Cynthya Rodrigues: “Jogo desde criança, mas o machismo sempre me fazia estar atrás”
Sócia da G4B, startup que une marcas ao mundo dos games, a executiva aconselha outras mulheres sobre como ganhar espaço e ter sororidade no game business
Cynthya Rodrigues: “Jogo desde criança, mas o machismo sempre me fazia estar atrás”
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Lidia Capitani
20 de julho de 2022 - 0h11
Quando Cynthya Rodrigues era adolescente, a mãe limitava seu tempo de videogame a uma ou duas horas por dia. Enquanto isso, os amigos meninos passavam madrugadas jogando Counter-Strike e aprimorando suas técnicas. Para ela, a mensagem passada era que lugar de menina não era nos games. Mesmo assim, ela insistiu e perseguiu sua paixão pelos jogos eletrônicos. Hoje, ela está à frente da G4B, startup especializada em negócios para os segmentos de games, eSports e entretenimento, e mostra a todos como o lugar da mulher é também na liderança de empresas do setor.
Confira a conversa com Cynthya, que em junho deste ano passou de diretora de growth para sócia da G4B. Além de líder no segmento, ela influencia outras mulheres a quebrar estereótipos e a se posicionar na indústria de games com muita humanidade e didática.
Quais características ou habilidades você considera essenciais numa liderança? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?
Acredito fortemente que a capacidade de se colocar no lugar do outro é de extrema importância numa liderança para que qualquer projeto dê certo. Ao longo da minha carreira, sempre ouvi falar que os melhores líderes eram frios e deveriam ser duros. Entendo perfeitamente e sinto na pele que para a tomada de decisão em alto escalão, muitas vezes, se faz necessária certa frieza, mas nunca esquecendo da empatia e humanização.
Gosto de conversar individualmente com as pessoas do meu time e entender como elas se enxergam no futuro. Independentemente se estarão comigo ou não, quero saber que tipo de coisas elas querem conquistar. Assim, faço o possível para ajudar e fornecer as ferramentas necessárias para que essas realizações aconteçam. Além disso, gosto de estar próxima de pessoas inspiradoras para mim, principalmente de mulheres que estão onde eu gostaria de chegar.
Como é a recepção do público gamer a uma mulher líder no segmento? Quais barreiras você precisou ultrapassar?
Comecei a trabalhar profissionalmente com o mercado de games há alguns anos, mas desde sempre me reconheço como gamer. Jogo desde criança e, infelizmente, sempre senti na pele o quanto o machismo me fazia estar alguns passos atrás. Eu precisava me esforçar muitas vezes mais para estar minimamente em igualdade. Um exemplo clássico era na adolescência. Enquanto meus amigos meninos podiam passar diversas noites num corujão, adaptando suas técnicas no Counter-Strike, minha mãe só me permitia ficar uma ou duas horas durante a tarde, já que era impensável deixar uma menina num ambiente tão masculino. Sofria com o perigo constante do que poderiam fazer comigo, entre outros gatilhos.
Quando somos mulheres, tudo remete ao perigo. Isso se traduzia em menos tempo para treinar, menos técnicas aperfeiçoadas e, consequentemente, menos qualidade de jogo para mim, já não conseguia alcançar o mesmo nível dos meus colegas homens. Fazendo um paralelo com o mundo corporativo, ocorre praticamente a mesma coisa.
Historicamente, os homens sempre estiveram alguns níveis acima de vantagens do que nós mulheres, já que estes espaços foram desenhados, pensados e ocupados por eles e para eles. Enquanto eles estavam nos corujões e happy hours executivos, firmando alianças sólidas e fazendo bons negócios, nós nem sequer éramos convidadas ou não nos sentíamos bem recebidas, pois o ‘clube do bolinha’ já estava fechado.
Hoje, após romper muitas barreiras, sinto que sou muito bem recebida em todos os ambientes. Isso graças à minha trajetória focada em educar o nosso mercado, estudar arduamente, explicar como trabalhar com games e como fazer do jeito certo. Acredito que esse direcionamento me ajudou a ganhar espaço por aqui.
Que conselhos você daria a outras mulheres que querem seguir carreira na área dos games, um segmento historicamente masculino e misógino?
Primeiro, conversar com outras mulheres que já estão onde você quer chegar. Com certeza elas já passaram por situações parecidas e sentiram as mesmas dores e desafios. Elas vão te ajudar a direcionar a sua rota da melhor forma possível. Estudar e entender a trajetória dessas profissionais vai te ajudar demais. Inclusive, tento separar um espaço na agenda todas as semanas para conversar com pessoas que estão nesse processo e precisam de um empurrãozinho.
Depois, estudar muito. Muito mesmo. A internet está repleta de informação gratuita sobre a indústria dos games. Você encontrará material sobre como funcionam as organizações, publishers, pesquisas com versões gratuitas, como a PGB, que ajudam a ter um ótimo panorama de dados, e cursos pagos com profissionais atuantes no mercado que valem muito a pena, principalmente para networking.
Além disso, é importante não se limitar ao que você faz hoje e focar no que você se vê fazendo em breve. Um conselho que dou sempre a quem quer migrar para o universo gamer é colocar algo relacionado no seu título do LinkedIn e dizer para o mundo que você é um “gaming enthusiast” logo após o seu cargo, por exemplo. Independentemente da área em que você está hoje ou da sua posição, as pessoas já vão entender que você estuda sobre o assunto.
Por fim, é importante também compartilhar seus aprendizados. Aproveitar que você está estudando sobre o assunto e dividir isso com a sua rede de contatos. Escrever um artigo sobre o mundo dos games nas suas redes sociais, por exemplo. Você não precisa esperar ser a maior expert no assunto para compartilhar algo interessante que aprendeu e pode ajudar outras pessoas a descobrir algo novo, além de ser um excelente modo para fazer novos contatos e, principalmente, novos negócios. A oportunidade de trabalho no mundo dos games que você tanto quer pode vir de um post seu.
Você é agora sócia da G4B. Quais oportunidades e vantagens para as marcas ao se associarem ao mundo gamer?
As oportunidades são praticamente ilimitadas. Contando um pouco da história da G4B, nós nascemos da operação comercial da organização do time B4 eSports, mas sentimos que apenas patrocínios de equipes não ajudavam o suficiente todos os nossos clientes e as marcas com que gostaríamos de falar, então expandimos para outras frentes.
Hoje, além da B4, contamos com o time de eSports da Portuguesa e temos exclusividade em todos os produtos e games da Ubisoft na América Latina para ações in-game e projetos diversos. Também temos influenciadores próprios e uma plataforma de mídia programática dedicada a encontrar o público gamer, combinada a outros interesses e intenção de compra do usuário. Há uma equipe integrada de planejamento e audiovisual na G4B para entregas 360. Buscamos uma solução bem completa para as agências e anunciantes se sentirem acolhidos pelo nosso trabalho e pela comunidade gamer.
Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e quais dicas dá para as mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam?
Todos os dias. Inclusive, por mais que já tenha dado várias entrevistas durante a minha carreira, sempre me pergunto se tenho conhecimento suficiente para dividir com as pessoas, ou se sou competente para dar uma palestra, uma aula, moderar um painel para milhares de pessoas. Sofro, choro, fico sem dormir às vezes. O trauma de ser mulher é gigante. E, na verdade, eu sei que sou boa, sim.
Uma vez uma amiga me disse algo que me ajuda muito nesses momentos: “se você não for, algum homem com conhecimento inferior ao seu vai”. A minha audiência não merece um conhecimento inferior. Elas merecem o melhor, e eu sei que estudei demais e me capacitei muito para isso. Então temos que meter a cara, ainda que não nos achemos prontas o bastante. Se a oportunidade veio até nós, demonstra um excelente indício de que estamos preparadas, sim.
Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram?
Há diversas mulheres que me inspiram. Uma delas é a Marcela Miranda, inteligentíssima e uma das maiores empreendedoras do país. Ela me inspira demais pela sua trajetória desde as fintechs até a transição para os games. Hoje, tenho a honra e o carinho de chamá-la de sócia na G4B, onde tenho a oportunidade diária de aprender de pertinho com ela sobre absolutamente tudo.
Outra é a Raquel Virgínia, CEO da Nhaí. Ela me inspira de mil formas diferentes, mas principalmente sobre a importância da diversidade no empreendedorismo. Eu aprendo muito com ela sobre não ter medo de me impor nos negócios.
A próxima da lista é a Raquel Laé, Country Manager de Spanish America Countries na Taboola. Sempre acreditou em mim desde o meu momento zero como executiva, e me deu conselhos valiosíssimos que sigo até hoje. Além dela, Taina Martins, Diretora de Operações LATAM na Taboola, foi uma das melhores líderes que já tive na vida. Ela me ensinou muito sobre liderança humana e empática e sobre o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Tem ainda a Teresa Machado, Media Manager na Media.Monks e nordestina como eu. Ela brilha no mercado publicitário paulistano e me ensina todos os dias sobre resiliência e comprometimento com o trabalho.
Fernanda Caterina, Media Manager na Galeria, é uma das mulheres que mais me ajudou a me posicionar e lutar pelo certo no ambiente profissional. Para terminar, Silmara Reis, General Manager na Logan, é a profissional mais organizada e pé no chão que o mercado publicitário já teve. O que você der na mão da Sil pode ter certeza que será algo bem executado. Herdei muito isso dela.
Por fim, tem alguma dica de séries, filmes, games, livros e/ou músicas que consumiu recentemente e te fizeram refletir sobre a condição e o papel das mulheres?
Um dos jogos que mais me divirto nos últimos 10 anos é o League of Legends, principalmente pela variedade de personagens femininas. Recentemente eles lançaram uma série na Netflix, a Arcane, em que o enredo principal gira em torno das histórias de personagens femininas muito fortes. Mesmo quem não conhece a história do jogo consegue entender bem a série e se apaixonar pela narrativa.
Outra série é O Gambito da Rainha, porque é possível fazer um paralelo perfeito entre a jogadora de xadrez e as jogadoras profissionais de eSports. Ambas sofrem pressão pré-torneios e há muita preparação, barreiras e preconceitos que precisam ser quebrados para chegarem ao topo do ambiente competitivo.
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