Tatiana Gracia: das origens da internet ao marketing de empatia

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Tatiana Gracia: das origens da internet ao marketing de empatia

A trajetória da diretora de growth da Mondelēz Internacional vai do pioneirismo no início da web à humanização dos negócios e da comunicação


18 de dezembro de 2023 - 15h20

Tatiana Gracia é diretora de growth da Mondelēz Internacional (Crédito: Arthur Nobre)

Tatiana Gracia é diretora de growth da Mondelēz Internacional, mas carrega no currículo experiências de quem desbravou a internet no Brasil desde o início. A executiva carioca conta que era uma verdadeira “nerd de internet” aos 20 anos, idade em que fundou o primeiro portal de relacionamento do Brasil, o ParPerfeito. Há duas décadas, a plataforma já fazia matchmaking por grau de afinidade. Um ano depois, Tatiana lançou o primeiro carro vendido pela web no Brasil, o Ford Fiesta, pela Ford Motor Company. 

“Comecei a entender de tecnologia numa época em que ninguém sabia o que era. Primeiro, acumulei histórias de cupido como sócia e fundadora do ParPerfeito. Recebia uma média de 50 e-mails por dia. Depois, recebi o convite para lançar o carro da Ford pela internet e, aos 21 anos, saí do Rio de Janeiro para São Bernardo do Campo. Era uma mulher, carioca, sozinha em São Paulo, num segmento masculinizado, com um tema difícil nas mãos”, lembra.

Mesmo diante dos desafios de ser uma mulher em uma montadora dominada por homens, a executiva diz que a temporada de 5 anos na Ford foi um dos momentos mais legais da sua carreira. Lá, ela também esteve à frente do primeiro projeto de mulheres da companhia, que tinha o objetivo de aumentar o público feminino da marca. 

Para isso, ela criou um comitê interno com mulheres de todas as áreas da empresa. Também convidou mulheres relevantes de fora, formadoras de opinião que poderiam ajudá-las. A jogadora de basquete Hortência e a primeira presidente da Walita, Cristiana Arcangeli, foram algumas das personalidades integrantes do grupo, que participava de toda tomada de decisão de comunicação e de inovação dos carros da montadora. 

Tatiana Gracia: “Comecei a entender de tecnologia numa época em que ninguém sabia o que era” (Crédito: Arthur Nobre)

“Lembro que uma das decisões foi sobre o lançamento do Ecosport. Queriam que o carro tivesse um banco de couro bege, pois denotava status. Levamos para o comitê de mulheres e elas detonaram a ideia. Disseram que levam criança, sapato e comida no carro, que os filhos passam mal, tomam mamadeira, sujam tudo, e teriam de lavar o carro toda hora. Para elas, o veículo deveria ser bonito por fora apenas. Todas concordaram”, conta. 

Esse exercício de ouvir acompanha Tatiana em sua carreira. Mais tarde, ela iria contribuir para a construção da área de consumer insights da Natura Cosméticos, assumiria o posto de diretora de inovação na Mondelēz Brasil, que depois foi seguido por sua atual posição como diretora de growth, com olhar para novas avenidas de crescimento da companhia. Mas, para além de cargos e empresas, a executiva tem uma trajetória sólida como liderança que busca sair da teoria e de fato praticar o discurso mais citado do mercado nos últimos anos: colocar o consumidor no centro de toda estratégia.  

Para isso, ela decidiu começar por ela mesma. Buscou, primeiro, alinhar seu propósito de vida ao de carreira. Mestre em análise do comportamento, em 2021 iniciou uma pós-graduação em gerontologia no Hospital Israelita Einstein, com a qual tem o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre o processo de amadurecimento da população e, assim, ser capaz de propor soluções humanizadas e coerentes para melhorar a qualidade de vida, a autoestima e a relevância dessa geração na sociedade. 

“Não sei se sou presa a um crachá. Com crachá, sinto que vim para construir um movimento de acolhimento, inclusão e empatia que se transforma em negócios. Sem crachá, sou a pessoa que ajuda a trazer esse olhar. Ajudar empresas, marcas, negócios e serviços a se humanizar, a serem bem-sucedidos pela inovação. Faço isso não como profissão, mas como propósito. Se estiver no encontro de família, conversarei sobre isso. Na reunião de trabalho, também. Minha missão é construir esse movimento”, completa. 

Call center, a origem de tudo 

No início dos anos 2000, Tatiana vivia com as turmas que entendiam de internet no Rio de Janeiro. Era a época do buscador Cadê, do site Bondfaro, e do auge do filme “Matrix”. Era o momento, enfim, em que a tal bolha da internet se formava, com forte alta das ações das novas empresas de tecnologia da informação e comunicação baseadas na internet, que depois levaria ao auge da especulação do índice da bolsa eletrônica de Nova Iorque, a Nasdaq. 

Essa efervescência foi importante para a formação da executiva, mas ela teve contato precoce com a tecnologia ainda em casa, anos atrás, com a família do pai. Na adolescência, o tio, que tinha o primeiro call center de internet do Brasil, a chamou para trabalhar com ele. Como atendente da central de atendimento, ela diz que só fazia uma coisa: ouvir e não julgar. 

“Nessa posição, não somos pagos para dizer se uma reclamação é um problema ou não, somos pagos para resolver. Entendi que o problema do outro é muito maior do que o que pensamos ou achamos. A dor do outro é dele, e você não tem direito de julgar, mas de ajudar a resolver. É o exercício de sair do palco e colocar o outro em primeiro lugar.” 

Embora o call center tenha sido um dos primeiros trabalhos de Tatiana, ela diz ter carregado esse olhar para a empatia, que hoje é seu maior propósito, em todas as cadeiras que sentou como profissional. 

Olhar para o público maduro 

Ao longo da carreira e da vida, Tatiana percebeu que gostava de escutar pessoas mais maduras, público para o qual ela se voltou ao longo da carreira, sobretudo quando decidiu fazer a pós-graduação em gerontologia. “Não é algo de que nasci sabendo. Fui percebendo esse encantamento pelos avós e pelas pessoas mais velhas. O tempo com esse tipo de pessoa começou a dobrar.” 

A virada de chave para despertar seu interesse por esse público foi o exercício de ouvir uma pessoa mais velha em um projeto da Natura. O objetivo era ter insumos para um produto voltado para mulheres 70+, o Natura Chronos. Foi há 15 anos, quando os desafios eram maiores ainda. Como atenuar linhas do tempo para esse público? Como alcançar essas mulheres? Seria possível fidelizá-las? Para responder a estas perguntas, Tatiana liderou um focus group presencial. Já era um desafio recrutar mulheres desta faixa etária para participarem da pesquisa, e ela percebeu que o importante mesmo seria ouvir tudo o que elas tinham a dizer. 

“Quando percebi, estava chorando. Uma delas disse: ‘vocês me acompanharam a vida inteira, e agora que estou numa idade mais avançada, me abandonam?’ Aquele momento foi muito marcante, e foi quando pudemos trabalhar o propósito da marca. Pensei: talvez a gente não venda como vendemos para pessoa de 25 ou 40 anos, mas é isso que uma marca de propósito precisa fazer. Acompanhar você até o fim da sua vida. Ali, me apaixonei por esse público”, diz. 

Agora, Tatiana deseja impactar o mundo dos negócios no Brasil por meio de uma população cada vez mais madura. “Me preparei para isso academicamente. Mais do que humanizar o marketing, quero ‘multigeracionar’ o marketing. Quero que as diversas gerações sejam representadas, vistas e ouvidas. Quero chegar no ponto de união entre empatia e diversidade geracional.” 

Rumo ao marketing de empatia 

Para Tatiana, seu maior feito tem sido a capacidade de seguir seu propósito de vida. “Tudo o que fiz e consegui realizar está ancorado nisso. Acho que meu maior sucesso foi ter tido a possibilidade e o esforço de conseguir lançar um livro sobre a empatia no marketing. É como deixar uma expressão viva do meu propósito.” 

O livro “Empatia, humanização para além do marketing” foi escrito pela executiva e lançado em 2021. Entre cases de sucesso e experiências vividas por ela, Tatiana busca responder a algumas perguntas do marketing contemporâneo, como a melhor maneira de trazer humanização e inclusão aos negócios e à comunicação, como atender aos consumidores nesse novo contexto mundial e quais comportamentos e habilidades os líderes prósperos devem ter no futuro. É, enfim, uma proposta de ressignificação das áreas das empresas, trazendo a empatia como uma peça-chave para a humanização além do marketing. 

Tatiana: “O marketing precisa deixar de ser focado no produto e na performance, e passar a ser humanizado” (Crédito: Arthur Nobre)

Segundo a obra, para as marcas sobreviverem a esse novo contexto, é necessário que elas sejam empáticas, inclusivas e socialmente relevantes. Tatiana aponta para o livro como um convite a esse novo olhar focado no outro. “O objetivo é conseguir que as pessoas olhem cada vez mais para o marketing humanizado e desenvolvam essas habilidades. Por onde passo, tento deixar esse legado. É um movimento de mudança que precisamos fazer.” 

Tatiana diz, ainda, que a inovação evoluiu bastante nos processos, mas ainda há uma longa jornada pela frente quando o assunto é o mindset do mercado. “Precisamos mudar a lógica de amar solução e passar a focar no problema. Devemos nos apaixonar por solucionar a dor de alguém, não pela nossa própria dor e pelo prêmio que vamos ganhar no final do ano. Para isso, precisamos fazer conexão com a vida real, e não com o PowerPoint.” 

Se Tatiana, no início da carreira, foi pioneira no Brasil em tempos da bolha da internet, ela hoje busca ser vanguarda em outra bolha: a do marketing. A saída, para ela, só pode ser a empatia. “Enquanto não nos libertarmos das amarras para as quais fomos treinados, fica difícil gerar negócios de relevância, ter marcas com propósito e impacto efetivo. Há muitas pessoas focadas em estratégia do consumidor, mas, na prática, vemos pouco. Empatia para mim é uma habilidade a ser desenvolvida. Quero ajudar a propagar esse movimento: o marketing precisa deixar de ser focado no produto e na performance, e passar a ser humanizado. Aí a performance torna-se não o carro-chefe, mas uma consequência disso.” 

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