Women to Watch

Como engajar jovens no mercado de trabalho, com Martha Uribe

VP de pessoas da Nestlé Brasil fala sobre como atrair e reter novas gerações e os desafios que elas enfrentam

i 27 de agosto de 2025 - 9h51

Martha Uribe, VP de pessoas da Nestlé Brasil (Crédito: Divulgação)

Martha Uribe, VP de pessoas da Nestlé Brasil (Crédito: Divulgação)

Martha Uribe é a nova vice-presidente de pessoas da Nestlé Brasil, a primeira mulher a ocupar o cargo. Mexicana de origem e há quatro meses no Brasil, ela já se considera brasileira de coração.

Além de atuar como VP, a executiva é líder global do programa Nestlé Needs Youth, focado na juventude. Ser a primeira mulher no posto é um privilégio, mas também acompanha grandes responsabilidades. “Aqui na Nestlé buscamos e promovemos que cada vez mais mulheres possam chegar a cargos de liderança, e isso me dá muita honra, porque mostra que estamos gerando as ações necessárias para que elas cheguem lá”, afirma.

Com um novo programa de trainee aberto na empresa, Martha reflete sobre como atrair e engajar as novas gerações, destacando os principais desafios e oportunidades que a juventude enfrenta ao entrar no mercado de trabalho.

Meio & Mensagem – Você está há 16 anos na Nestlé e, recentemente, a empresa abriu seu programa de trainee para 2026. Sabemos que as novas gerações, em geral, não ambicionam mais traçar uma carreira em multinacionais. Como as empresas podem voltar a atrair esses talentos e retê-los?

Martha Uribe – Eu vejo dois caminhos importantes. Primeiro, temos que estar conscientes de que provavelmente os jovens já não ficarão conosco pelo mesmo número de anos que as gerações atuais ou anteriores costumavam ficar. Aqui na Nestlé, especialmente no Brasil, temos pessoas com 25, 30, até 35 anos de casa. Mas com as novas gerações, é provável que isso não aconteça, e precisamos estar preparados. Diante disso, devemos aproveitar ao máximo o período em que eles estarão conosco. Isso significa, por um lado, oferecer as experiências necessárias para que se desenvolvam aqui e, ao mesmo tempo, garantir que entreguem o melhor de si, aproveitando todas as capacidades e habilidades que trazem quando ingressam na companhia.

Por outro lado, também vou fazer todo o possível para que eles realmente queiram ficar, oferecendo uma trajetória de longo prazo. Para isso, temos diferentes programas, que proporcionam diversas experiências, como a plataforma People Match, que constantemente busca novos desafios para que as pessoas não se sintam “entediadas” na posição atual e possam continuar se desenvolvendo. E, se me permitem, queria trazer um detalhe importante. Fala-se muito sobre os jovens não quererem mais estar em grandes organizações, mas, no último processo de trainee, recebemos algo em torno de 47 mil inscrições. Isso mostra que, embora exista essa percepção, continuamos sendo um grande objetivo para muitos jovens. Isso reforça a enorme responsabilidade que tenho de garantir que esses 20 jovens selecionados tenham a melhor experiência possível dentro da nossa organização. Mesmo que alguns não fiquem com a gente, conseguimos oferecer ferramentas para que sigam seu caminho profissional no futuro.

M&M – Como surgiu o Nestlé Needs Youth e quais ações e iniciativas existem no Brasil?

Martha – Além de ser responsável por recursos humanos aqui no Brasil, também sou líder da iniciativa pelos jovens em nível global. Esse programa já existe há mais de 10 anos na nossa organização. Começou na Europa, em um momento em que os índices de desemprego estavam extremamente altos, especialmente em países como Espanha e Grécia. Nosso atual CEO, que à época era o presidente da Europa, teve a ideia de pensar em como poderíamos apoiar a juventude que não tinha oportunidades de trabalho. A proposta inicial foi criar mais vagas de emprego dentro da empresa e, quando não fosse possível que os jovens permanecessem conosco, abrir portas também com nossos fornecedores. Fizemos um call to action para que eles oferecessem mais oportunidades. Além disso, lançamos diversos treinamentos para jovens que não tinham espaço no mercado, ajudando a desenvolver habilidades de empreendedorismo para que pudessem até abrir seus próprios negócios.

Com o tempo, a iniciativa se expandiu e, no ano passado, ao completar 10 anos, anunciamos que conseguimos impactar mais de 10 milhões de jovens no mundo. Especificamente na Nestlé, já apoiamos mais de 500 mil jovens, e este ano nossa meta é impactar cerca de 150 mil, por meio de diferentes ações. Uma delas é o programa de trainees, e outra é a feira de empregabilidade que vamos realizar no próximo mês, com mais de 100 empresas parceiras oferecendo não apenas oportunidades de trabalho, mas capacitação para desenvolver habilidades para o futuro. Temos ainda diversas parcerias com organizações que também atuam na formação de jovens. Um exemplo é o programa Young Culinary Talents, o YOCUTA, que apoia jovens apaixonados por gastronomia, mas que muitas vezes não têm recursos para estudar e estão em situação de vulnerabilidade. Este ano recebemos mais de 3 mil inscrições. Ao final, premiamos aproximadamente 30 jovens, oferecendo treinamento e bolsas de estudo em algumas das melhores escolas de gastronomia.

M&M – Como o programa identifica as principais habilidades e competências que os jovens precisam desenvolver para entrar no mercado de trabalho atual?

Martha – Os jovens estão enfrentando uma situação difícil. Acho que todos estamos conscientes de que o cenário atual é complicado, porque não há muita oferta de trabalho. Então, aqueles que fizerem da melhor maneira terão mais oportunidades. Eu diria que há algumas habilidades que estamos buscando como organização, e uma delas é o aprendizado contínuo. Hoje, todos precisamos estar constantemente aprendendo, principalmente com a transformação digital. Outra habilidade fundamental é a curiosidade, junto com a adaptabilidade. Muitas vezes vamos em uma direção e depois precisamos mudar para outra, e os jovens precisam estar preparados para isso. Aliás, não só os jovens, mas todos nós precisamos desenvolver essa capacidade de adaptação e flexibilidade. A inteligência emocional também é muito importante: como gerenciamos melhor nossas emoções e como nos comunicamos. A comunicação, aliás, é extremamente relevante. Muitas vezes, os jovens se comunicam apenas por dispositivos, o que ajuda muito no uso da tecnologia, mas dentro das organizações não é suficiente. É fundamental que saibam se relacionar de forma mais direta, criar redes de contato, comunicar-se com os outros e desenvolver empatia, e isso nem sempre encontramos.

M&M – Quais são os principais desafios enfrentados pelos jovens ao buscar a primeira oportunidade profissional?

Martha – Acho que um dos maiores desafios, e que acaba sendo um círculo vicioso, é que as empresas pedem experiência e os jovens não têm experiência. Sempre vemos isso: aparece uma vaga para analista pedindo dois anos de experiência, e os jovens nos dizem nas conversas que temos com eles: “Mas como vou ter experiência, se nenhuma empresa me dá a oportunidade?”. Por isso, aqui na Nestlé buscamos justamente criar essas primeiras oportunidades de emprego. Felizmente, contamos com aprendizes e oferecemos muitas vagas de estágio, o que permite que os jovens comecem a desenvolver habilidades e adquiram experiência. Além disso, também temos a disposição de contratar pessoas sem experiência, justamente para formá-las dentro da empresa.

O outro desafio é que, como não há muitas vagas de emprego no momento e várias empresas estão passando por situações difíceis, é importante oferecer ferramentas para que os jovens desenvolvam uma mentalidade empreendedora. Se não posso dar a oportunidade de emprego diretamente, busco ajudar a criar condições para que eles mesmos possam gerar essas oportunidades. Nesse sentido, temos o JEP, o Young Entrepreneurship Program, em que os jovens podem se inscrever e participar de um programa que oferece todas as ferramentas necessárias para abrir o próprio negócio.

M&M – De que forma o programa promove a inclusão de jovens de diferentes origens, realidades socioeconômicas e regiões do Brasil?

Martha – Nós, como Nestlé, estamos buscando refletir a sociedade brasileira. Estou há apenas quatro meses na Nestlé Brasil, mas essa sempre foi uma filosofia muito forte aqui e um grande exemplo para o grupo Nestlé no mundo. Refletir a sociedade brasileira significa contratar pessoas negras, brancas, jovens, mais velhas, pessoas com deficiência. Dentro de cada um desses pilares da nossa estratégia de diversidade e inclusão, temos diferentes programas: para contratação de pessoas com deficiência, para apoiar a contratação e o desenvolvimento de pessoas negras, entre outros. Hoje, temos quase 44% da nossa força de trabalho equilibrada entre mulheres e homens, e 48% de pessoas negras. Estamos no caminho certo, embora ainda não estejamos exatamente onde eu gostaria. Mas seguimos nessa jornada de garantir uma cultura de inclusão que respeita as pessoas pelo que elas são e que busca equilíbrio em todos os sentidos.

M&M – Quais os principais desafios do seu cargo?

Martha – Eu destacaria três pontos. O primeiro é a liderança. Para mim, esse é um grande desafio: precisamos continuar apoiando nossos líderes a se tornarem melhores líderes, garantindo que aqueles com a responsabilidade de gerir equipes tenham as habilidades necessárias. O segundo é a atualização de habilidades. Com toda a transformação digital, preciso assegurar que nossa força de trabalho não fique obsoleta, mas em constante evolução. Esse é um desafio para todos nós que gerimos talentos: garantir que os colaboradores acompanhem essa mudança. Hoje, temos vários programas para que aprendam a usar ferramentas como ChatGPT, Copilot e análise de dados, porque são competências cada vez mais exigidas em um ambiente onde os processos estão se automatizando.

O terceiro grande desafio é a saúde mental. Nossa força de trabalho está sendo cada vez mais exigida para gerar resultados, e preciso garantir que oferecemos condições para manter o equilíbrio entre trabalho e qualidade de vida. Temos vários programas de bem-estar, e um deles é o “Parceiros do Bem”. Esse programa, em parceria com o Hospital Einstein, está formando mais de 600 colaboradores como pontos de apoio dentro da organização. São pessoas que os colegas podem procurar quando não se sentirem bem, para receber um conselho ou serem encaminhados ao suporte adequado. Esses parceiros também nos ajudam a identificar sinais iniciais de questões emocionais ou de saúde mental, permitindo que possamos oferecer apoio o quanto antes, garantindo o bem-estar das pessoas e a continuidade dos resultados esperados.