Publicidade

Opinião

Naturalize a pessoa com deficiência

Naturalização é quando somos incluídos pela sociedade com nossas deficiências, sem escondê-las, para que possamos ser quem somos de fato


15 de setembro de 2023 - 9h21

(Crédito: brastock-images-adobestock)

A necessidade de pertencimento a grupos é uma das características determinantes do comportamento humano e de outras espécies também. É um aspecto profundamente relacionado à construção de identidade e geralmente requer contínuos movimentos em busca do equilíbrio entre convicções pessoais e adesão a valores do meio em que se vive. É nessa dinâmica que surgem padrões e atitudes “de manada”, na procura por tribos que compartilhem dos mesmos referenciais e percepções de mundo. Porém, é preciso ter o cuidado de não diluir a própria verdade em troca da aceitação por parte da comunidade.  

Para a inclusão das pessoas com deficiência, iniciamos esse processo a partir do modelo médico, que está sendo superado pelo modelo social. O primeiro, lida com a inclusão pela busca do “ser igual”. A medicina se propõe fazer de tudo para “eliminar” a deficiência e impõe condições que prejudicam nosso convívio social e nosso desenvolvimento pessoal. Inúmeras intervenções cirúrgicas com longos períodos de internação e treinamentos para “minimizar” as limitações impostas pelas deficiências, entre outros exemplos de ações excluem a pessoa com deficiência de seu meio e alimentam falsas esperanças. 

 “Todo mundo tem uma deficiência”. Essa frase é uma tentativa equivocada de quem não tem deficiência normalizar nossa condição, mostrando  que também é diferente, na busca por alguma semelhança. A “normalização da deficiência”, ocorre quando nos esforçamos para que as deficiências não sejam percebidas, porque se acredita que, quanto menos aparentes, mais facilmente seremos pessoas incluídas e aceitas pela sociedade. É uma forma de capacitismo estrutural que nos faz, por exemplo, aceitar a falta de acessibilidade em todas as suas esferas para não parecermos “diferentes”. É aceitar viver sem independência e autonomia não por causa da deficiência, mas por conta do capacitismo que nos impede de desfrutarmos das mesmas experiências das pessoas sem deficiências.  

 Para nos inserirmos na sociedade e sermos aceitos por ela, muitas vezes minimizamos os nossos enfrentamentos diários e até tentamos escondê-los para sermos percebidos como igualmente capazes. Como se nossas conquistas se dessem sempre sob a vigilância do “apesar de”: “apesar de ser uma pessoa com deficiência, ela é competente”.  

A nossa história inclui todas as características que definem nossa existência. Não cabe falar em “apesar de”. Isso é opressão, porque tenta mascarar uma condição que é fundamental em nossa formação. Quando não assumimos totalmente todos os aspectos que nos caracterizam, estamos vivendo uma irrealidade.  

 A normalização é uma forma de se sujeitar à opressão que o meio nos impõe. Significa nos adequarmos a uma estrutura que não nos considera. É preciso coragem e muita determinação para transformar essa condição. Se como pessoas cadeirantes, aceitamos ser carregados quando não há uma rampa de acesso e não exigimos essa estrutura como algo que nos é de direito, estamos passando a mensagem de que está tudo bem. Não, não está tudo bem. O quanto temos que negar de nós pela aceitação?  

Não conseguimos transitar com autonomia em qualquer lugar. Precisamos saber se o local tem acessibilidade, desde a rampa de entrada nas medidas corretas, tamanho do vão da porta para passagem da cadeira de rodas, sanitário acessível etc. Quando a acessibilidade não é uma convicção, encontramos adaptações feitas por quem não conhece nossas limitações e possibilidades. A acessibilidade não deveria ser a exceção e, sim, a regra.  

Normalizar é se adequar a uma estrutura que não existe! Qualquer um ao longo de sua vida, pode se tornar uma pessoa com deficiência. Diante disso, a acessibilidade em todas as suas esferas é urgente e vai diminuir os obstáculos para a inclusão. É pensar de fato no todo. Acessibilidade e inclusão são causas coletivas.  

A palavra é naturalização. Para isso, podemos nos basear pelo “modelo social”, que defende a inclusão por meio da “naturalização”, o oposto à normalização. É quando somos incluídos pela sociedade com nossas deficiências, sem escondê-las, para que possamos ser quem somos de fato.  

 Na impossível comparação com os demais marcadores da sociedade, nós, pessoas com deficiência, temos mais sede na conquista da representatividade. Porque o que move essa representação dos grupos pela sociedade tem a ver com o “orgulho de ser”. Em outros marcadores sociais temos o “Orgulho LGBTQIAP+” e o “Movimento Negro”, entre tantos outros que estimulam esse orgulho por ser quem se é. Como despertar esse orgulho em ser uma pessoa com deficiência? A resposta está na jornada. Ela será a grande responsável por promover esse orgulho.  

 Precisamos conviver com todo mundo e sermos considerados e valorizados por nossas trajetórias. Não precisamos nos orgulhar de ter uma deficiência, mas sim de sermos quem somos, com tudo o que conquistamos em nossa jornada e com as nossas deficiências fazendo parte. Para evoluirmos nessas conquistas, necessitamos muito de pessoas aliadas, que são muito mais que simpatizantes. São as que insistem na transformação, que não apoiam piadas e brincadeiras que discriminam e excluem. É assim que vamos ajudar a transformar e conscientizar a sociedade sobre nossas demandas. 

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Instituto Liberta lança campanha contra violência sexual infantil

    Instituto Liberta lança campanha contra violência sexual infantil

    Fátima Bernardes e Denise Fraga estrelam vídeos que alertam sobre dificuldade de identificação do crime

  • Algoritmos novos, vieses antigos: como a IA reforça estereótipos

    Algoritmos novos, vieses antigos: como a IA reforça estereótipos

    Especialistas refletem sobre a urgência de uma abordagem crítica e transparente na implementação de tecnologias de inteligência artificial