Claudia Campolina: a comédia como resistência ao machismo
A atriz e criadora de conteúdo viralizou nas redes sociais com seus vídeos humorísticos sobre um mundo onde as mulheres se comportam como homens
Claudia Campolina: a comédia como resistência ao machismo
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Lidia Capitani
7 de novembro de 2023 - 15h02
A carreira de atriz não é fácil. Envolve muito estudo, rejeições frequentes e uma constante batalha para provar seu valor. Claudia Campolina enfrentou todas essas adversidades em seus quase quinze anos como atriz. Durante a pandemia, porém, ela decidiu que era hora de investir nas redes sociais e finalmente criar as personagens que ela sonhava em interpretar. Assim surgiu a websérie viral “Mundo Invertido”, uma ficção na qual os papéis de gênero entre homens e mulheres são invertidos. Nela, Claudia escancara o machismo das situações cotidianas por meio de um humor perspicaz.
Nessa entrevista ao Women To Watch, Claudia Campolina conta sobre sua trajetória como atriz e os obstáculos que enfrentou no meio do caminho até gravar seu primeiro vídeo para o TikTok. Ela também reflete sobre como sua websérie “Mundo Invertido” se tornou viral e os desafios de lutar contra o machismo como humorista.
Conte um pouco sobre sua trajetória profissional.
Sou mineira, mas cheguei em São Paulo há 15 anos com o sonho de estudar teatro. No início, trabalhei em eventos, fui modelo, fiz diversos bicos, até finalmente conseguir estudar teatro. Desde a minha formação, atuei em publicidade, cinema, televisão e até mesmo em pequenas participações em novelas. No entanto, sempre senti falta de interpretar personagens que realmente me interessassem. Essa insatisfação já me acompanhava há algum tempo, mas foi durante a pandemia que decidi explorar as redes sociais como uma forma de continuar atuando.
Surgiram personagens, entre elas uma blogueira chamada “Estelinha”, que se tornou uma parte importante de uma webnovela que criei, a “Exausta”. Esta história, apesar de sua leveza, aborda questões profundas sobre as relações de poder e a visão de classe no Brasil, especialmente no contexto de empregados domésticos e suas empregadoras. Além disso, comecei a trabalhar em uma websérie nostálgica, a “Adolescentes dos Anos 90”, na qual revisito memórias dessa década.
Paralelamente, criei uma distopia chamada “Mundo Invertido”, explorando um cenário onde mulheres adotam comportamentos machistas, em uma versão contrária que denomino de “femismo”. Minha personagem nessa trama é fluida, sem uma identidade fixa, permitindo-me explorar diversas facetas do machismo que ainda persistem em nossa sociedade. Inicialmente, tudo começou de maneira descompromissada, mas, aos poucos, esse universo ganhou forma de roteiro e fez sucesso, especialmente entre as mulheres.
Como surgiu a websérie “Mundo Invertido”? Quais foram suas inspirações ao criá-la?
Há alguns anos atrás, pensei sobre a possibilidade de criar um roteiro centrado num boteco, onde mulheres falassem sobre homens da mesma maneira com que muitos homens machistas falam sobre elas. Apesar do lampejo naquela ocasião, a ideia ficou adormecida. Durante a pandemia, ao me deparar com vídeos antifeministas que distorciam a essência do feminismo, senti a necessidade de responder de alguma forma. Então, peguei a câmera e comecei a gravar.
O primeiro vídeo foi simples, apenas invertendo frases machistas e mostrando como elas soam estranhas quando ditas por uma mulher. Esse vídeo viralizou no TikTok, alcançando um milhão de visualizações em apenas quatro horas. À medida que a série crescia, comecei a criar episódios que exploravam diferentes contextos do dia a dia, desde uma mulher assistindo a um jogo de futebol a uma reunião de negócios, transformando-as em uma comédia provocativa que revela as questões de gênero presentes na sociedade.
Além disso, a interação com meu público se tornou uma parte essencial da série. Abri uma caixinha de perguntas no Instagram, encorajando as pessoas a perguntarem algo como se estivessem vivendo em um “mundo invertido”. As mulheres começaram a se comportar como minha personagem, criando um ambiente coletivo e divertido.
A personagem que criei é extremamente vilanesca, sem limites, representando o extremismo de algumas visões de mundo. Suas falas provocadoras geram reações fortes, especialmente entre os homens que assistem à série.
Na sua visão, o que fez a série viralizar?
Ao longo dos quase três anos em que venho criando essa série, percebi algumas coisas importantes. Em primeiro lugar, eu já havia entendido a linguagem e o ritmo das redes sociais com outros conteúdos que havia criado. Depois, acredito que os temas que aparecem na série são muito sensíveis e impactantes para as mulheres, mas optei por abordá-los de maneira leve e engraçada. A comédia tem o poder de fazer as pessoas rirem de situações que, de outra forma, poderiam causar sofrimento. As mulheres encontram alívio ao ver a personagem principal se vingar das situações que muitas delas já viveram ou estão vivendo.
Importante ressaltar que essa vingança é segura e controlada, pois ocorre no ambiente virtual e dentro da ficção que criei. Como criadora, meu objetivo é promover a igualdade de gênero, questionar o machismo e mostrar que os papéis de gênero são construções sociais que precisam ser desconstruídas.
Outro aspecto interessante é que muitas mulheres que vivenciam situações tóxicas começam a perceber certas coisas quando ouvem a personagem. Por vezes, pessoas que estão em terapia ou saindo de relacionamentos abusivos encontram na série um ponto de partida para entenderem melhor suas próprias situações. A estranheza de ver a mesma narrativa vinda de uma mulher faz com que essas mulheres questionem a normalidade do comportamento masculino que muitas vezes toleram em suas vidas.
Por fim, a série não se concentra apenas no discurso feminista tradicional. Embora o apoie, meu foco principal é combater o machismo estrutural e suas diversas manifestações. Evito adotar uma abordagem teórica ou discursiva, buscando, em vez disso, trazer à tona, diretamente, o machismo orgulhoso e a misoginia, usando o humor como ferramenta. Dessa forma, consigo alcançar mulheres de diferentes origens e contextos sociais, mostrando que o machismo afeta todas nós, embora em diferentes graus, e que também prejudica os homens ao impor expectativas e normas prejudiciais a eles.
Qual é a parte mais difícil de abordar temáticas do feminismo e do machismo?
Há algumas questões que enfrento ao criar essa personagem. Primeiramente, por ela ser inspirada em um homem machista, sua visão de mundo é bastante binária e não inclui diversidade. Isso significa que há assuntos, como a questão trans, que são difíceis de serem abordados por ela, algo que estou considerando como desafio para desconstruir.
Além disso, lido com as reações das pessoas, o que pode ser bastante desafiador. A internet é um lugar frequentemente hostil, onde os seres humanos se escondem atrás de computadores para expressar opiniões violentas, especialmente quando trato de temas como potência sexual, pênis e calvície.
Quando eu os coloco em situações em que são desafiados nesses aspectos, como chamá-los de broxas ou impotentes, isso os incomoda profundamente. Essa reação revela como nossa cultura está fundamentada em um falocentrismo violento, onde a virilidade é vista como uma ferramenta de dominação.
Por fim, indique três produtos culturais, filmes, séries, livros e podcasts, que você recomenda.
Já que estamos falando sobre esse universo, primeiramente, quero indicar um filme de comédia, chamado “Não Sou Um Homem Fácil” (Netflix). É um longa francês, onde a trama gira em torno de um homem que, após um acidente, acorda em um mundo invertido, semelhante à premissa do “Mundo Invertido”.
Minha recomendação de série é a segunda temporada de “White Lotus”, que aborda de maneira mais direta um tema que discutimos aqui, o falocentrismo. Ao observar atentamente a trama, percebemos que todos os personagens do resort têm questões relacionadas à virilidade. Desde os mais sensíveis e adoráveis até os vilões, todos são afetados por essa questão.
Por último, gostaria de indicar as produções das minhas colegas de luta e humor na internet. Muitas delas estão atualmente trabalhando em seus próprios shows de stand-up, teatro ou outras formas de conteúdo. Destaco nomes como Carol Delgado, Rafaela Azevedo e Giovana Fagundes, que lideram essa luta contra o machismo na internet. Apesar das críticas e resistências, elas continuam firmes, abordando esses temas com humor e inteligência.
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