Como as marcas de beleza estão desconstruindo estereótipos?
Se, por décadas, a indústria alimentou os padrões estéticos impostos à mulher, agora, assume a responsabilidade de derrubá-los
Como as marcas de beleza estão desconstruindo estereótipos?
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23 de setembro de 2024 - 14h15
Por Dimalice Nunes
Há 20 anos, a Dove, da Unilever, lançou a “Campanha pela Real Beleza”, criada pela Ogilvy. Em uma série de ações, a marca convocou as consumidoras para terem um olhar mais gentil sobre si mesmas e confrontar o padrão que, por séculos, ditava o que é ser belo. Além disso, abriu portas para que a concorrência também repensasse seu papel na construção da imagem do que é ser uma mulher bonita, algo inalcançável para a maioria.
São muitos os exemplos, atualmente, de marcas de beleza que trabalham na desconstrução desses padrões, seja nas campanhas publicitárias ou na oferta de produtos que atendam à diversidade da beleza feminina. No entanto, esses padrões seguem firmes e o ambiente digital os reforça. Assim, as marcas têm novos desafios a fim evitar o sentimento de inadequação, tão comum às mulheres. “As pessoas estão mais conscientes de que padrões e estereótipos são prejudiciais e afetam como pensamos, sentimos e nos expressamos, perpetuando preconceitos”, afirma a CMO da unidade de Beauty & Wellbeing da Unilever, Nathalie Honda.
A global Natura, nativa brasileira, é outra marca pioneira ao trabalhar na desconstrução dos padrões de beleza. Ainda nos anos 1990, a linha Chronos foi a primeira marca a levantar a questão do etarismo ao questionar o mercado de skincare que, não raro, se baseava na promessa de parar o tempo. “Não acreditamos em produtos milagrosos, senão em tecnologia e inovação”, afirma a diretora de marketing da Natura Brasil, Denise Coutinho.
Denise recorda que foi Chronos que realizou a primeira campanha publicitária com mulheres reais, livres de estereótipos. “Poder reverenciar diferentes idades, corpos e beleza em todas as esferas, seja em nossos produtos ou campanhas, sempre foi um dos objetivos”, reforça, ao mencionar a recente ação da empresa — parte da campanha de Natura Tododia, feita com a Africa Creative — que rebatizou a praia do Futuro, em Fortaleza (CE), de praia do Presente. O objetivo foi estimular as mulheres a não esperarem um corpo ideal para aproveitar o verão. Segundo pesquisa da Opinion Box, 46% das mulheres deixam de ir à praia ou à piscina por não se se sentirem bem com seus corpos.
Para o Grupo L’Oréal, o fundamental é atuar sobre pilares que determinam que não existe um único modelo de beleza, que é uma aspiração universal que atravessa culturas e continentes. Ao longo dos anos, a empresa tem reforçado o papel de proporcionar campanhas mais inclusivas e garantir representatividade, afirma o head de diversidade, equidade e inclusão do Grupo L’Oréal, Eduardo Paiva. “Essa é uma jornada longa, que não começou agora, e tem muito a evoluir”, diz.
Um exemplo é a questão da cor da pele. No Brasil, 56% da população se autodeclara negra. Apesar disso, de acordo com estudo da Locomotiva, a L’Oréal constatou que 98% das pessoas pretas e pardas não se sentem representadas nos comerciais. “Nosso novo projeto, o Beleza Mais Diversa, acaba de capacitar 50 criadores de conteúdo negros e boa parte vai compor o time das marcas do grupo”, afirma Paiva.
Outra recente ação da L’Oréal foi retirar os produtos e colocar a consumidora no protagonismo de campanha publicitária. Para o Dia Internacional da Mulher deste ano, o slogan “Porque você vale muito”, que já tem 50 anos, foi substituído por “Porque nós valemos muito”. A campanha foi criada pela Lema Digital. A ideia era construir uma imagem feminina e feminista e teve como porta-voz a atriz Taís Araújo, parceira de L’Oréal Paris há 14 anos.
Para além das campanhas, Paiva lembra que, particularmente no Brasil, diversidade, equidade e inclusão são condições essenciais para a inovação. Dos 66 tons de pele mapeados pelo grupo ao redor do mundo, 55 foram encontrados no Brasil. Em 2022, o Grupo L’Oréal lançou projeto pioneiro que aumentou de 32 para 43 o número de fórmulas de protetores solares com cor.
No Boticário, a questão das múltiplas belezas pode ser resumida em três passos, como explica a vice-presidente de marketing da empresa, Renata Gomide. Primeiro, vem a comunicação, a forma como a empresa se apresenta mais diversa. “Isso temos feito há muito tempo. Somos bastante reconhecidos por conseguir entregar e representar a sociedade em todas as marcas do grupo”, aponta. O segundo ponto é o que a empresa chama de “diversa beleza” e tem como partida bancos de imagem com mulheres reais, abertos para o uso por outras marcas.
“Fazemos uma produção superbacana porque entendemos que é, sim, sobre beleza, sobre ser aspiracional, mas com diversidade e a melhor versão de cada uma das pessoas”, diz Renata. O terceiro ponto são grupos de afinidades dentro da empresa que trabalham não apenas em marketing, mas também em pesquisa e desenvolvimento para garantir diversidade no portfólio.
O estudo Sem Cabimento, realizado pela consultoria Dubu, ouviu 500 brasileiros, entre homens e mulheres de 16 anos a 50 anos, e apontou as marcas que realizam os melhores trabalhos em relação aos corpos dos consumidores. Entre os participantes da geração Y, dos quais 42% não souberam responder, as marcas citadas de maneira espontânea foram Natura (16%), Boticário (11%), Nike (8%), Nestlé (7%) e Adidas (6%).
iram nomes como Nike (13%), Natura (6%), Boticário (5%), Ambev (5%) e Nestlé (4%). Nesse grupo, 61% declararam não saber responder. Os números podem indicar que, apesar dos esforços, nem todas as marcas têm conseguido se apresentar como diversa para todos os públicos, em especial para os mais jovens. O desafio talvez esteja no poder que as redes têm na construção de padrões, com seus filtros de Instagram e tutoriais virais do TikTok.
Outra pesquisa, realizada pelo Projeto Dove Pela Autoestima, identificou que, a cada cem jovens com idade entre 10 anos e 17 anos, 97 dizem que foram expostos a conteúdo tóxico de beleza nas mídias sociais. Além da opinião dos jovens, o projeto ouviu especialistas. Cerca de 88% acreditam que as plataformas sociais trazem impacto negativo à saúde mental de jovens e 69% desses profissionais indicam que o conteúdo que mostra corpos perfeitos e irrealistas pode levar a consequências físicas ainda mais graves, como distúrbios alimentares e autoflagelação, entre outras.
Duas ações da Dove buscam agir nesse cenário. Neste ano, chegou ao público a campanha global “Código Dove”, que tem como meta questionar os padrões de beleza presentes nas imagens de mulheres geradas por inteligência artificial (IA). Criada pela Soko, a campanha tem o objetivo de transformar as mulheres geradas pela tecnologia, cujas aparências continuam a refletir estereótipos sociais.
A agência testou prompts para imagens de mulheres que incluem a frase “De acordo com a campanha Dove Pela Real Beleza”, e chegou a resultados mais diversos e reais. A outra ação foi o posicionamento da marca contra o filtro “bold glamour”, do TikTok, que alcançou mais de 20 milhões de downloads logo após o lançamento e surpreendeu pela qualidade da tecnologia de inteligência artificial generativa (GenAI).
A campanha, encabeçada por influenciadores e desenvolvida pela Ogilvy e David, quer combater esses efeitos negativos. A ação #TurnYourBack afirma que “nenhum filtro deve determinar como você deve se parecer”. O vídeo da campanha também aborda o impacto de recursos parecidos, e mostra que 80% das meninas já utilizam filtros aos 13 anos e que 54% se sentem melhor com a própria aparência em fotos editadas.
“O uso excessivo de filtros vem impactando drasticamente a imagem que as pessoas têm sobre si mesmas”, afirma Nathalie, da Unilever. É responsabilidade da empresa não promover ou reproduzir padrões de beleza, diz. “E esse compromisso não deve ser exclusivo da Unilever, mas de toda a indústria, que deve questionar padrões pré-estabelecidos e promover visão mais positiva e diversa”, completa.
Para Denise, da Natura, as redes sociais, com seu poder de influência e disseminação de conteúdo, podem tanto reforçar padrões quanto ser ferramenta de desconstrução e empoderamento. O desafio está em como se utiliza essas plataformas. “Para as marcas, é muito importante a atenção na escolha de creators que representem o negócio e aportem a diversidade”, afirma. Com essa abordagem, é possível contribuir com uso mais consciente das redes sociais. “Onde a beleza é celebrada em sua pluralidade, e não limitada”, ressalta.
A preocupação com a influência das redes também está presente no Boticário. “Na hora que você vai para a rede social e enxerga a geração que está vindo, a desconstrução não está acontecendo”, aponta Renata. É papel das marcas garantir que sua comunicação chegue a todos os lugares. Por outro lado, plataformas como TikTok, Meta ou Google devem ajudar nessa missão. “É uma obrigação das marcas de beleza e das plataformas, que fazem a gestão do conteúdo. Deveríamos nos dar as mãos sempre e evoluir na agenda da diversidade”, conclama.
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