Amy Webb: sobre futuro, transitoriedade e o medo diante das incertezas do nosso tempo
As 7 principais ideias da palestra mais esperada do SXSW
As 7 principais ideias da palestra mais esperada do SXSW
10 de março de 2024 - 17h19
Amy Webb mais uma vez atendeu às expectativas que a sua participação no SXSW sempre gera em todos. Prova disso é que a palestra da futurista e professora da NYU Stern School of Business sempre provoca filas, que começam a ser formadas três horas antes. E, como sempre, ela dominou o palco do Southby. É seu habitat natural. Onde ela é a rainha e, nós, os seus fiéis súditos em busca de respostas para o mundo que ainda não aconteceu. Como de costume, ela conseguiu sacudir o cérebro de mais de 5 mil presentes no auditório e de mais de 60 mil pessoas que assistiam à palestra ao vivo no Youtube — uma novidade desse ano, oferecida pelo Itaú em celebração pelos seus aniversário de 100 anos — e que também vai disponibilizar em até 72h mais de 100 palestras com legendas em português e espanhol, tudo gratuitamente.
Em 2024, Amy realizou o lançamento oficial da 17ª edição do relatório de tendências tecnológicas do seu instituto de futurismo, o Future Today. Ela destacou as principais tendências tecnológicas emergentes para o próximo ciclo, focando a sua fala nas áreas da inteligência artificial (IA), ecossistemas conectados (incluindo dispositivos vestíveis, internet das coisas) e biotecnologia. Mas Amy também aproveitou para divulgar o link onde disponibiliza gratuitamente o relatório completo, com 95 cenários, 695 tendências mapeadas em 16 temas ao longo de 979 páginas. Tudo muito bem, tudo muito bom, agora chega de enrolação: vamos às sete ideias que prometi para você logo mais acima.
Desculpe manter essa frase no inglês original, mas não consegui chegar a uma tradução que fosse tão poderosa quanto o que ela quis dizer aqui. Amy começou mostrando tendências que foram super predominantes há 10, 20 anos — e que hoje, devemos confessar, temos uma certa vergonha cringe de ter seguido ou considerado elas como algo relevante por mais tempo. Tendências que “hyparam” e simplesmente passaram. Foram embora numa velocidade tão grande quanto aquela que as trouxeram ao status de “tendências”. Com essa perecibilidade cada vez mais dinâmica e abrupta, acaba que a tendência e a tecnologia que a gente consome e vivencia hoje sempre será a pior — ou suas versões mais ultrapassadas — do que o que teremos a seguir, e a seguir, e a seguir. Isso por conta da velocidade com que essas coisas todas evoluem e se transformam continuamente. É nisso que Amy sempre manda muito bem: em trazer ideias que são muitas vezes simples ou cotidianas, mas apresentada por ela a partir de uma perspectiva ligeiramente inusiada, que nos faz pensar em como nos relacionamos com a tecnologia e com o nosso tempo.
Amy fez uma adaptação da ideia de FOMO (Fear of Missing Out), trazendo aqui esse forte sentimento de incerteza dúbia — poderíamos dizer “incerteza incerta”? — diante do que vai acontecer logo ali, adiante, em nossa vida em sociedade, em nossa empregabilidade, dos nossos filhos. Um constante e permanente estado de ansiedade crescente e acumulada que vai nos consumindo a serenidade e capacidade de sermos otimistas. Ela comentou que tem captado múltiplas manifestações desse sentimento em todos os líderes dos negócios com quem conversa e para os quais presta consultoria. Afirmou que praticamente todos estão com esse sentimento constante de que sempre algo grande está vindo para mudar tudo. Não existe um segundo de paz nesse sentido. E isso tudo nos deixa constantemente assustados, aterrorizados até, porque não dizer.
Amy falou sobre esse constante estado de transitoriedade em que todos nos encontramos nesse exato momento da história da humanidade. Para ilustrar essa ideia, trouxe o conceito de “superciclo tecnológico” que, na sua visão, tem nesse momento em especial como vetores a inteligência artificial, ecossistemas totalmente interdependentes e conectados e biotecnologia. Destacou esse fenômeno como uma força transformadora transversal e macro que molda a cada segundo o futuro das indústrias e da sociedade — e de cada um de nós. É o que conhecemos como “general gurpose technology” (GPTs) ou “tecnologias de propósito generalizado”, que seriam aquelas tecnologias que perpassam mútilplas disciplinas e impactam — positiva ou negativamente — nossas vidas de uma forma ampla e pulverizada. Mencionou, como exemplo, a tecnologia do vapor e o que ela provocou em todas as esferas da vida humana na revolução industrial. Depois, citou da mesma forma a internet, que teve e tem um efeito generalizado semelhante. Assim, as grandes GPTs da humanidade seriam o fogo, a roda, o vapor, a eletricidade, a internet e agora a inteligência artificial e a biotecnologia.
Dando sequência a esse estado de constante transitoriedade, Amy provocou uma nova terminologia para definir a nossa geração: GenT, a “geração transição”. Um termo que ilustra essa específica janela de espaço-tempo em que estamos vivos, testemunhando perplexos a crescente intensidade das transformações à nossa volta. Também trouxe o conceito “flywheel spinning”, como se fosse uma roda da mudança constante girando em intensa velocidade e sem parar um segundo, da qual todos somos mais passageiros e reféns do que pilotos ou agentes relevantes. É como se a revolução digital e a revolução da inteligência artificial provocasse um processo permanente que poderia ser chamado de “everything engine”, a fundação processual de tudo que vamos experimentar como indivíduos num futuro muito mais próximo do que imaginamos ou gostaríamos de imaginar.
Amy se propôs a fazer os mesmos testes de bias da inteligência artificial que apresentou ano passado, quando trouxe uma séria de imagens geradas no Midjourney, em que pedia no prompt que fossem geradas fotos de CEOs de grandes empresas. Todas as imagens geradas eram de homens-brancos-padrão. Nenhuma mulher. E fez isso alterando aspectos do prompt para tentar “forçar” a IA a ao menos considerar uma mulher nessa posição e nem assim. Seguiu fazendo o teste com founders de startups e nada. Em 2024, ela provocou a plateia pois em um ano poderia ter acontecido uma evolução de repertório de representatividade na base de dados e histórico da IA. E, adivinhem: o viés está ficando pior, não melhor. Os resultados geram imagens de qualidade superior mas com o bias de gênero e raça semelhante ou agravado. De alguma forma, a velocidade e amplitude de escala de uso que uma tecnologia de propósito generalizado proporciona resulta em mais bias, não menos, como poderíamos desejar e imaginar. Pois essa velocidade e escala só reforçam mais ainda o pensamento e atitudinal generalizado na nossa sociedade. Como disse Brooke Hopper, head de design emergente em IA da Adobe, em outra sessão aqui no Southby, a tecnologia é criada e educada por humanos e humanos tem vieses. Desse modo, a tecnologia é um espelho de narciso que nos encanta e enebria os sentidos enquanto intensifica o melhor e o pior do ser humano.
Amy então evocou a ideia de responsabilização. Disse que quando a tecnologia faz algo que nós não gostamos, ninguém é responsabilizado. É como se existisse um ente lúdico e virtual que provoca esses reflexos negativos na nossa vida e sociedade e não-humanos tomando decisões em suas salas refrigeradas. Não existe uma cadeia de responsabilização clara, ninguém é responsável por nada. Defendeu que é preciso que a gente se una e cobre, fazendo acontecer uma responsabilização cada vez maior e mais específica de quem está agindo direta e indiretamente para gerar esses impactos negativos na vida das pessoas e da sociedade. Defendeu que os profissionais que lidam com IA e digital recebam treinamentos de ética e tenham que tirar uma licença para trabalharem com isso. Algo semelhante ao que o autor israelense Yuval Noah-Harari defende por acreditar que esses profissionais são os arquitetos e arquitetas da nossa vida e comportamento social, tendo profundo impacto nas relações humanas. Amy arrematou: “Acredito que nenhum de nós procuraria um neurologista sem licença para resolver um problema sério em nossa saúde, não é mesmo?”
Os modelos amplos de linguagem estão dando lugar aos modelos amplos de ação. Enquanto os LLMs são os protocolos que definem o que vamos dizer a seguir, os LAM trazem o que e como vamos fazer a seguir, no próximo segundo e momento da História. E apresentou diversos exemplos de connectables (conectáveis) que trazem na veia essa nova camada de modelos amplos de ação. Como o mais novo e polêmico produto da Apple. Amy comentou de forma irônica como a gente ama odiar e odeia amar o Vision Pro. E trouxe um novo conceito, o “face computer”, que seria tão simples quanto isso: um computador que você amarra na sua cara. São 14 câmeras e centenas de sensores com uma capacidade de processamento alguns milhões de vezes mais poderosa do que os computadores de mesa que usávamos décadas atrás. E como toda boa futurista, Amy apresenta aspectos positivos mas também negativos de onde tudo isso pode nos levar, expondo cenários analíticos e exemplos práticos do que já vem acontecendo.
Comentou que seu companheiro é oftamologista e que eles estavam pensando outro dia no impacto que o Vision Pro pode ter na capacidade de captação de dados do comportamento humano. Isso porque nossos olhos e o comportamento da nossa pupila é um mapa de emoções e ações que indica o que vamos sentir e fazer segundos a seguir. A forma como a pupila se manifesta denuncia se estamos nervosos, encantados ou violentos. Se queremos abraçar alguém ou bater em alguém. Se amamos algo ou se odiamos algo. Se somos felizes ou tristes. E tudo isso gerará um novo banco de dados enorme nas mãos das big tech — again and again — que viabilizará uma leitura prévia de sentimentos e atitudes que nem nós temos clara consciência que vamos expressar e agir. Ou seja: aquela corporação, a partir da leitura da nossa pupila, saberá o que estamos sentindo e vamos fazer antes mesmo que tenhamos consciência disso. Isso me fez pensar em como a nossa relação homem-máquina com os computadores foi evoluindo de uma interface via mouse, para o uso dos dedos com o iPhone, do pulso com os smart watches, da voz com as assistentes e agora com a face e também os gestos. Se pensarmos mais um pouco, podemos nos dar conta que essa relação está cada vez mais íntima e invasiva ao mesmo tempo. Estamos próximos do que chamo de bodyables, com gadgets e itens tecnológicos sendo instalados em nossos corpos. O que seria o próximo estágio dos wearables, os gadgets e tecnologia que vestimos.
Amy chamou esse novo estágio provocado pelo Vision Pro e por outras iniciativas como “face supremacy” pois, de novo, todo esse poder concentrado de captação e interpretação de dados com a contaminação do comportamento humano e das relações humanas — passando pelo ganho de bilhões de dólares de investimento em publicidade – estará nas mãos dos mesmos cinco, seis homens brancos que comandam as big techs. Amy comentou como nós mesmos incentivamos essa supremacia das empresas que estão dominando a todos nós.
Amy também elucubrou que todo esse poder na mão das corporações pode gerar situações como a oferta de cupons com descontos dinâmicos exclusivos, que mudam a partir de gatilhos específicos para quem estiver em um mercado usando o Vision Pro e “navegando” pelas gôndolas. “No attention, no discount” em um intercâmbio selvagem entre eye balls e centavos a menos a pagar. E lembrou que as pessoas ricas não precisariam ou optariam por não usar o gadget para este fim, o que, inclusive, poderia explicitar mais ainda essa separação clara entre pessoas com mais dinheiro e pessoas com menos dinheiro, de uma forma muito evidente. Ela comentou também sobre como empresas de seguro podem gerar modelos dinâmicos de cálculo da probabilidade da morte nas sociedades contemporâneas para gerar precificações cada vez mais personalizadas e, provavelmente, enviesadas.
Amy encerrou a sequência de cenários e reflexões comentando os impactos mais específicos no campo biotecnologia. Comentou que já existe iniciativas de inteligência artificial generativa criando células humanas no que seria o ChatGPT dos organismos vivos, que ela chamou de “generative biology”. Imagina que o prompt que hoje usamos para gerar imagens no Midjourney pode gerar proteínas, substâncias e, quem sabe, órgãos humanos, inclusive cérebros que podem ser utilizados em biocomputers com células humanas. De inteligência artificial (AI) para “organoid intelligence” (OI).
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