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Carreira no exterior na visão de lideranças femininas 

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Carreira no exterior na visão de lideranças femininas 

Saudades, recomeços e adaptação cultural são alguns dos desafios que os profissionais enfrentam quando mudam de país a trabalho 


14 de dezembro de 2023 - 17h25

A caminhada profissional quase nunca é linear. Nossas jornadas são repletas de obstáculos, curvas e desvios, sem necessariamente uma linha de chegada à vista. Por mais que nossos objetivos sejam traçados, o caminho sempre nos surpreende. Às vezes, as oportunidades batem na porta e são surpresas boas que mudam nossos rumos. Em outros momentos, elas ficam em stand-by porque simplesmente não surgiram no tempo certo. 

“Ao longo da vida, recebi propostas para morar fora algumas vezes, mas sempre julguei que não era o momento apropriado”, conta Andrea Siqueira. Com uma extensa carreira em grandes agências de publicidade, como BETC Havas, Isobar, Africa, J. Walter Thompson e DM9DDB, hoje, Andrea é diretora executiva de criação na Energy BBDO em Chicago, nos Estados Unidos. Mas, na época que surgiram os primeiros convites de trabalho no exterior, com uma criança pequena para cuidar e o marido com uma produtora no Brasil para comandar, a empreitada de mudar de país foi postergada. Até chegar a pandemia.

“A pandemia de 2020 mudou tudo. O mundo inteiro ficou sem controle sobre o futuro, e nesse momento pensamos que talvez fosse a hora de fazer uma grande mudança em nossas vidas”, revela. Parecia que algo chamava Andrea para Chicago: simultaneamente, recebeu dois convites para atuar em diferentes agências na mesma cidade, a FCB e a BBDO.  

“Nossa família estava pronta naquele momento, todos alinhados para eu dar o passo de morar fora. Parecia que tudo estava acontecendo no momento certo, com as pessoas certas. E, assim, há dois anos e meio, embarquei nessa jornada. O resto, como se costuma dizer, é história”, diz. 

Andrea Siqueira, diretora executiva de criação na Energy BBDO em Chicago (Crédito: Divulgação)

Para algumas pessoas, a busca por novos desafios profissionais é o grande motivador para começar um trabalho no exterior. Isso aconteceu com Daniella Giavina-Bianchi, que atuava na Interbrand há 16 anos, sendo 10 deles no comando do escritório brasileiro. Em acordo com a empresa, ela foi transferida para Nova York, e hoje ocupa a posição de Chief Strategy Officer. 

A história foi diferente para Julia Gutnik, head de mídia na Amazon Prime Video em Los Angeles, nos Estados Unidos. Apesar de já desejar atuar fora do país, a principal motivação para a mudança foi o contexto político pelo qual o país passava em 2018, com a eleição de Bolsonaro como presidente do Brasil. “Essa situação gerou preocupações em relação aos nossos direitos civis, especialmente como um casal de mulheres com filhos registrados em nosso nome”, conta.  

Além disso, as mães buscavam um ambiente escolar mais acolhedor e inclusivo. “Entrar em uma escola no Brasil nos fazia sentir diferentes, e ansiávamos por um lugar onde tais situações fossem mais comuns”, revela. Após dois anos no escritório brasileiro, Julia recebeu um convite para assumir uma posição de head em Los Angeles. “Quando vim para os Estados Unidos, percebi uma mudança significativa. Na escola dos meus filhos, encontrei outros casais de mães e pais. Essa sensação de pertencimento e segurança é crucial para nós”, afirma. 

Adaptação 

No processo de mudança, nem tudo são flores. Existem negociações em família que também atravessam a decisão de aceitar uma oportunidade no exterior. São conversas extensivas com parceiros, filhos, pais e amigos. “A proposta de ir para os Estados Unidos surgiu em julho de 2019, mas só a aceitei em outubro e nos mudamos apenas em março do ano seguinte, coincidindo com o início da pandemia. Essa decisão envolvia considerações sobre projetos importantes que minha esposa estava liderando no Brasil”, conta Julia. 

Julia Gutnik é head de mídia na Amazon Prime Video em Los Angeles (Crédito: Divulgação)

Enquanto a mudança familiar de Julia foi motivada por sua promoção, o caso de Monalisa Gomes foi o contrário. “A decisão de ir para a Áustria foi também pessoal. Meu segundo casamento foi com um austríaco, e em 2019, quando decidimos nos casar, tivemos que escolher um país como nossa base”, conta. A executiva já atuava desde 2006 na Fronius Brasil, filial da empresa austríaca, e assumiu a posição de CEO em 2017. Com a mudança para a Áustria, ela foi contratada pela Schauer Agrotronic, multinacional austríaca especializada em tecnologia de alimentação para criação de animais, como country manager para as Américas, Espanha e Portugal. 

O maior desafio para ela, no entanto, foi lidar com as saudades da família que ficou. “Deixar meus filhos no Brasil enquanto eu mudava para a Áustria exigiu uma adaptação ao novo papel de mãe à distância. Com uma filha de 21 anos e um de 15, foi necessário ajustar minha perspectiva sobre a maternidade”, conta. 

Monalisa Gomes é country manager para Américas, Espanha e Portugal da austríaca Schauer Agrotronic (Crédito: Divulgação)

Existem desafios comuns às mulheres que mudaram de país. Para além da burocracia, a adaptação cultural é um processo que exige muita resiliência. Ao mesmo tempo que esse passo faz parte de um processo contínuo, também representa um recomeço. “Apesar de ter uma carreira sólida no Brasil, percebi que, ao sair, eu me tornaria praticamente um ‘grão de areia’ em um novo ambiente, onde o Brasil, como qualquer outro país emergente, é percebido de maneira semelhante pelas pessoas daqui. Isso significa começar praticamente do zero em termos de reputação, networking e carreira”, afirma Julia. 

O ativo brasileiro 

Uma vez em solo internacional, a profissional que chega entra num processo de adaptação cultural, que inclui idioma, códigos de conduta e estilos de liderança. Para Andrea, a mudança exigiu um jogo de cintura para conciliar seu jeito brasileiro de trabalhar com a cultura americana. “O Brasil, apesar do caos, tem um charme peculiar. Os Estados Unidos, por outro lado, são bastante estruturados, o que também tem suas vantagens. Na minha perspectiva, o segredo está no equilíbrio”, destaca.  

Segundo as brasileiras, a cultura de trabalho nos Estados Unidos e na Europa é marcada pela objetividade, com reuniões curtas, prazos e processos bem definidos. Além disso, como o mercado americano é mais estável que o brasileiro, as relações com os clientes são de longa data, com menos competição, maior fluxo de caixa e bastante alinhamento e proximidade com as decisões globais, uma vez que a maioria das empresas multinacionais têm suas sedes no país. 

Por essa conjuntura, o “jeitinho brasileiro” costuma cativar as lideranças globais. Inclusive, um dos fatores de destaque de Monalisa para conquistar a vaga na Schauer Agrotronic era sua nacionalidade brasileira. “Na conversa, destacaram o valor de minha brasilidade, reconhecendo a subjetividade, disposição para empreender e flexibilidade para inovar. Isso é percebido como um pacote único de ativos que trazemos”, conta Monalisa. 

“Aqui nos Estados Unidos, costumo dizer que sou ‘brazilient’, ou seja, brasileira com resiliência, uma característica que acredito carregar na bagagem. O mercado brasileiro é conhecido por sua criatividade, e aprendemos a lidar com prazos apertados e orçamentos mais restritos”, reflete Andrea. Além disso, nosso jeito mais caloroso também é percebido como um aspecto positivo entre os estrangeiros. “Em comparação com o americano, que pode ser um pouco mais reservado, o brasileiro, em particular, traz uma abordagem mais carinhosa e empática ao trabalho em equipe”, acrescenta. 

Os desafios de ser imigrante 

Ainda assim, existem aspectos da convivência que são difíceis de lidar quando se é imigrante. “No Brasil, sempre tive um papel de liderança e, apesar dos desafios, nunca fui questionada. Aqui, como uma mulher latina em um cargo de comando nos Estados Unidos, precisei provar repetidamente meu valor”, afirma Daniella Bianchi. “Havia uma percepção tácita de que uma mulher como eu não seria compreendida, o que demandou uma batalha constante para quebrar estereótipos e preconceitos.”

Daniella Giavina-Bianchi é Chief Strategy Officer na Intebrand Nova York (Crédito: Divulgação)

A vivência no Brasil por vezes mascara nossa identidade latina, o que só vem à tona quando somos colocados num contexto onde nos enxergam assim. Para Julia Gutnik, a latinidade se tornou proeminente e tão importante para sua identidade quanto sua orientação sexual. “O impacto mais significativo da minha mudança foi perceber as distinções culturais nos Estados Unidos, onde os latinos frequentemente ocupam posições na base da pirâmide. Como líder sênior, acabei sendo uma referência e uma mentora para outros latinos na Amazon, o que não fazia parte da minha identidade anterior no Brasil”, diz. 

Andrea passou pelo mesmo processo de identificação latina. Por melhor que seja seu inglês, o sotaque estrangeiro causa uma reação do outro, que logo pergunta “where are you from?” (“de onde você é?”, em inglês). “É como se fosse uma forma imediata de indicar que não sou nativa dos Estados Unidos”, reflete. “Hoje vejo o sotaque como resultado da minha jornada e do que me trouxe até aqui. Minhas habilidades, talentos e criatividade me colocaram nesse lugar”, diz. 

Por esse motivo, um grupo de mulheres fundou o Good Latinas For Good, a fim de mentorar outras latinas para alcançarem posições mais elevadas em suas carreiras. “Já é desafiador ser uma mulher em posição de destaque, mas aquelas com sotaque ou um background cultural diferente sentiam que isso as colocava em desvantagem em suas trajetórias profissionais”, conta Andrea.  

Além de Andrea, o grupo também conta com executivas como Patrícia Corsi, CMO Global da Bayer na Europa; Renata Ferraiolo, CMO Global da SC Johnson nos EUA; Laura Chiavone, diretora na Meta em São Paulo; Carla Eboli, diretora de diversidade da BBDO em Chicago; e Ana Moisés, diretora de vendas para Latam do LinkedIn em São Paulo. 

Coragem e mente aberta na bagagem 

Apesar dos preconceitos e batalhas pelo reconhecimento profissional nesses contextos, o denominador comum dessas trajetórias, que também representa o aspecto positivo da mudança, é a abertura a novos horizontes, oportunidades e conquistas. “Se essa é sua vontade, que vá com coragem”, aconselha Daniella. Existirão desafios pelo caminho, por isso, é preciso lembrar constantemente sobre seu próprio valor. “Tenho muito orgulho de ser um pouco ‘embaixadora’ do nosso país, assim como todos os brasileiros que estão aqui fora. A maneira como nos comportamos, fazemos negócios e vivemos reflete os valores que defendemos”, afirma a executiva. 

Quem busca uma carreira internacional precisa estar disposto a pagar o preço da adaptação cultural. Por mais que se estude história, idioma e cultura local, a adaptação é um processo longo, que só ocorre na vivência do dia a dia. “Mesmo quando achamos que conhecemos um lugar, viver lá proporciona uma perspectiva totalmente diferente”, alerta Monalisa. 

Desse modo, manter a mente aberta é uma das chaves do sucesso. “Entender o que é importante para mim, quais são meus limites, identificar minhas dores e fortalezas têm sido determinantes nesse processo de viver longe das minhas raízes e de tudo o que conheço”, aconselha. 

Por isso, construir uma rede de apoio no país de destino também é um passo importante para criar um novo lar. Para a executiva na Áustria, isso significa criar laços de amizade e manter a terapia psicológica em dia. “Quando você está sozinho e precisa lidar com a dificuldade de se comunicar com pessoas que não falam o seu idioma, ter esse cantinho pessoal de reenergização e foco nos pontos fundamentais torna-se ainda mais importante. É uma jornada que vai além das aparências, e estar preparado internamente é tão essencial quanto enfrentar os desafios externos”, reflete. 

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