Opinião

O marketing acabou. O produto agora é a experiência invisível

O marketing não acabou. Mas mudou de forma. Não estamos falando do fim da disciplina, mas do fim de uma era.

Rodrigo Ferreira da Rocha

Palestrante 28 de julho de 2025 - 10h28

Passei as últimas semanas imerso em uma China que muitos ainda não conhecem: não a das fábricas, mas a dos fluxos invisíveis que redefinem o consumo. Por lá, ninguém fala mais em “jornada do consumidor”, porque ela já foi absorvida pelo algoritmo. O marketing como conhecemos, centrado em campanhas, funis e storytelling, parece obsoleto diante de um ecossistema onde o desejo é identificado antes mesmo de ser formulado.

Na China, o produto não é mais um objeto. É o sistema inteiro que te envolve, recomenda, gamifica, entrega, recompensa e faz tudo isso sem fricção. É a experiência invisível que conecta necessidade, ação e prazer em um único fluxo contínuo. A compra é quase um detalhe.

O fim do funil e a ascensão do loop Durante décadas, o marketing trabalhou com a lógica linear: awareness → consideração → compra → fidelização. Na China, esse modelo morreu. O consumidor entra em loops de experiência dentro de ecossistemas como Meituan, Alibaba, Douyin (TikTok local), JD e Pinduoduo. A consideração é substituída por recomendação algorítmica. A compra é impulsionada por live commerce, incentivos sociais ou ofertas gamificadas. A fidelização vem do próprio ambiente: quanto mais tempo você passa lá dentro, mais ele se molda a você.

A nova métrica não é ROI. É tempo. No Ocidente, ainda discutimos ROI de campanhas. Na China, o KPI mais importante é o tempo gasto dentro do ecossistema. Quanto mais o consumidor permanece na plataforma, mais dados são gerados, mais precisa é a recomendação, maior a taxa de conversão. A lógica se inverte: você não atrai o cliente para comprar. Você o envolve para que ele não queira sair.

É o que chamo de comércio preditivo. Um sistema em que você não navega: você é navegado. O algoritmo como interface

O design desaparece. A loja desaparece. O branding, em muitos casos, também desaparece. O consumidor interage com a lógica do sistema e não mais com o discurso da marca. O algoritmo
se torna a principal interface entre oferta e demanda. Ele conhece preferências, hábitos, humor, localização, padrão de gasto e contexto. E decide o que mostrar, quando mostrar, como mostrar.

Não é só personalização. É coreografia. A experiência é o produtoNa Hema (supermercado do Alibaba), a prateleira física responde ao digital. O mesmo produto tem preços e funcionalidades diferentes se comprado online ou presencialmente. Toda logística é invisível, hiper-rastreável, baseada em IA e blockchain. O supermercado é um palco, mas o espetáculo está nos bastidores: entrega em 30 minutos, algoritmo que sugere receitas, pagamentos sem fricção, sistema de pontos e recompensas… O consumidor não está em uma jornada. Ele está em um ecossistema. E isso muda tudo.

O que as marcas brasileiras podem aprender

1. Pare de pensar em campanhas. Pense em fluxos. Em vez de anunciar para o consumidor, pense em como integrá-lo ao seu ecossistema, mesmo que seja mínimo.

2. Invista em plataformas, não apenas em mídia. No Brasil, gastamos fortunas com awareness, mas pouco com tecnologia que reduz atrito e aumenta recorrência.

3. Recompense o tempo, não só a compra. O consumidor algorítmico valoriza reconhecimento, status, comunidade. O modelo da gamificação ainda é subexplorado no Ocidente.

4. Integre conteúdo, comércio e comunidade. A chave do social commerce chinês está em criar desejo coletivo, via creators, desafios, lives e recompensas compartilhadas.

O marketing não acabou. Mas mudou de forma. Não estamos falando do fim da disciplina, mas do fim de uma era. Uma era em que o marketing era visível, planejado, sequencial. Agora, ele é silencioso, sistêmico, invisível mas muito mais poderoso. Quem seguir pensando com as categorias do passado (campanha, canal, conversão) vai ficar para trás. Quem entender que o produto hoje é o fluxo invisível que conecta desejo e recompensa em tempo real, pode reinventar o jogo.

A China não está apenas nos mostrando o futuro. Ela está nos dizendo, com clareza: ele já
começou