Na era da IA, o futuro estará ligado a quem fizer as perguntas certas?

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Opinião

Na era da IA, o futuro estará ligado a quem fizer as perguntas certas?

Como a inteligência artificial pode nos ajudar a superar os desafios de uma educação moral e ética


19 de maio de 2023 - 8h50

(Crédito: Omelchenko/shutterstock)

A inteligência artificial está presente entre nós há décadas, mas não me recordo, nos últimos 20 anos de trajetória dentro da Industria de Tecnologia, de uma discussão tão ampla sobre quais os efeitos que a IA terá em nossas vidas. Já nem percebemos que todas as músicas sugeridas pelos aplicativos de música, como o Spotify, ou séries e filmes, sugeridos pela Amazon, usam recursos de inteligência artificial baseada nos nossos hábitos. 

Desde 1950, quando o nome Deep Learning e o Processamento de Linguagem Natural (PLN) foram criados, a IA vem extraindo inúmeros dados de diversas maneiras. Quanto mais essas informações são usadas na execução de programações de regras e conceitos, como são chamados os algoritmos, mais a IA fica mais “inteligente”. Esses dados gerados e analisados tornam-se inclusive Propriedade Intelectual (reconhecimento de autorias como invenções, marcas, patentes, desenhos, etc.). Uma das palestras que assisti no Web Summit 2023 no Rio de Janeiro, apresentada pelo CEO da GitHub, Thomas Dohmke, mostra que a inteligência artificial consegue reduzir em 10 vezes os tempos de análise. Ou seja, uma quantidade de dados que antes levava 10 horas para ser analisada pelos sistemas anteriores, agora leva cerca de 1 hora. 

Se por um lado esse ganho de eficiência é visível e mensurável, em vários debates e palestras sobre IA que participei, tanto no Brasil como no SXSW EDU e SXSW 2023 no Texas, ouvi e concordo que tecnologia e valores humanos precisam evoluir lado a lado. Temos muito a desenvolver como ética e moral tanto nas leis e regras para tecnologias, dados, privacidade, assim como ética e moral e cidadania para nós humanos 

Os efeitos de ferramentas como o Chat GPT (transformador pré-treinado generativo), o agora famoso sistema que cria respostas, imagens e outros tipos de conteúdo, de forma similar ao que humanos produzem, a partir de uma grande quantidade de dados pré-existentes, estão sendo avaliados por especialistas em diversas áreas no mundo. Mas para além do buzz gerado por um sistema de IA capaz de escrever textos similares a este que você está lendo agora, há uma discussão que não é exatamente nova, mas que mais uma vez paira sobre os profissionais da educação: 

Qual será o impacto das tecnologias de inteligência artificial no ensino? Elas irão substituir professores?  Vão acabar com as editoras de conteúdos didáticos?  Alunos vão usá-la para burlar testes e criar trabalhos com o simples toque de um botão?  

Ao longo das últimas décadas, diversas tecnologias surgiram e tiveram um impacto direto na educação, o suficiente para termos hoje escolas que funcionam totalmente no formato de EAD (ensino a distância).  Mas há algo que nem mesmo avançados sistemas de IA generativa são capazes de substituir! 

O sentimento do ser humano, da percepção de nuances, do acolhimento, da vivência transformada em mentoria. As pessoas precisam de afeto, de senso de pertencimento. Ouvi, durante o SXSW EDU 2023, uma frase da brilhante Ruth J. Simmons, Presidente de Universidades Norte Americanas, como Brown, Rice, sobre como ela abordava seus alunos com qualquer dificuldade social: “não se esconda, não pense nos que os outros pensarão de você, porque atitudes discriminatórias definitivamente não falam sobre educação e sobre o processo de aprendizagem que a educação nos traz.” 

Educação não é somente conteúdo. É moral, é ética e depende fundamentalmente do ser humano. É o instrumento de mudança para um país, que traz cidadania, conexões, senso de pertencimento, moral, ética, sentimentos de descobertas e progresso. 

Meu olhar positivo sobre a inteligência artificial se baseia na seguinte pergunta: e se essas tecnologias, bem utilizadas, pudessem dar mais tempo para que educadores se dediquem a esse aspecto mais humanos e subjetivos, que podemos chamar de “soft skills” (habilidades)? Por essa lógica, podemos pensar que um bom professor, uma boa escola, com boas ferramentas de inteligência artificial, não está ameaçada, está empoderada. E se essas ferramentas, pudessem aumentar a permanência dos alunos estudando, não evadindo das escolas? 

Estamos falando aqui de exemplos práticos. É consenso que aquele conteúdo padronizado, sem levar em consideração as especificidades de cada aluno, tem uma eficiência bem menor do que um ensino mais personalizado. Ferramentas de IA podem reduzir o tempo em que educadores estão dedicando aos chamados “hard skills” (conteúdo), para se dedicar mais ao contato humano. Podem, por exemplo, em salas de aula com grande diversidade, ajudar necessidades diferentes. Quem sabe possam ajudar mais mulheres a se encantarem pelo mundo de tecnologia, atraindo um maior número de engenheiras e pesquisadoras no Brasil? 

Por outro lado, o desafio sempre foi como colocar isso em prática em ambientes em que sobram alunos, faltam bons professores e onde há uma evasão enorme. Para se ter uma ideia, no Brasil, segundo dados do SENAI, aproximadamente 50% dos professores do Ensino Médio não são especializados nas matérias que estão lecionando. Precisamos entender de que forma podemos usar essa nova geração de tecnologias na escola de um bairro de classe média de uma capital, mas também entender o que se passa nos cantos de cada região do Brasil que não vemos. Temos de pensar na educação urbana, mas também na rural e entender como podemos impactar positivamente esses ambientes fora do nosso radar. 

Nos últimos anos, diversas tecnologias se propuseram a melhorar esse aspecto. A partir da interação dos alunos com o conteúdo digital, seu desempenho em provas e análises comparativas com perfis similares, esses sistemas de educação buscam criar um ambiente mais convidativo e estimulante de aprendizagem. E esta eficiência também aumenta com a participação efetiva de um ser humano fazendo o papel de mentor e ajudando o estudante a descobrir suas reais potencialidades. 

Em um país em que muitas escolas sequer têm paredes, em que faltam insumos básicos, como merenda, a empatia e o olhar humano são muitas vezes tão ou mais importantes do que um conteúdo em si.  E do lado de quem produz esses conteúdos aos alunos, como materiais didáticos, as ferramentas de IA podem ajudar a criar materiais que conversem mais com a realidade dos alunos. 

As discussões sobre IA e seus impactos também passam pelo treinamento e a formação de professores capazes de dominar essas novas tecnologias, tendo uma mentalidade de aprendizado contínuo, o de lifelong learning. Por parte dos alunos, a necessidade de terem senso crítico e saberem fazer a pergunta correta à máquina. Pergunta autodirigida errada, resposta errada. Também passa pelo aumento da desigualdade que podem gerar entre países com uma boa rede de ensino e outros que estão lutando para ter escolas com uma infraestrutura básica. 

Mas esses são problemas que não surgiram com a IA e, infelizmente, só deixarão de existir se agirmos juntos. Não vejo uma razão para não abraçar de forma humana as inovações e garantir que elas tenham o melhor impacto possível na educação em nosso país. 

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