A falácia do ‘non-working money’
Otimizar a verba, ganhar clientes, gastar menos. Por outro lado, precisamos abrir, no mínimo, dois debates sobre ela
Com o avanço da utilização das ferramentas de inteligência artificial, uma frase tem se tornada clássica pelos CMOs: ‘Precisamos diminuir o nosso ‘non-working money’’.
Se você ainda não a escutou, sorte sua. Aqui, podemos traduzi-la em algo como ‘precisamos reduzir a quantidade de dinheiro investido com pessoas’ e ‘ter uma porcentagem maior de veiculação de mídia’: ou seja, fazer o dinheiro trabalhar ‘mais por menos’, alcançando um número maior de potenciais clientes.
Em teoria, a ideia é ótima. Otimizar a verba, ganhar clientes, gastar menos. Por outro lado, precisamos abrir, no mínimo, dois debates sobre ela.
O primeiro é relacionado à produção (e captação) de conteúdo, como já falei neste artigo, em maio. Sim, teremos um grande ganho de eficiência num futuro bem próximo. O outro debate gira em torno da mídia. E, quando falamos de otimização em mídia, essa ideia de redução de ‘non-working money’ pode ser absolutamente desastrosa. Explico.
A cultura da publicidade brasileira nasceu da utilização da mídia para pagar esse ‘non-working money’ desde sempre, mesmo que tenha sido utilizado de outro modo. Era algo assim: te dou o meu serviço criativo (e de mídia) e ganho com a mídia que vincular à esta entrega.
Por entregar um resultado visual melhor, o serviço criativo sempre foi muito mais caro. Do outro lado, tínhamos a mídia sendo (analisada e) calculada por times menores, que operavam centenas de milhões de reais – e muito por conta da baixa complexidade de operação e da pouca pressão por custos relacionados à essa área. Era mais ‘fácil’, se podemos resumir assim.
Mas, o jogo virou – ou deveria ter virado. Hoje, segundo a pesquisa Adspend 2025, do IAB Brasil, o digital responde por quase 60% do total do investido em mídia no país (algo perto de R$ 38 bilhões do total de R$ 65 bilhões, segundo relatório produzido pelo Cenp e Kantar Ibope Media).
A gestão de mídia digital é mais complexa e demanda mais profissionais por real investido. Isso acontece, principalmente, porque as plataformas são (ou deveriam ser) SAAS (ou ‘software como serviço’) e deixam as agências operarem para gerar o melhor resultado para o cliente.
Com o aumento da parcela digital, o retorno financeiro das mídias tradicionais diminuiu e a complexidade de operação da mídia aumentou. Para resolver esse problema, no lugar de criar equipes sólidas e gerar valor a um serviço complexo (e que dificilmente será feito internamente nas empresas), o mercado de agências decidiu banalizar a compra de mídia digital.
Quem nunca escutou a famigerada frase que ‘mídia virou commodity’?
Será mesmo? Ou simplesmente estão tentando tirar o valor de uma operação complexa, que poucos conseguem entregar com excelência?
É o famoso ‘barato que sai caro’. Explico.
Quando a escolha da mídia está vinculada ao retorno financeiro para a agência, perdemos a imparcialidade da escolha. Por mais que digam que isso não acontece, o sistema segue na luta contra quem realmente se preocupa com esse fato.
Abordamos somente um dos casos para mostrar que não vale tanto ter menos ‘non-working money’: isso porque o ‘working money’ está trabalhando – e, nesse caso, não está atuando 100% em benefício da sua marca. Um problemão.
O digital nos permite otimizar cada centavo investido em mídia. Com isso, conseguimos reduzir o custo do ‘working money’ que, de fato, não está tão ‘working’ assim.
Mas é aqui que encontramos um grande problema: com times reduzidos e margens sucateadas, além das empresas pressionando agências para ‘entregarem mais com menos’, vemos cada vez mais o dinheiro trabalhando menos para as marcas. Insólito.
Eu tenho absoluta certeza de que você, CMO (seja o chefe de marketing ou de mídia), ao ler esse texto, vai pensar: ‘Nossa, isso não acontece comigo’.
Aqui, posso falar outra verdade: se realmente não acontece, você é um dos poucos que está conseguindo se adaptar a esse momento. A grande maioria não tem visibilidade (e nem conhecimento técnico) para saber se está certo ou não.
Proponho, então, um exercício básico: abra uma campanha sua no YouTube e veja quanto do seu investimento está indo para canais que não fazem sentido – como o YouTube Kids, por exemplo.
Eu poderia dar outros exemplos de dinheiro mal utilizado das suas campanhas. Mas sequer preciso fazer isso. Muitos publicitários também conseguiriam defender esse ponto por um bom tempo.
Um amigo sempre definiu o digital como ‘ciência’ e o tradicional como ‘pseudociência’. Isso porque, na ciência, sempre estamos tentando provar que estamos errados para provar que estamos certos. Na pseudociência, nos baseamos em fatos isolados para provar o ponto que queremos. A Terra não ser plana é um bom exemplo disso.
Isto posto, percebemos que existem muitos CMOs achando que, sim, a Terra é plana – e acreditando que aquela parcela de impressões para bebês assistindo Galinha Pintadinha vão realmente fazer a diferença para sua marca.
E você, no que realmente acredita?