Tatiana Monteiro de Barros: a arte de conectar o setor privado com a ação social
Fundadora do movimento União BR acredita na articulação entre o terceiro setor e as empresas para agir em emergências e catástrofes
Tatiana Monteiro de Barros: a arte de conectar o setor privado com a ação social
BuscarFundadora do movimento União BR acredita na articulação entre o terceiro setor e as empresas para agir em emergências e catástrofes
Lidia Capitani
5 de setembro de 2024 - 15h40
Tatiana Monteiro de Barros é empreendedora social e fundadora do movimento União BR, que trabalha como ponte entre quem quer ajudar e quem precisa de ajuda. O que começou como um grupo de WhatsApp na pandemia tornou-se uma das maiores organizações sem fins lucrativos de ação em emergências da América Latina.
A veia voluntária de Tatiana esteve presente desde criança, por influência dos pais filantropos. Mas, antes de atuar no terceiro setor, ela se formou em administração e começou sua carreira na Daslu, seu primeiro e único trabalho CLT. Ainda aos 20 anos, ela viu a oportunidade de trazer a marca de lingerie italiana La Perla para o Brasil, e se tornou a franqueada mais jovem da marca no mundo.
Paralelamente, há 12 anos, fundou a agência de live marketing Multicase, que segue forte até hoje, com grandes clientes como o Grupo Iguatemi, UOL e XP. Embora não esteja mais envolvida no dia a dia, segue como sócia estratégica. No início da pandemia, entretanto, vendeu sua franquia da La Perla, passando a se dedicar à maternidade e ao trabalho voluntário.
No mesmo período, Tatiana e a irmã criaram o grupo de WhatsApp que se tornaria o União BR. “A ideia era conectar nossos amigos do terceiro setor e alavancar doações para quem precisava. Esse grupo foi o embrião do União BR, que fundei e lidero até hoje, sempre com a premissa de ser apartidário e focado em iniciativas privadas, conectando quem quer doar com quem precisa de ajuda”, explica.
Nesta entrevista, Tatiana Monteiro fala sobre como surgiu o movimento União BR e conta sobre o trabalho que tem feito frente aos desastres sociais e ambientais dos últimos anos. A empresária também aconselha como as empresas podem atuar com o terceiro setor na agenda das emergências e catástrofes.
O União BR existe há quatro anos e meio. Ele é apartidário e financiado pela iniciativa privada. Não recebemos emendas parlamentares ou qualquer recurso do governo, e não distribuímos dinheiro. Entregamos o que é necessário em cada localidade onde atuamos.
Nesses quatro anos, começamos com um grupo no WhatsApp e nosso primeiro caso foi o fogo no Pantanal, que em 2020 foi o maior registrado. Fizemos uma grande campanha com apoio de artistas como Luan Santana e arrecadamos milhões. Foi aí que entendemos que podíamos fazer mais. Na época, nem CNPJ tínhamos. Mas deixamos um legado na região: não era só sobre cestas básicas ou assistência, queríamos deixar algo duradouro, como brigadas de incêndio e equipamentos.
Continuamos em 2020 distribuindo cestas, EPIs, comida e outros itens, mas o grande ponto de virada foi no final de 2020, com a crise do oxigênio no Amazonas durante o pico da Covid-19. Enviamos inicialmente cilindros de oxigênio, mas logo percebemos que não era suficiente, pois um paciente em estado grave usa três cilindros por dia. Então, mobilizamos a iniciativa privada e encontramos uma solução mais sustentável: usinas de oxigênio, que funcionam ininterruptamente por 20 a 30 anos nos hospitais. Montamos uma grande campanha com a Ambev e mais de 40 empresas nos apoiaram. Com isso, abastecemos 38 hospitais dos 76 no Amazonas com essas usinas.
Foi nesse momento que o União BR ganhou maior visibilidade. Ganhamos o prêmio de empreendedora social do ano, e minha vida mudou. Estruturei o União BR como organização e, durante a pandemia, abastecemos 500 hospitais com insumos e equipamentos, desde abertura de leitos até respiradores.
Em uma campanha no maior hospital público da América Latina, em Acari, no Rio de Janeiro, descobrimos que eles não tinham elevador e enfrentavam sérios problemas de energia. Junto com o Sírio-Libanês, ajudamos na reestruturação e entregamos o maior centro de reabilitação pós-Covid da América Latina.
Acreditamos na união de forças, alinhando o setor privado com o público, mas sempre mantendo nossa independência na gestão dos recursos. Levamos ajuda para onde era necessário, desde cestas básicas até reformas de escolas e eliminação de filas no SUS. Nossa parceria com a Latam nos permite chegar rapidamente aos locais e levar o que não está disponível ali, sempre priorizando gastar os recursos no território local para estimular a economia.
Hoje, somos uma das maiores ONGs da América Latina em resposta a desastres, atuando com 3 mil ONGs em nossa rede e com apoio de grandes empresas. Em quatro anos, atendemos 28 milhões de pessoas e captamos cerca de 400 milhões de reais. Temos parceria com grandes empresas como Itaú, Ambev, Latam, Gerdau, Santander, Zurique, Votorantim, Boticário, Hinode, entre outras. Nosso trabalho é sobre união, sobre pessoas, sobre salvar vidas. Agora, estamos focados em captar recursos internacionais e em atuar de maneira preventiva para mitigar os danos nos territórios antes que as tragédias ocorram.
Primeiro, é fundamental buscar parceiros de confiança e manter uma relação transparente. As empresas, por mais que tentem, têm dificuldade em atuar diretamente na ponta. É importante procurar ONGs que tenham essa capacidade de diálogo com a ponta, entendendo o que é necessário naquele momento. Essa parceria entre o setor privado e as ONGs realmente pode gerar resultados transformadores.
Cada empresa deve também alinhar suas ações com o que acredita e com os valores dos seus institutos, seja na educação, no combate à crise climática, ou em outras áreas. Além disso, um ponto crucial é trabalhar o engajamento interno dos funcionários, promovendo o voluntariado e despertando esse olhar de transformação. Sem um time engajado, é muito difícil alcançar mudanças significativas.
Vou dar um exemplo prático: O Boticário. Eles são um dos nossos melhores parceiros. Quando ocorre uma tragédia, a doação que eles nos enviam é priorizada em todas as etapas, e em uma semana já está no destino, em qualquer lugar do País. Isso envolve toda a cadeia: almoxarifado, fiscal, estoque, transporte. Todos precisam estar engajados. Quando a empresa realmente acredita nisso e orienta o time nessa direção, a mobilização e a transformação acontecem de forma mais eficaz.
A gente trabalha com as empresas de forma bem adaptada, seja para fornecer um produto necessário ou recursos financeiros. Nas causas em que atuamos, que costumam ser assistenciais, o legado pode estar relacionado à educação, saúde, habitação, abrigos, ou até um recurso livre. A gente mantém muita conversa e troca de ideias, sempre ouvindo as prioridades da empresa para encontrar a melhor forma de alinhar o que ela busca com as necessidades do território.
Essa troca constante é essencial, porque a doação é algo dinâmico. Hoje pode ser uma coisa, mas daqui a um mês, quando o recurso for liberado, a necessidade já pode ter mudado. A gente também se preocupa em expor os logos das empresas que nos autorizam, para mostrar quem faz parte dessa corrente do bem. Isso ajuda a atrair outros parceiros e deixa claro para a população quem está ajudando.
Outra coisa importante é como algumas empresas nos ajudam a atuar com tanta rapidez e precisão. A gente tem fundos de catástrofes com recursos já provisionados por empresas como Zurich e Santander. Isso nos permite agir imediatamente em situações de emergência, comprando o necessário em até 48 horas, em qualquer lugar do país. É fundamental que as empresas estejam financeiramente organizadas para essas causas urgentes, para não desestabilizar suas operações. Quem está preparado consegue atuar de forma mais assertiva, sem grandes impactos.
Para a empresa agir com rapidez, é essencial que ela esteja bem organizada internamente, com clareza sobre como atuar em situações de emergência. Seja doando produtos ou recursos, é preciso ter um plano de ação já definido. A companhia deve ter estudado previamente como agir, quem toma as decisões, e se há um valor provisionado para isso. Sem essa preparação, é impossível agir rapidamente, porque há muitas aprovações e burocracias envolvidas.
Além disso, é importante lembrar que a necessidade no pós-tragédia é contínua. É uma fase longa, podendo durar de seis a oito meses ou mais. As empresas precisam entender que o apoio não se limita ao momento imediato, mas se estende por meses, com projetos de legado que ficam nos territórios afetados.
As empresas também podem usar o pós-tragédia como um aprendizado, avaliando como podem agir em futuras emergências. Isso envolve mapear os locais onde operam, avaliar o risco para seus funcionários em áreas mais propensas a desastres, e planejar como atuar em futuras tragédias. É fundamental buscar parceiros previamente, para que, quando ocorrer uma tragédia, já exista um caminho claro a seguir.
Outro ponto crucial é levantar bandeiras internamente, compartilhar com os funcionários e clientes o que a empresa faz ou pretende fazer. Isso tem um grande impacto. Os clientes valorizam muito saber que a empresa está envolvida em ações que fazem o bem e que fazem a diferença. Isso influencia o consumo, especialmente para quem se preocupa em ser responsável e cuidar do próximo.
Essa comunicação interna também é vital. Os funcionários sentem muito orgulho em saber das ações e esforços da empresa. Isso engaja todo mundo, tanto os clientes quanto os funcionários. Quando você sabe que a sua empresa, o seu ganha-pão, está fazendo algo positivo, você se sente ainda mais motivado para contribuir e trabalhar com propósito.
Acredito que a presença feminina nas empresas vem crescendo, e isso é algo muito positivo. As mulheres têm uma sensibilidade única em relação ao outro, o que traz um olhar diferenciado e essencial para o cuidado com as pessoas e a maneira como lidam com diversas situações.
Vejo cada vez mais mulheres assumindo papeis de liderança nessa área, mostrando sua capacidade de transformar e crescer. A presença delas em diretorias e conselhos é fundamental para as empresas, pois o olhar voltado para o outro faz toda a diferença. Claro, também há homens maravilhosos que se dedicam a essa causa e fazem um trabalho incrível, mas a presença feminina realmente traz um diferencial evidente.
Essa é uma das maiores dificuldades que enfrentaremos nos próximos anos. As catástrofes estão aumentando em número e gravidade, então atuar nessa agenda deixou de ser uma escolha, mas uma necessidade, considerando tudo o que estamos vendo acontecer. E, infelizmente, as coisas só tendem a piorar.
Vivemos em um País que não tem os mesmos recursos que Estados Unidos, Japão ou Inglaterra. Não temos esse tipo de infraestrutura, então precisamos das empresas mobilizadas e dispostas a se engajar nessa agenda de transformação.
As companhias também precisam adaptar suas operações para serem mais sustentáveis no dia a dia, independentemente de sua área de atuação. Não há mais espaço para que essa questão não seja um dos focos principais, e a cada dia vemos a importância disso crescer ainda mais.
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