenas nos mostrando o futuro. Ela está nos dizendo, com clareza: ele já
começou