Choque de gerações

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Opinião

Choque de gerações

Referências criativas históricas reclamam da falta de craques e de campanhas empolgantes, mas líderes em ascensão descrevem mercado efervescente


19 de agosto de 2019 - 9h56

A publicidade brasileira está chata? Já não se fazem mais campanhas tão brilhantes como antes? O medo e o politicamente correto engessaram a criatividade? Questões como essas podem ser respondidas de forma totalmente diferente por criativos, dependendo de fatores como o estágio da carreira em que se encontram e os ambientes de trabalho nos quais conviveram.

As comparações entre a qualidade do que se faz hoje com o que se fez no passado e considerações sobre as condições que influenciaram antes e as que impactam o cenário atual são naturais em qualquer atividade. Entretanto, quando um setor passa por transformações mais agudas, como ocorre agora com as agências de publicidade, as discussões ficam mais acaloradas. Como não reagir à despedida a contragosto de Fabio Fernandes, um dos criativos que mais ajudaram a construir a reputação positiva da publicidade brasileira no mundo e que liderou, na F/ Nazca S&S, equipes pelas quais passaram profissionais que estão na linha de frente de agências importantes no Brasil e no exterior?

Amigos, admiradores e até desafetos comentaram publicamente o fato nos últimos dias. Entre eles, Nizan Guanaes, que protagonizou com Fabio um dos maiores entreveros do mercado brasileiro, no palco do Maximídia, em 2008. Na semana passada, Nizan publicou em seu espaço de colunista na Folha de S.Paulo um texto chamado “Fabio Fernandes”, no qual diz que, embora seja “público que Fabio e eu não nos bicávamos”, a saída do concorrente “não desceu redondo” e que ele foi “o publicitário mais moderno de seu tempo” e fez de Skol “a marca mais cool da publicidade brasileira durante décadas”. “Craque é aquele que faz em série, e Fabio tinha incontinência criativa”, escreveu Nizan, emendando sua análise sobre o ambiente criativo atual: “É inverno na propaganda brasileira”, “não vejo nada na TV ou no digital que me empolgue muito.”

Para Nizan, “antes a propaganda brasileira era goleada, era futebol-arte”. A analogia com o esporte já havia sido usada antes para a mesma finalidade, quando Washington Olivetto, convidado a escrever um texto para a edição de aniversário de Meio & Mensagem, em abril, disparou que vê, na publicidade brasileira, “poucos craques em ação” e “um número enorme de pernas de pau”. No diagnóstico de Olivetto, há “receio de praticar a publicidade arte”, e os criativos, “por insegurança e medo, estariam preferindo a “publicidade de resultados”, argumentando que as duas não existiam separadamente. Nizan tem conclusão parecida, afirmando em seu texto que o problema não é que os publicitários brasileiros deixaram de ser criativos, mas condenando “as condições econômicas e conjunturais” e apontando males da internacionalização das principais agências: antes os líderes eram donos (“talentosos, apaixonados, livres e brasileiros”), hoje são executivos, “que passam o dia inteiro a lutar para dar resultado a cada trimestre” e “não podem pensar em estratégia (têm que ser táticos), não podem pensar em tomar riscos (têm que ter previsibilidade), não podem perder contas, portanto não podem mandar chatos embora”. Nizan conclui que, com esse cenário, é “injusto cobrar da meninada jogo bonito se eles e elas não têm pista para voar”.

Na edição de Meio & Mensagem desta semana, há pelo menos dois textos que mostram essa discussão pela ótica da “meninada”. Em artigo, Marcelo Reis, CCO e coCEO da Leo Burnett Tailor Made, diz que “a publicidade brasileira é um baile funk bombando” e reclama: “que lindo seria se os publicitários da antiga geração estimulassem os novos líderes criativos”. Reis defende que o “mundo mudou, e ninguém mais quer que ele fique preso ao que antes funcionava”. Em outra reportagem, vários novos expoentes criativos aparecem nas duas chapas que disputam a eleição para a presidência do Clube de Criação de São Paulo, que após 16 anos não será decidida por aclamação — prova de que existe ao menos busca por efervescência.

Nesse até natural conflito de gerações há razões e equívocos dos dois lados, mas o principal ao olhar adiante é aceitar que a transformação da sociedade, dos consumidores e das mídias impõe lideranças e ambientes diferentes dos do passado, mais heterogêneos e colaborativos.

*Crédito da imagem no topo: velusariot-iStock

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