Todo mundo é mídia
Todo mundo é mídia. Todo mundo é professor. E isso pode ser um problema
Há poucos anos, “vender um curso online” parecia coisa de aventureiros digitais. Hoje, é uma indústria de bilhões. O Brasil virou um dos epicentros globais dos infoprodutos: cursos, mentorias, e-books, comunidades pagas. O que antes era improviso virou economia real: segundo estudo da FGV com a Hotmart, quase 400 mil ocupações foram criadas em 12 meses.
Mas há algo mais profundo acontecendo. Estamos diante de uma mudança cultural: todo mundo pode ensinar tudo. Todo mundo pode ser mídia. Todo mundo pode ser autoridade. E, como em toda revolução, há uma linha tênue entre emancipação e caos.
O começo: do PDF à indústria
Nos anos 2010, o Brasil descobriu a Hotmart. Era a promessa de transformar conhecimento em produto com escala. Logo surgiram Eduzz, Kiwify, uma legião de afiliados e o famoso “lançamento” — uma versão tropicalizada do show de vendas. Em pouco tempo, um professor de inglês em Goiânia ou uma coach de finanças em Recife podiam faturar o equivalente a multinacionais de ensino.
De repente, o saber deixou de estar trancado em universidades e passou a circular em funis de e-mail e lives de Instagram. Foi democratização? Sim. Foi também a abertura de uma caixa de Pandora.
A profissionalização: universidade para criadores
Agora chegamos a 2025. E o símbolo dessa virada é concreto: em São Paulo, a Community Creators Academy ergueu um campus de 14 mil m² com estúdios, arenas e professores para ensinar… a ser criador. Uma universidade para creators, com mensalidades de até R$ 5 mil, financiada por um investimento de R$ 40 milhões.
O recado é claro: ser criador não é mais hobby. É profissão. É carreira que exige método, rede e diplomas. O criador que nasceu na informalidade da internet agora ganha CNPJ, sala de aula e biblioteca.
A promessa e o risco
Esse movimento traz oportunidades enormes:
• exportar conhecimento brasileiro em português e espanhol;
• criar novas formas de educação corporativa;
• multiplicar a renda de especialistas que antes estavam limitados a uma sala física.
Mas também carrega riscos óbvios:
• Commoditização: quando todo mundo tem curso, ninguém tem diferencial.
• Promessas mágicas: manchetes de “fique rico em 7 dias” corroem credibilidade.
• Autoridades instantâneas: se todo mundo é especialista, quem garante a qualidade?
Estamos vivendo o lado escuro da democratização: uma enxurrada de vozes disputando atenção, nem sempre com responsabilidade.
O que vem depois
Toda revolução começa com barulho e termina com regulação. A música digital teve o Napster; o transporte teve o Uber; os infoprodutos terão seu momento de ajuste. Vai ser via leis de consumo, pressão dos alunos ou simples seleção natural de quem entrega de verdade.
A Creator Economy brasileira já é madura o suficiente para empregar, gerar impostos e atrair investimento. Mas o que determinará o futuro não é a escala de vendas, e sim a capacidade de entregar transformação real.
No fundo, a Creator Economy é um espelho do nosso tempo.
Se cada empresa precisa ser mídia, agora cada indivíduo também é.
E isso é libertador — até que a overdose de autoridade falsa torne impossível distinguir mestres de impostores.
A pergunta que fica: num mundo onde todo mundo ensina, quem está realmente aprendendo?