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Vozes femininas buscam harmonia em um universo dissonante

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Opinião

Vozes femininas buscam harmonia em um universo dissonante

O mundo da música está cada vez mais feminino e, embora isso soe natural, a conquista dos espaços nessa indústria tem sido uma verdadeira ópera


15 de abril de 2024 - 9h15

Alcione, Anitta, Bethânia, Beth, Clara, Clementina, Elis, Elza, Fafá, Gal, Ivete, Iza, Ludmilla, Luísa, Margareth, Marília, Preta, Rita… Quando comecei a listar nossas cantoras em ordem alfabética percebi como estava difícil não tomar o parágrafo todo. Isso porque o Brasil tem mais de uma estrela para cada letra do alfabeto. Só de ouvir esses nomes, a gente sente orgulho e percebe a grandeza das mulheres no presente, no passado e no futuro da música brasileira.  

Mas existe um gap entre a luz que essas estrelas emitem e a multidão de mulheres talentosas que ficam na sombra, mas que fazem da indústria musical brasileira ser o que é — apesar de toda a luta e preconceito para quebrar o domínio masculino no mundo da música.  

Óbvio que isso não devia ser assim. Afinal, desde o tempo dos gregos, a música é regida por uma figura feminina, a musa Euterpe. Nunca ouviu falar dela? Pois é, isso também acontece com as mulheres que estão na cadeia produtiva da indústria musical e que ficariam eternamente anônimas se outras mulheres não tomassem providências.  

Porque, vamos combinar: se tem uma coisa que mulher sabe fazer além de música, é barulho. No caso do reconhecimento dos talentos femininos no universo musical, até que demorou, mas o WME Awards foi criado em 2017 para fazer essa reparação histórica e embalar os novos tempos. 

O prêmio e a grande noite de premiação anual são parte de um movimento maior, de reconhecimento e valorização das mulheres na música, e foi idealizado a seis mãos pelas criadoras da plataforma WME (Women’s Music Event), Claudia Assef e Monique Dardenne, e por mim, Fátima Pissarra, que estou profundamente envolvida com o universo musical desde os meus tempos como executiva da Vevo.  

Aliás, vale dizer que eu entendi na pele o que significa a “solidão” nesse universo. Eu era uma das poucas mulheres em posição de liderança numa indústria que não só era eminentemente masculina como estruturalmente machista.  

Durante todo o século 20, em que as gravadoras eram as donas do mercado e das vozes, o negócio de música foi tocado por homens. A voz feminina sempre foi um grande produto, mas, para além das cantoras, a máquina da indústria era masculina. Músicos, produtores, agentes, publicistas, diretores de shows e até os radialistas, jornalistas e críticos eram todos homens. Na verdade, havia uma honrosa exceção: a Ana Maria Bahiana, crítica de música, atualmente com 74 anos, que era uma precursora solitária (e muito combatida) na imprensa especializada do século passado.  

Só que a força e o talento feminino vêm mudando a realidade do século 21. Hoje, temos mulheres sensacionais atuando em todos os ritmos — incluindo os mais “masculinos”, como sertanejo e hip hop. Boa parte das grandes cantoras e compositoras que conhecemos teve que enfrentar grandes barreiras para se fazerem conhecidas. Claro que nada é fácil, mas é indiscutível que o mundo do streaming eliminou muitos dos entraves. Por exemplo, no passado, era preciso ter uma gravadora que te apoiasse para gravar um single e passar por várias outras peneiras na divulgação. Hoje, o artista coloca sua música online, e quem vai julgar o seu trabalho é o público.  

Outro ponto a favor da feminilização da indústria musical: as compositoras estão aí para traduzir os desafios e a alma feminina — depois de Marília Mendonça, a mulherada não quer mais pegar emprestado os dramas da masculinidade (tóxica) para cantar no karaokê. Agora o assunto é de mulher para mulher!  

E isso não é só impressão minha. O Spotify divulgou dados sobre o consumo de música das mulheres brasileiras. Atualmente, 60% do público de artistas mulheres é feminino, a maioria da geração Z, e o gênero favorito é o sertanejo. Outra notícia importante é que o “consumo de faixas de artistas mulheres brasileiras cresceu globalmente: um aumento de 234% nos últimos cinco anos (2019-2023)”. A plataforma também divulgou as artistas mais escutadas em 2023 que, pela ordem, foram: Anitta, Ludmilla, Ana Castela, Marília Mendonça e Luísa Sonza.  

Com tamanha efervescência no nosso mercado, era fundamental que voltássemos a ter um veículo de comunicação com a vocação certa para isso. Essa foi a raiz do nosso esforço em trazer a icônica revista Billboard de volta para o Brasil. Claro que a edição brasileira segue a tradição de seriedade na cobertura musical que caracteriza o título no mundo todo, mas também é óbvio que ela ganhou um tempero brasileiro em termos de pluralidade de estilos na pauta de revista e de equidade tanto em termos de exposição de artistas quanto na composição do time que faz esse produto.  

Com isso, queremos enaltecer e consolidar em suas páginas todas as transformações que estão ocorrendo no mercado musical. Algumas estão vindo na velocidade da luz, outras à pé mesmo. Mas é nossa responsabilidade acelerar essa viagem.  

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