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Opinião

Um passarinho pode mudar o mundo

Voz é uma das coisas mais importantes na vida: o ser humano precisa se expressar, ser ouvido em todas as suas relações, profissionais e pessoais


4 de março de 2024 - 7h33

Aproveitei o final de ano e o famoso “recesso” que vem com ele para colocar minha lista de leitura e de séries em dia. Eu leio e assisto um pouco de tudo — das histórias mais sérias às mais leves, realidade ou ficção. Penso que tudo ensina a gente um pouco – mesmo que, às vezes, demore um pouquinho para cair a ficha.  

Nos primeiros dias de janeiro, o algoritmo do Netflix me apresentou um documentário que não estava na minha lista: “Pesadelo Americano”. Fui na dele. E foi bom pra mim, viu?

O enredo dela infelizmente é conhecido – uma mulher é arrancada à força de sua casa enquanto dorme. Os bandidos dopam e prendem o marido para que ele não possa fazer nada a respeito. Quando ele acorda, desobedece aos sequestradores e procura a polícia para investigar.      

Mas o que dá mesmo um nó na garganta é a reação dos policiais (spoilers a seguir): eles simplesmente não acreditam que ela foi sequestrada. E sabem por quê?  

Pasmem: o caso aconteceu logo depois do lançamento do filme “Garota Exemplar” – aquele em que a Rosamund Pike finge o próprio desaparecimento.  

Passam-se alguns meses e uma policial do sexo feminino recebe um caso parecido em sua mesa. Descobre que não é o único e que há vários outros anteriores a ele. E, decidindo dar voz àquelas vítimas, ela investiga o que outros policiais não investigaram. E é ela, e a perseverança de uma mulher em prol das outras, que leva à solução do caso.  

Vejam: é “só mais um caso” em que a vítima não teve voz.  

E voz é uma das coisas mais importantes na vida: o ser humano precisa se expressar, ser ouvido em todas as suas relações, profissionais e pessoais.  

E aí, na semana passada, resolvi me render à nostalgia e assistir ao remake de Renascer. Não só por razões pessoais, mas também pelo trabalho. E compensei tudo o que eu tinha sentido e que contei aqui em cima ao ver a Globo (que ainda tem relevância e escala na mudança de comportamento dos rincões do Brasil, mesmo em tempos de digital first) colocar nas falas da personagem Jacutinga, a dona do bordel da cidade, uma série de mensagens sobre este tema.  

O contexto – ela aconselhava Maria Santa, que para quem não viu ou não está vendo a novela é uma menina ingênua a ponto de achar que alguém pode engravidar de um beijo. Ela está prestes a se casar e Jacutinga explica para ela que é preciso haver equilíbrio nas relações homem-mulher. Que Maria Santa tem o direito de escolher não se casar e estudar. E, se quiser casar, que ela tem o direito de opinar, de pensar por si própria, de querer e de pedir (o que, no tempo e local em que se passa a novela, era impensável). E que deve haver reciprocidade nas relações, também.  

E enquanto eu assistia, pensava: em algum lugar, esta cena vai mudar uma realidade.  

Talvez uma menina passe a pensar diferente sobre as suas possibilidades.  

Talvez uma mulher adulta resolva parar de aguentar um marido dominador.  

Talvez um pai conservador entenda que a filha pode escolher ser o que quiser – pessoal ou profissionalmente na vida.  

Talvez uma filha não precise explicar para o seu pai que resolveu ir trabalhar vestida de uma determinada forma porque aquela era a “armadura” dela. E para que ela fosse ouvida numa reunião cheia de homens, ela precisava combinar semiótica com figurino.  

E tudo isso… é tudo o que a gente quer.  

Feliz ano novo, leitoras e leitores. 

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