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Opinião

O futuro da publicidade depende do combate às desigualdades

Goste ou não, eu sou apenas a sua diversidade mais confortável; ou a mais acessível


17 de dezembro de 2019 - 11h15

(Crédito: Sv Sunny/ iStock)

É comum que muita gente da nossa indústria olhe para mim e me coloque automaticamente numa caixa de diversidade. Natural, porque não escondo mesmo minha sexualidade de ninguém e, até por isso, assumo com frequência — e de graça — o posto da exceção que chegou lá. Não vou mentir que, ao revisitar o caminho que percorri, não me sinta muitas vezes orgulhoso disso. Acontece que, por mais que tenha apanhado um bocado por ousar ser quem eu sou diante de um mercado sistematicamente machista, tenho total consciência de que contei, ainda assim, com muito privilégio.

Privilégio vai além de ser uma vantagem social, é uma espécie de direito extraordinário que alguns recebem em um decreto estrutural diante de todo restante da sociedade. O privilégio confere estatisticamente aos homens, por exemplo, maiores salários e, às pessoas brancas, mais acesso à educação e até mesmo uma probabilidade maior de ficar vivo. Ou seja, ainda que com todo o risco que envolve ser gay no país que mais mata LGBTs no mundo, ser um homem branco cisgênero me impulsiona alguns degraus acima e me afasta dramaticamente do alvo.

No fim, é mais fácil ser quem eu sou nessa indústria porque carrego comigo o privilégio de ser homem, e, principalmente, o privilégio de ser branco. E é fato que a diversidade na propaganda pode, sim, ser um grande sofisma. Ainda que parte significativa da minha vivência divirja do padrão, todos sabemos que o que não faltam por aí são homens brancos como eu em posição de liderança criativa. Goste ou não, eu sou apenas a sua diversidade mais confortável. Ou a mais acessível. De um jeito ou de outro, isso é um problema enorme para todo mundo.

Boa propaganda é também sobre repertório e todos entendemos que o novo não nasce de senso comum. Sabe quando uma mesma ideia surge misteriosamente ao mesmo tempo em ambientes totalmente diferentes? Todo mundo fica perplexo, chega-se a falar, inclusive, em inconsciente coletivo. Talvez. Mas já parou para pensar que poderia ser apenas um produto de vivências muito parecidas? Junto com o privilégio de uma maioria de homens brancos, por exemplo, acompanham-se, necessariamente, as referências de ser um homem branco. Quem tem as mesmas referências, tende a contar, ainda que de um jeito um pouco diferente, as mesmas histórias.

Na hipercomplexidade de variáveis na comunicação, já não basta diversificar. É preciso proporcionalizar. Uma diversidade granular — e muitas vezes estetizada — não tem mais fôlego (e nem paciência, confesso) para cumprir protocolos. Não basta na equipe uma pessoa negra para endossar a criação de uma peça, uma dupla de mulheres para aquela conta de beleza, um LGBT para criar para a semana do orgulho e uma pessoa do Nordeste para validar o roteiro do filme regional. As identidades são muito, mas muito mais interseccionais do que conseguiremos limitá-las. E é delas o nosso amanhã.

Pode até soar idealista, mas o futuro da nossa indústria depende essencialmente de um enfrentamento às desigualdades e aos privilégios. Porque aquele que conseguir abrir mão de tantas verdades e práticas construídas nas últimas décadas e encontrar meios para contratar além do óbvio, reter com investimento e promover sem medo diferentes identidades com proporcionalidade, terá, de fato, a diversidade necessária para se diferenciar e prosperar.

Lutar pela representatividade não deve ser um projeto movido somente pela empatia e alheio ao curso da própria história. Enquanto não entendermos que a construção de privilégios formata um sistema que modela toda a sociedade e, por consequência, impacta diretamente no produto central do nosso mercado, não estaremos fazendo nada afirmativo por ele nessa próxima década. Já não basta ter compaixão, é preciso ter pressa.

*Crédito da foto no topo: Reprodução

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