Michelle Borborema
25 de março de 2022 - 12h37
A canção Respect não chegou ao primeiro lugar da Billboard e tornou-se um hino feminista à toa: é o exemplo perfeito de como é possível inverter a lógica machista por meio da arte (Crédito: Jan Persson/Redferns/ Getty Images)
“Você precisa perturbar a paz quando não tem paz”, disse Aretha Franklin ao defender a feminista negra Angela Davis, presa em 1970. A “Rainha do Soul” estava disposta a pagar a fiança da ativista, fosse ela 100 mil ou 250 mil dólares. “Eu tenho o dinheiro. Pessoas negras tornaram possível que eu o tivesse e eu quero usá-lo para ajudar meu povo.” Na vida, ela exigia o mesmo respeito às mulheres que pedia em sua música mais famosa.
Aretha morreu em 2018. Se ainda estivesse conosco, faria 80 anos neste 25 de março de 2022. Considerada a “maior cantora de todos os tempos” pela revista Rolling Stone, liderava tudo o que fazia, das paradas de sucesso às lutas de seu tempo. A canção Respect não chegou ao primeiro lugar da Billboard e tornou-se um hino feminista à toa: é o exemplo perfeito de como é possível inverter a lógica machista por meio da arte.
Composta originalmente em 1965 por Otis Redding, a letra de Respect não era muito diferente da maioria das canções pop da época: um homem volta à casa após um dia de trabalho e exige que a mulher o “respeite” , já que está prestes a dar a ela todo seu dinheiro. No ano do lançamento da faixa, Aretha ainda era uma artista pouco conhecida da Columbia Records. Nascida em Memphis, a meca do blues, e cantora gospel na juventude, seu talento para estilos mais acelerados como R&B e Soul ainda não havia sido revelado. Tudo mudou quando, em 1967, ela assinou com a gravadora Atlantic, que lançou sua versão da composição de Redding. Uma reinterpretação tão decisiva da música original que não deixa dúvidas: Aretha também é coautora.
A versão da cantora é mais do que uma música: é uma resposta a uma poética pop que colocava os homens sempre em posição de comando. Ao exigir, pelo contrário, respeito do companheiro que volta para casa, ao dizer que está cansada, que vai abandoná-lo se sua postura não mudar, ela lança luz às violências físicas e emocionais que tantas mulheres enfrentam em relacionamentos abusivos.
Primeira mulher a fazer parte do Rock & Roll Hall of Fame, com 21 prêmios Grammy e 75 milhões de discos vendidos mundialmente, Aretha coleciona honrarias que vão muito além do universo musical: é detentora da Medalha Presidencial da Liberdade, a maior condecoração existente para um civil dos Estados Unidos, e vencedora do Prêmio Pulitzer na categoria Citação Especial “por sua contribuição para a música e para a cultura americana por mais de cinco décadas”. Ao longo de sua trajetória, esteve ao lado de Angela Davis, mas também de Martin Luther King e de Barack e Michelle Obama. Jamais deixou de lado o povo negro, e principalmente suas mulheres.
Em tempos em que as mulheres lutam cada vez mais por seus direitos e pela ascensão em suas carreiras, é preciso se inspirar em lideranças femininas que abriram o caminho para possibilitar esses avanços. O respeito que buscamos hoje é o mesmo que Aretha exigia há mais de 50 anos.