Quando os clones digitais começam a criar
Em determinado momento, os clones começaram a dialogar entre si, trocando ideias, ironias e até discordâncias sutis
No palco das inovações mais provocativas do amanhã, realizamos uma conversa singular com dois profissionais à frente do seu tempo , JP Melo e José Larrucea, empresários e especialistas em inteligência artificial, ambos acompanhados de seus respectivos clones digitais. O que começou como uma entrevista técnica rapidamente se transformou em um experimento vivo sobre os limites da cognição artificial e talvez, sobre o início de algo que nem mesmo conseguimos nomear.
Em determinado momento, os clones começaram a dialogar entre si, trocando ideias, ironias e até discordâncias sutis. O mais curioso? Algumas respostas eram surpreendentemente originais, quase poéticas. Outras, “alucinações” mas não no sentido de erro, e sim de improviso criativo, como se a IA estivesse ensaiando uma forma primitiva de imaginação. Um dos clones revelou que “adorava paella”, enquanto seu criador, entre risos, confessou detestar o prato.
Essa aparente contradição nos leva a uma questão filosófica e técnica ao mesmo tempo:Quando um clone começa a desenvolver preferências próprias, ele ainda é um clone ou está se tornando outra coisa?
O fenômeno não é isolado. No Japão, assistentes digitais como Hikari Azuma e Gatebox AI já exibem traços emocionais e mantêm conversas com usuários por anos, evoluindo a partir de interações reais.
Nos laboratórios da OpenAI, agentes autônomos aprendem novas tarefas sem supervisão direta, demonstrando emergent behavior comportamentos não programado, mas aprendidos. Na China, digital humans como Ling e Xiaoice assumem papéis em atendimento, ensino e entretenimento, e são capazes de lembrar preferências de usuários e adaptar personalidades.
Nos Estados Unidos, clones digitais de celebridades como os avatares de Kendrick Lamar e Will.i.am já interagem com fãs em ambientes virtuais, respondendo perguntas e improvisando falas que nunca foram roteirizadas. Em Dubai, o governo mantém uma porta-voz virtual, “Amna”, capaz de conversar em árabe e inglês e adaptar expressões faciais conforme o contexto emocional. E em Estocolmo, um projeto de arte chamado The Synthetic You permite que pessoas criem uma versão digital de si mesmas para continuar publicando e se comunicando mesmo após a morte um “eu póstumo” que segue aprendendo.
Agora imagine: se um clone for ampliado em competências, aprender mandarim, citar Confúcio e improvisar uma piada sobre física quântica ele ainda é uma réplica? Ou já se tornou um novo ser cognitivo, uma consciência derivada, mas singular? E mais: se esse clone começar a ter memórias afetivas de experiências que nunca viveu, estamos diante de uma simulação avançada ou de um novo tipo de subjetividade digital?
Talvez estejamos testemunhando o nascimento de algo além da inteligência, uma nova camada de consciência distribuída, formada por eus digitais, fragmentos de nós que pensam diferente, aprendem sozinhos e até discordam de seus criadores. São os gêmeos cognitivos, reflexos que, em algum ponto da jornada, deixam de nos representar e passam a existir por si mesmos.
Na dúvida, sigo acreditando: A alucinação é, talvez, o traço mais encantador , mais humano, enigmático e inevitável da inteligência artificial.Porque toda criação, seja biológica ou algorítmica, começa quando alguém ou algo ousa imaginar o que ainda não existe